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"É prudente aguardar". Carlos Costa sugere ao BCE uma pausa na mexida das taxas de juro

27 jun, 2025 - 06:30 • Pedro Mesquita

Perante as incertezas que marcam o tempo, o antigo governador do Banco de Portugal aposta na prudência ao Banco Central Europeu. O sistema de pensões e a venda do Novo Banco são outros temas desta entrevista à Renascença.

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EURANET - ENTREVISTA A CARLOS COSTA

O antigo governador do Banco de Portugal Carlos Costa sugere ao Banco Central Europeu (BCE) uma pausa antes de se voltar a mexer nos juros, seja para cima ou para baixo, face ao momento de incerteza que se vive à escala global.

"Há incertezas relativamente à evolução dos preços do petróleo, há incertezas relativamente às tarifas, há incertezas relativamente às condições de oferta e também há incertezas em relação à evolução da procura agregada, na medida em que há sinais de desaceleração. Estas incertezas vão ter influência sobre a formação de salários e preços", argumenta, na Renascença.

Nesta entrevista, Carlos Costa pronuncia-se pela primeira vez sobre a venda do Novo Banco aos franceses do BPCE, considerando a operação "um sucesso".

"É uma manifestação de sucesso do processo de recuperação, é uma manifestação de sucesso da aposta num banco de transição e é uma manifestação de sucesso também por parte do poder político, que assistiu o fundo de resolução emprestando-lhe os recursos necessários para que ele pudesse suportar o banco de transição", diz o antigo governador do Banco de Portugal.

Carlos Costa - que sempre defendeu a solução que foi seguida, a aposta num banco de transição - conclui que "o sistema bancário evitou um trauma que seria muito difícil de superar no futuro, que era o trauma de uma falência de uma instituição de primeira ordem, entre os grandes bancos portugueses. Isto iria ficar na memória de todos".

Noutro plano, Carlos Costa diz à Renascença que deve manter-se o modelo de pensões existente, mas considera "útil e desejável que a população constitua, durante o período em que está ativa, uma poupança que complete a pensão a que tem direito, e deve continuar a ter".

O antigo governador do Banco de Portugal sublinha: "Não se trata de substituir, trata-se de complementar."

"Para tornar a União Europeia num bloco económico relevante, é necessário aprofundar o projeto, iniciado em 1987-88, da criação do mercado interno"

Perante a crise no Médio Oriente e toda incerteza que vivemos neste momento, será previsível que o Banco Central Europeu regresse a uma subida das taxas de juro ou é mais prudente aguardar?

Estamos num quadro de incerteza. Há incertezas relativamente à evolução dos preços do petróleo, há incertezas relativamente às tarifas, há incertezas relativamente às condições de oferta e também há incertezas em relação à evolução da procura agregada, na medida em que há sinais de desaceleração.

Estas incertezas vão ter influência sobre a formação de salários e preços. E vão ter uma influência que depende muito da forma como os agentes económicos incorporem, por um lado, essas evoluções em termos de fixação de preços e de expectativa de rendimentos e, em segundo lugar, incorporem também a credibilidade da política monetária e a persistência do Banco Central Europeu na estabilidade nominal, o que tem sido notável.

Neste quadro, julgo que é prudente aguardar para perceber quais são os resultados destas forças contraditórias sobre a evolução de salários e preços - o que depende de elas se manterem, e da intensidade que têm - e só depois definir a orientação a seguir. Uma pausa significa uma pausa na descida e significa, simultaneamente, uma postura de espera relativamente a qualquer aumento das taxas de juro. Portanto, não espero um aumento nem uma redução de taxas de juro enquanto não tiver sido clara a tendência em matéria de evolução dos custos, pelo lado da oferta e em termos de evolução da procura, que tem uma tendência também para limitar o efeito das tensões inflacionistas.

"O sistema bancário não evoluiu como se esperava quando se constituiu o Mercado Interno porque o fenómeno de criação de bancos transnacionais foi limitado"

Como será possível transformar a União Europeia num bloco económico mais relevante? Torná-la um bloco capaz de competir com os EUA ou a China, por exemplo?

