06 jun, 2025 - 17:04 • José Pedro Frazão
Desde o início da invasão russa de larga escala, a Cáritas portuguesa entregou mais de 367 mil euros às suas congéneres ucranianas. A Cáritas Ucrânia, ligada à igreja greco-católica ucraniana, recebeu 292 mil euros, enquanto que a Cáritas-SPES, da Igreja católica romana, recolheu 75 mil euros de ajudas portuguesas.
De visita a Portugal, a mulher que dirige a Cáritas Ucrânia, ligada à igreja greco-católica ucraniana, veio agradecer o apoio dos portugueses desde Fevereiro de 2022. Em entrevista à Renascença, Tetiana Stawnychy descreve os principais desafios do momento ao fim de mais de 3 anos de guerra.
Três anos após o início da invasão russa em grande escala, a 'fadiga da guerra' também se instalou no campo da solidariedade em termos de ajuda humanitária?
Todo o sistema humanitário está a passar por uma crise. Obviamente, quando se tem uma guerra prolongada, obviamente há cansaço nas pessoas dentro e fora do país. Mas conseguimos superar isso, porque a situação e as circunstâncias iniciais não mudaram muito. Em termos estruturais, o que está a acontecer é a mesma coisa do início. Precisamos de agir de forma mais intencional e ter um melhor ritmo de resposta.
Quais são os sintomas desta 'fadiga da guerra'?
Tem vindo a ocorrer redução do financiamento desde o ano passado. Não diria que há menos pessoas ativas [na resposta humanitária] pelo menos na Ucrânia. No primeiro ano, com certeza, e talvez até no segundo ano, havia um grande sentido de solidariedade e um tipo de energia que surge quando se está em crise e que nos é inato. Quando estamos em crise, temos energia extra para conseguir responder-lhe. Quando isso se prolonga por um longo período, o nível de energia já é diferente.
Não diria que há menos pessoas ativas [na resposta humanitária] pelo menos na Ucrânia.
Como lida com isso? Quais são as estratégias para o combater?
Tentamos controlar melhor os nossos ritmos, encontrar tempo para nos recuperarmos e nos recompormos. Tentamos planear com mais antecedência para que tudo não seja sempre apenas uma reação, mas para que se consiga voltar a agir de forma mais controlada e intencional.
Aprendemos muito sobre como responder às situações. Estamos sempre a melhorar as modalidades que utilizamos para construir a nossa resposta. Mas também estarmos atentos aos outros e apoiarmo-nos mutuamente.
Há uma grande campanha que a primeira-dama da Ucrânia iniciou, que se chama " Como Estás?", indicando que devemos comunicar uns com os outros, perguntando uns aos outros "como estás?" para que continuemos a construir apoio mútuo.
Recordo bem o primeiro ano na Ucrânia de muitas respostas a emergências. Imagino que existam diferentes fases no vosso trabalho. Como descreveria a fase atual na resposta da Cáritas?
Continuamos a trabalhar numa resposta por camadas. Isto significa que existem necessidades humanitárias extremas, obviamente ainda no Leste, onde os combates são muito intensos. As pessoas que estão a ser retiradas dos seus locais são, geralmente, aquelas que ficaram para trás por algum motivo. São idosos muito apegados às suas casas, ou famílias com pessoas ou cidadãos com necessidades especiais ou outras que, por qualquer motivo, ficaram para trás. São muito mais vulneráveis e precisam de mais apoio.
Depois há pessoas que não estão muito longe das linhas da frente, onde os serviços foram interrompidos e não há acesso suficiente a alimentos, higiene e artigos básicos. Continuamos a trabalhar neste tipo de respostas humanitárias extremas.
Ao mesmo tempo, continuamos a apoiar pessoas que foram deslocadas anteriormente, ajudando-as a estabilizar e a integrar-se. Estamos também a trabalhar para ajudar as comunidades a estabilizarem-se e a encontrar soluções duradouras para os problemas que enfrentam.
Por exemplo, reparamos casas danificadas por bombas, bombardeamentos e artilharia. Isto pode ocorrer em toda a Ucrânia, não apenas nas regiões orientais, embora estas sejam as mais afetadas. Mas os drones suicidas e os mísseis de cruzeiro e balísticos podem atacar qualquer região da Ucrânia. Portanto, há danos por toda a parte.
As pessoas que estão a ser retiradas dos seus locais são, geralmente, aquelas que ficaram para trás por algum motivo. São idosos muito apegados às suas casas, ou famílias com pessoas ou cidadãos com necessidades especiais ou outras que, por qualquer motivo, ficaram para trás. São muito mais vulneráveis e precisam de mais apoio.
Outra frente, por exemplo, é a que se encontra nas zonas afetadas pela destruição da Barragem de Kokhovka e pelo esvaziamento dos lençóis freáticos. Estamos a tentar ajudar com soluções locais para o acesso à água, construindo poços, instalando sistemas de bombagem e de filtragem para que as pessoas tenham acesso a água potável nestas zonas do país, sobretudo no sul e no leste.
Em matéria de estabilização, começámos também a expandir os nossos programas de subsistência. Significa ajudar as pessoas a reerguerem-se e a começarem a sustentar-se novamente. Isto pode ser feito ajudando-as a encontrar empregos nas comunidades de acolhimento onde se estabeleceram. Isto pode acontecer através de pequenos 'aceleradores de negócios' e de subsídios para pequenas empresas, com os quais estamos a ajudar pessoas que foram deslocadas e que perderam tudo a abrir os seus próprios negócios.
Isto também significa pequenos subsídios agrícolas. Muitas pessoas deslocadas são de comunidades rurais. Assim podemos ajudá-las a recomeçar uma pequena quinta numa nova região.