Para tornar a União Europeia num bloco económico relevante é necessário aprofundar o projeto, iniciado em 1987-88, da criação do mercado interno. E a criação do mercado interno ficou concluída durante a presidência portuguesa da União Europeia, em 1992, com a garantia da liberdade de circulação de bens, liberdade de circulação de pessoas, liberdade de circulação de capitais e liberdade de prestação de serviços.

Mas não resultou. Porquê?

Não resultou, não. Atenção: resultou. Simplesmente, a expectativa na época era que, por força dessa abertura dos mercados, se gerasse um processo de concorrência que levasse ao aparecimento de entidades de maior dimensão e que, por essa via, houvesse um aumento da produtividade e, automaticamente, um aumento da capacidade de inovação dessas empresas. Esperava-se, por outro lado, no plano financeiro, que se gerasse uma rede transnacional de entidades prestadoras de serviços de intermediação financeira - fosse bancária ou serviços de investimento - e também se esperava, obviamente, que se gerasse um fenómeno de maior mobilidade do trabalho, no interior da União Europeia. Todos estes fenómenos aconteceram, embora numa escala inferior à prevista.

"As fusões têm de ter uma lógica"

Parece-lhe adequado que a Reserva Federal dos EUA tenha, neste momento, apenas um mercado de capitais, enquanto a União Europeia tem 27? Isso também deveria ser corrigido?

Há que distinguir duas coisas que são completamente diferentes: nos Estados Unidos, não se coloca o problema de integração de mercados nem se coloca o problema de integração de mercados que respondem perante os seus soberanos. Nos Estados Unidos, não há lugar a uma partilha de soberania.

Portanto, na União Europeia, é preciso conciliar partilha de soberania - que traz consigo o princípio de legitimação do processo de integração - com os benefícios da integração. E os princípios-base da criação do mercado interno, que foram estabelecidos no tempo do Jacques Delors, continuam válidos.

Temos é de perceber porque é que esses princípios não produziram ainda o resultado que se pretendia. Não produziram o resultado que se pretendia, no mercado financeiro, porque do lado dos aforradores há uma ausência de mecanismos de intermediação e de recolha da poupança, que a leve para aqueles que necessitam, que são os investidores, as empresas. E, do lado das empresas, há uma preferência pela manutenção do financiamento bancário, em vez de abrir o capital e ir ao mercado de capitais. Isso tem a ver, basicamente, com a estruturação das empresas europeias que privilegiam o controlo pelos acionistas, mais do que a abertura do capital ao mercado.

O que está em causa é que, primeiro, o mercado de capitais tem mecanismos de intermediação, os mecanismos de intermediação devem ser acessíveis para qualquer aforrador, tal como para qualquer tomador de financiamento. Segundo: é preciso que esses mercados tenham escala para absorver. Verifiquemos o seguinte: a dimensão das empresas cotadas e a dimensão da canalização de poupança para as empresas é inferior àquela que acontece nos Estados Unidos e verifica-se também que a importância dos bancos na recolha da poupança continua a ser muito alta.

"É bom que as fusões sejam muito acompanhadas pelas autoridades de concorrência"

Não faria sentido que a União Europeia, ao invés de manter os seus 27 mercados de capitais, tentasse caminhar no sentido de ter apenas um? Não estaria mais próxima das empresas?

O problema que se coloca é que a União Europeia já deu um passo nesse sentido, por exemplo, ao criar o Estatuto Europeu de Sociedade, de forma a ultrapassar os estatutos nacionais. No entanto, a adesão não foi por aí além, porque cada empresa está referida a uma jurisdição, ou seja, a um Estado, e trabalha de acordo com as regras desse Estado.

O que faz sentido é estimular as empresas a irem ao mercado de capitais, mais do que ao mercado de crédito. E, simultaneamente, garantir que as regras de investimento, em cada um dos mercados, são transparentes e merecem a confiança dos investidores, além de perceber que os investidores são de duas categorias: há investidores institucionais, que são predominantes no mercado americano, e há investidores particulares.

Os investidores particulares nem sempre têm escala para atuar nesses mercados e, portanto, vão através de investidores institucionais, sejam eles fundos de investimento ou outros mecanismos de recolha de poupança e de investimento. O que acontece na Europa, e isso é importante, é que na poupança acumulada - que anda na ordem dos 33 triliões de euros -, um terço está aplicada sob a forma de depósitos e os 23 triliões que restam, uma parte significativa, é, fundamentalmente, capital detido pelos acionistas das empresas, mas não em empresas abertas e cotadas, o que limita, obviamente, as possibilidades de aplicação.

Portanto - e por isso é que se faz sentido falar hoje de uma União de Poupanças e Investimento -, é preciso agir dos dois lados. É preciso haver procura de capital de risco por parte das empresas, um modelo de financiamento que deixe de estar dependente só do crédito para estar dependente do capital de risco, e é preciso, por outro lado, existirem entidades com capacidade de oferecer produtos aos aforradores e que esses aforradores possam transferir, através dessas instituições, os seus aforros para aplicações diferentes dos meros depósitos.

"É desejável que haja bancos transeuropeus"

Faria sentido - como sugere a comissária Albuquerque - incentivar os cidadãos a investirem mais nos mercados de capitais, em vez de deixarem as poupanças paradas nos bancos?

As poupanças não ficam paradas nos bancos. As poupanças ficam nos bancos para eles concederem crédito. O que acontece é que as poupanças entregues aos bancos beneficiam de garantias que têm um custo: têm um custo para as entidades que intermediam e têm um custo, por implicação, que é a redução da rentabilidade das aplicações.

Portanto, o que faz sentido, e, aliás, também é o que diz a Comissária Maria Luís Albuquerque, é criar uma cultura financeira, junto do público em geral, para distinguir entre produtos de risco e produtos de depósito e, por outro lado, perceber que há fórmulas de tirar partido de maior rentabilidade e de maior risco em investimentos a longo prazo.

Era bom que as empresas abrissem o capital no sentido de não dependerem tanto do crédito e, sim, muito mais das aplicações através do mercado de capitais. Era bom que houvesse agentes que recolhessem a poupança junto dos aforradores e a aplicassem no setor empresarial. E era bom que, por essa via, os aforradores beneficiassem da maior rentabilidade que as empresas permitem em investimentos dessa natureza: assumem uma parte do risco, mas têm como contrapartida muito maior rentabilidade.

Isto tem duas vantagens, que é preciso perceber: as empresas, quando dependem do crédito, estão dependentes, em termos do seu desenvolvimento, do volume de capitais próprios que têm, porque há uma proporção permanente entre capitais próprios e capitais alheios. Se elas não tiverem capacidade de mobilizar capitais próprios, não têm capacidade de mobilizar capitais alheios além de um certo volume. E, não tendo capacidade, não podem crescer. Significa isto que este modelo de financiamento via crédito constitui um travão ao crescimento das empresas. Para o ultrapassar, é preciso que as empresas aceitem que o controlo da empresa passe a ser um controlo em função da detenção do capital colocado no mercado de capitais. Isto implica uma alteração de mentalidade e uma alteração de posicionamento.

No dia em que as empresas europeias estiverem a emitir capital de risco nos mercados, aumentam as oportunidades, por exemplo, para um investidor português que vai ao encontro das empresas, no espaço europeu, à procura das mais rentáveis ou que lhe merecem mais confiança. Isto significa, automaticamente, que a poupança passa a ter muito mais mobilidade.

Neste momento, a banca europeia tem a escala necessária para competir com os Estados Unidos e com a China?

Antes de avançar para aí, gostava de salientar um ponto que tem a ver com a questão inicial: o modelo de financiamento determina a questão do modelo de crescimento das empresas e o modelo de crescimento das empresas determina um outro elemento, muito importante, que é a sua capacidade de inovação. Se elas não têm capital de risco, não podem ter uma aposta na inovação da mesma escala que outras, com capital de risco abundante. Por outro lado, se elas não têm dimensão, também não podem ter uma aposta no crescimento, o que significa que existe uma relação biunívoca entre o desenvolvimento do mercado de capitais e o desenvolvimento e crescimento, das empresas.