Os drones suicidas e os mísseis de cruzeiro e balísticos podem atacar qualquer região da Ucrânia. Portanto, há danos por toda a parte.
São programas realmente importantes, muito bem complementados com os nossos centros de crise, que ajudam as pessoas a estabilizarem-se psicologicamente, a resolver quaisquer problemas legais ou burocráticos que possam ter, a reinstalar-se e a resolver quaisquer outros problemas. O passo seguinte é ajudá-los a reerguerem-se, a sentirem essa capacidade de se sustentarem.
Há também outra camada muito importante ligada às pessoas vulneráveis ,que são as mais afetadas pela guerra. São os idosos, as famílias com pessoas com deficiência, as famílias, as crianças de famílias vulneráveis. Todos estes grupos de pessoas necessitam de apoios e programas adicionais para os ajudar, para que, quando são deslocados, possam estabilizar e encontrar o seu lugar nos programas de proteção social no estado ou a receber esse apoio adicional.
Conseguiram fazer isto sem cortar nos voluntários, sem cortar na força de trabalho?
Sim, mantivemos os números gerais na rede. Há cada vez menos financiamento disponível para os nossos centros mais distantes das linhas da frente. Grande parte do financiamento foi direcionado para as áreas da linha da frente. O nosso desafio é encontrar estas soluções duradouras e formas sustentáveis de ajudar as pessoas na Ucrânia Central e Ocidental.
Esse é, provavelmente, um dos nossos principais focos, para além da contínua resposta humanitária no Leste: encontrar soluções duradouras. Isto significa trabalhar com os governos locais, com doadores que trabalham com financiamento para o desenvolvimento ou estabilização.
É cada vez mais difícil conseguir financiamento para instituições de solidariedade?
Sim. Assistimos a uma queda no ano passado em 2024 e isso continua este ano, claro. Mas, mais uma vez, essa é uma das razões pelas quais continuamos a procurar formas inovadoras de responder a uma grande crise como esta guerra.
Logo no início, 14 milhões de pessoas deslocaram-se no país. Isto cria certas necessidades e uma enorme necessidade de recursos e financiamento quando se tem este grande número de pessoas a serem deslocadas.
À medida que avançamos e a guerra se prolonga, temos, novamente, esta resposta mais complexa. É preciso ir mais fundo e ajudar as pessoas a restabelecerem-se, em vez de se estabilizarem noutras regiões.
A Cáritas Ucrânia foi afetada de alguma forma pelos cortes nos programas norte-americanos da USAID?
Sim. Num dos nossos programas, tínhamos uma bolsa do Gabinete de Assuntos Humanitários da USAID. O programa foi inicialmente interrompido, mas por um curto período. Depois, disseram-nos que poderíamos voltar a trabalhar, mas apenas para salvar vidas. Mas, como todos os nossos programas estavam na região leste do país, consideramos que a maioria deles salvavam vidas.
Assim, reduzimos um pouco a resposta, mas ainda assim continuámos o trabalho e ainda estamos a finalizá-lo, com uma extensão do trabalho até ao final de julho.
Há outras bolsas onde fomos apenas parceiros de implementação, por exemplo, com agências da ONU. Algumas conseguiram reequilibrar-se e encontrar outros doadores para apoiar. Nalguns casos, especialmente na assistência financeira multifunções, assistimos a um corte no que tínhamos planeado na nossa programação.
Há um grande fardo sobre as mulheres ucranianas desde o início da invasão em grande escala. Como descreve a resposta nesse domínio?
Muitos programas que temos acabam por ser, em grande parte, dirigidos a mulheres, principalmente porque são mães solteiras ou estão a cuidar das suas famílias sozinhas neste momento.
Estamos a falar de tudo o que fazemos com crianças, com a estabilização psicológica nas escolas, onde tentamos estabilizar tanto jovens como pais e professores.
Obviamente, muitas pessoas que se candidatam às nossas mini-bolsas e recebem apoio para encontrar emprego nas comunidades de acolhimento são também mulheres. Vemos a força e a resiliência das mulheres e estamos a tentar apoiá-las à medida que avançamos.
Há um grande número de mulheres que estão no estrangeiro, que são refugiadas no estrangeiro. Algumas delas talvez fiquem, outras regressarão à Ucrânia, e este será outro desafio sobre o qual já começámos a pensar, em como podemos criar programas de regresso para apoiar as pessoas. Especialmente mulheres com filhos, como podemos ajudá-las a regressar, a encontrar um lugar para viver, a encontrar emprego, a ajudar as crianças a adaptarem-se às escolas.
Há um grande número de mulheres que estão no estrangeiro, que são refugiadas no estrangeiro. Algumas delas talvez fiquem, outras regressarão à Ucrânia, e este será outro desafio sobre o qual já começámos a pensar, em como podemos criar programas de regresso para apoiar as pessoas.
Pela experiência também com os vossos homólogos na Polónia ou noutros países vizinhos, como descreve o fluxo atual de pessoas que entram e saem da Ucrânia?
Há sempre algum movimento de ida e volta, mas penso que houve uma estabilização. A questão principal para muitas pessoas que estão no estrangeiro é a segurança e a proteção dos seus filhos. Portanto, até que esta questão seja resolvida, veremos uma presença contínua no estrangeiro. Esta é uma questão em que o governo ucraniano também está a começar a planear. O principal objetivo será desenvolver linhas de comunicação e informação para que as pessoas possam tomar as suas decisões com base em factos e no que está a acontecer, com apoio que pode ser prestado ao seu retorno à Ucrânia.