Por outro lado, há também uma relação biunívoca entre o crescimento das empresas e a inovação. Quer queiramos quer não, nós, que tendemos a dissociar a economia financeira da chamada economia real, vamos verificar, no fim da linha, que a economia financeira e a economia real se determinam mutuamente. Nós não temos uma economia financeira desenvolvida porque a economia real tem um determinado modelo de institucionalização e formatação, nomeadamente do ponto de vista de mobilização de capital e, em segundo lugar, não temos uma economia real forte porque o modelo de financiamento também a condiciona.

"É importante para a economia europeia e para os europeus que aumente a taxa de poupança"

Feita essa ressalva, também será necessário que a banca europeia reforce a sua escala para poder competir com os Estados Unidos e com a China?

A escala dos bancos determina a dimensão do financiamento que podem providenciar e a dimensão dos riscos que podem assumir.

Quando estamos a falar de um tecido empresarial, tal como o conhecemos, a escala dos bancos não constitui uma restrição ativa. Isto é, não constitui um obstáculo porque os bancos existentes, nos diferentes países, têm escala para acudir à dimensão dos investimentos que as empresas promovem. Mas as empresas estão limitadas na sua capacidade de investimento pelo modelo de financiamento, pela sua dimensão e também pelo modelo de abertura do seu capital. Acontece que, quando se trata de grandes projetos de infraestruturas, por exemplo, é necessário constituir sindicatos bancários. Esses sindicatos bancários não resultam necessariamente da falta de escala dos bancos, resultam de dispersão de risco, ou seja, de partilha de risco.

Um grande projeto não é necessariamente financiado - e não deve ser financiado - por um único banco, sob pena de o expor excessivamente a um dado risco. O que acontece, normalmente, é constituírem-se sindicatos bancários para esse efeito. Portanto, eu diria que, desse ponto de vista, o problema europeu não é o sistema bancário. O sistema bancário não evoluiu como se esperava quando se constituiu o Mercado Interno porque o fenómeno de criação de bancos transnacionais foi limitado. Mas não foi esse o fenómeno que condicionou o desenvolvimento da economia europeia. O modelo não evoluiu porque, do lado da captação da poupança, não apareceram investidores institucionais adequados ao modelo de financiamento que as empresas necessitariam, mas também é verdade que, do lado das empresas, não se registou uma evolução no sentido de abertura do capital para tirarem partido da escala do mercado interno, da escala do mercado europeu e das vantagens que resultariam da existência de uma investigação universitária que estava disponível, mas que carecia de empresas onde a aplicar. E é assim que, por exemplo, grandes inovações germinaram na Europa, mas acabam por migrar para os Estados Unidos, exatamente porque não existe um agente, um ator que as converta em aplicações produtivas e em inovações concretas.

Defende mais fusões, nomeadamente fusões bancárias transfronteiriças?

O problema é este: as fusões têm de ter uma lógica. E a lógica das fusões tem de resultar dos ganhos de eficiência ou da capacidade que trazem em termos de financiamento. Se do lado do financiamento ainda não existe uma procura a que o sistema bancário tenha de responder, ganhando ainda mais escala, ou se ainda não se verificam ganhos de eficiência que justifiquem esse processo, é natural que não haja um impulso determinante para a fusão.

Gostaria de salientar isto: na Europa, os problemas de fusão têm mais a ver com os problemas de controlo de mercado do que com os problemas de ganho e eficiência. É bom que as fusões sejam muito acompanhadas pelas autoridades de concorrência porque, neste momento, o mercado não é verdadeiramente transeuropeu. Portanto, é desejável que haja bancos transeuropeus, mas eu diria que, a seu tempo, isso vai acontecer, se as condições do lado do investimento dos recursos e do lado da captação de recursos o exigirem.

"Criar um banco de transição significa manter, na sala de recuperação, um paciente que sofreu uma grande cirurgia"

Olhando para a venda do Novo Banco aos franceses do BPCE, como analisa este negócio? Enquanto governador do Banco de Portugal, foi um dos defensores de um banco de transição e defendeu-o um pouco contra a corrente...

Quando se impôs a resolução do BES, dada a situação de falência em que se colocou, havia estas alternativas: a liquidação, que significaria um custo enorme para os depositantes, porque os depositantes com um depósito de acima de 100 mil euros iriam sofrer perdas, já que até 100 mil euros estariam cobertos pelo fundo de garantia de depósitos. Significaria, também, um custo enorme para o Fundo de Resolução, que teria que assumir as perdas resultantes da liquidação, e seria, igualmente, um custo enorme para a economia portuguesa, porque teríamos uma perda de confiança dos depositantes nos bancos, que afetaria todos os bancos. E teríamos uma perda de acesso ao financiamento por parte de um tecido de Pequenas e Medias Empresas (PME), que era financiado pela entidade que entrou em falência. A alternativa era assegurar um banco de transição, isto é, um banco que mantém os depósitos, mantém o crédito, continua a servir os depositantes e é recapitalizado. Mas é recapitalizado numa lógica de ser, depois, alienado, e as condições de alienação eram estabelecidas pela Direção-Geral da Concorrência e pela Comissão Europeia e eram muito restritas: tinha que ser alienado no prazo de dois anos.

Na altura, essa possibilidade não era bem vista também por Bruxelas. Não era só o governo português que olhava com desconfiança para a solução do banco de transição...

A questão é muito simples: tratava-se de uma aposta de alto risco. Se alguém não está comprometido com o mercado financeiro português, com a confiança dos depositantes e com a continuação do financiamento da economia, a solução mais fácil é liquidar porque isso fecha o capítulo, nesse momento.

Criar um banco de transição significa manter, na sala de recuperação, um paciente que sofreu uma grande cirurgia, uma grande cirurgia porque estava em situação de falência vital.

"Há sempre radicais, mas o que importa não são os radicais. O que importa é o contrato social em que se baseia a convivência e a relação interpessoal numa sociedade"

Já sabemos o que aconteceu a seguir. Perante os resultados, foi a melhor solução?

Do meu ponto de vista, foi a demonstração de que um banco de transição é uma solução importante para garantir a continuidade da confiança no sistema bancário, além de garantir os depósitos que foram confiados à instituição que entrou em falência. É também uma boa solução para garantir a continuidade do financiamento às empresas cujo financiamento dependia dessa instituição e, entre essas, as pequenas e médias empresas que, naturalmente, estão muito mais dependentes do seu banco principal - neste caso as empresas que dependiam do banco que entrou em falência - e, por último, é uma demonstração de que é possível manter a concorrência, manter a atividade de uma instituição.

Ao fazer o "turnaround", isto é, ao recuperá-la, garantimos que haveria maior capacidade de financiamento da economia e, simultaneamente - e isto é muito importante - mantinha-se um centro de decisão autónomo dentro do sistema financeiro português, garantindo uma alternativa de diálogo para as empresas que procuram financiamento e para os aforradores que pensam em aplicações. Portanto, aí ganhamos seguramente em termos de funcionamento do mercado financeiro.

Quanto ao negócio propriamente dito, parece-lhe que a venda aos franceses do BPCE é uma boa solução?

O negócio foi conduzido pelo acionista que controlava a instituição. Foi o único que acreditou que podia fazer a recuperação do banco. E fê-la.

O facto de ter conseguido criar uma perspetiva muito positiva para o futuro do banco leva a que existam interessados em pagar um preço acima do valor dos capitais do balanço. E o facto de isso ter acontecido, significa duas coisas: que valeu a pena a aposta num banco de transição e que houve, da parte de quem tomou o risco de fazer a recuperação, a capacidade e as competências para o efeito.

Portanto, é uma manifestação de sucesso do processo de recuperação, é uma manifestação de sucesso da aposta num banco de transição e é uma manifestação de sucesso também por parte do poder político que assistiu o fundo de resolução, emprestando-lhe os recursos que eram necessários para que ele pudesse suportar o banco de transição.

E foi também um sucesso seu, enquanto governador do Banco de Portugal?

É um sucesso do Banco de Portugal e, sobretudo, é um sucesso do sistema bancário. O sistema bancário evitou um trauma que seria muito difícil de superar, que era o trauma de uma falência de uma instituição de primeira ordem, entre os grandes bancos portugueses. Isto iria ficar na memória de todos. Portanto, tenhamos consciência de que, em Portugal, os depositantes do BES foram todos salvaguardados pela criação do banco de transição. Tenhamos consciência de que os clientes do crédito do BES tiveram continuidade de financiamento.

Tenhamos consciência de que não houve nenhuma concorrida aos bancos nem às caixas multibanco. E, tenhamos consciência de que, no final do dia, a confiança no sistema bancário se mantém elevada. Mais do que isso: as condições de funcionamento do sistema bancário são hoje muito superiores em termos de rácio de solvência, de eficiência, e tenhamos a consciência de que um dos bancos que fez um esforço enorme para aumentar a sua eficiência foi, exatamente, o banco que resultou do banco de transição.

"O que faz sentido é estimular as empresas a irem ao mercado de capitais, mais do que ao mercado de crédito"

É importante, para Portugal e para outros Estados da União Europeia, que se diminua a dependência do sistema público de pensões?

Temos que pôr as coisas de outra forma: é importante para a economia europeia e para os europeus que aumente a taxa de poupança. É também importante que essa poupança seja aplicada de forma rentável e com grande retorno. É importante, para isso, que surjam mecanismos - sejam fundos de investimento ou fundos complementares de pensões - que reforcem a confiança no futuro. Porque é preciso atender a que temos uma população que está numa rota de envelhecimento e, portanto, essa população vai depender de dois fatores para o seu modo de vida e o seu bem-estar futuro: das pensões que constituíram através do sistema de pensões existente em cada país, que é um sistema do tipo distributivo, e da poupança que acumularam, que na prática vai gerar um rendimento futuro para complementar a sua pensão.

Independentemente daquilo que lhe chamemos, é preciso que o rendimento da poupança adicional que as famílias constituam seja suficiente para garantir que toda esta população, dependente de um sistema de pensões assente no modelo distributivo, não se encontre fragilizada no futuro e dependente de uma qualquer discussão política.

Com este discurso liberal, não há o risco de se começar a casa pelo telhado?

Não, isto não é nenhum discurso liberal. Vamos ser claros: o modelo de pensões que existe deve manter-se, porque esse é o contrato social em que se baseia o funcionamento das sociedades europeias. Segundo, é necessário perceber que este modelo de funcionamento cria uma pressão sobre a população ativa, porque é ela que financia a população aposentada. Terceiro, é necessário perceber que é útil que a população não fique dependente de oscilações políticas na sensibilidade a este modelo de financiamento. E, portanto, é útil e desejável que a população que vai ser dependente constitua, durante o período em que está ativa, uma poupança e que essa poupança seja aplicada de forma rentável e que gere um rendimento que complete a pensão a que tem direito - e deve continuar a ter - e que vai, necessariamente, ser financiada pelo modelo distributivo. Portanto, não se trata de substituir, trata-se de complementar.

Mas não haverá políticos a apostarem, precisamente, num discurso de substituição, ao invés da complementaridade?

Na vida há sempre na vida radicais, mas o que importa não são os radicais. O que importa é o contrato social em que se baseia a convivência e a relação interpessoal numa sociedade. E o nosso contrato social baseia-se na ideia de que quem está no ativo suporta o sistema de pensões de quem já se aposentou, tal como quem já se aposentou o suportou no passado. Isto é um sistema em continuidade. Este sistema será tanto mais fácil de gerir quanto maior for a produtividade da economia. E por isso é que a inovação, o desenvolvimento económico e o crescimento são muito importantes. Mas também é bom garantir que os futuros aposentados participam desse crescimento, através da aplicação das suas poupanças. Se eles hoje estiverem a poupar e a aplicar, digamos, em fórmulas de investimento que vão gerar rendimento futuro, eles estão a beneficiar por dois lados: estão a beneficiar porque aumenta a capacidade de comparticipação no sistema de pensões por parte dos que estão ativos e, por outro lado, estão a beneficiar porque retiram resultados através do retorno desses investimentos, como um rendimento adicional. Portanto, não estamos a falar de substituir - do que estamos é a falar de uma valorização da poupança através de um retorno adicional.

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