15 out, 2025 - 23:51 • José Pedro Frazão
D.Paolo Pezzi defende que o diálogo é a arma possível face ao conflito entre ucranianos e russos. Em entrevista à Renascença, o Arcebispo de Moscovo confessa que convida os crentes até a falar sobre os ódios que, com um conflito prolongado, vão corroendo a esperança que, diz o prelado, pode ser encontradas nas próprias raízes da Europa.
Estamos em tempo de guerra na Ucrânia e no Médio Oriente. Qual é o maior desafio que a Europa enfrenta atualmente?
Devo dizer que não gosto muito de falar sobre desafios. Prefiro falar das oportunidades, das preocupações, do propósito da existência e, por conseguinte, da iniciativa de cada um.
Posto isto, penso que o maior desafio para a Europa de hoje é a radicalidade, ou seja, o regresso às suas origens. Infelizmente, isto vai completamente contra a corrente. Hoje, muito poucas pessoas pensam dessa forma.
E, nesse sentido, parece-me que existe um forte risco de se fazerem escolhas trágicas. Parece-me que a experiência das duas guerras terríveis que devastaram a Europa — essa lição, infelizmente, foi esquecida. Os pais fundadores da Europa foram muito claros ao afirmar que, sem a redescoberta destas raízes, nenhum grande passo em frente pode ser dado.
Uma radicalidade da violência na Europa, física, mas também verbal.
Quando falo de radicalidade, refiro-me precisamente a este sentido literal: radicalidade significa regressar às próprias raízes.
E isso é também uma resposta à violência, às guerras. É também uma resposta à necessidade do homem de construir, de deixar um futuro, de deixar o seu país e o seu ambiente de vida num lugar melhor.
Três anos após o início da guerra na Ucrânia, qual é o significado da guerra na Ucrânia para os católicos na Rússia?
Penso que o significado da presença católica na Rússia continua a ser o mesmo de sempre.
O significado nunca muda consoante as circunstâncias. O significado é sempre tornar presente Aquilo para que existimos. A Igreja, onde quer que esteja, existe pela única razão de anunciar Cristo.
É claro que, nas condições em que nos encontramos, isso traduz-se em sermos arautos da esperança, toda a esperança. Porque a continuação, o prolongamento do conflito mina e enfraquece a esperança.
Ainda tem esperança?
Sim. Claro que a esperança cresce. A esperança cresce na medida em que redescobrimos as nossas raízes. Na medida em que vivo o meu compromisso, a minha pertença a Cristo. Então, uma vez que Cristo é a minha esperança, essa esperança cresce com o tempo.
Mas os sinais da guerra não são positivos.
Não. Mas devemos recordar isto: Nosso Senhor Jesus Cristo não destruiu os homens para os salvar. Nosso Senhor Jesus Cristo não eliminou o mal, não eliminou o ódio, não eliminou a violência, mas venceu-os.
E Ele venceu-os de uma forma muito particular, que ainda hoje permanece uma possibilidade de superação. E essa possibilidade é o perdão, a misericórdia, a reconciliação, a oferta de amizade. É claro que também aqui vamos à raiz da mensagem cristã. Mas quando a experimentamos, somos sempre capazes de ter esperança, sermos sempre portadores de esperança.
Quero partilhar uma breve citação de uma mulher judia num campo de concentração, encontrada numa página do seu diário, que milagrosamente chegou até nós. Ela chamava-se Etty Hillesum. A certa altura do diário, ela diz: "Mas pensas que não vejo que há arame farpado? Achas que não reparo nos crematórios? Achas que não compreendo que a morte reina? E, no entanto, vejo este céu estrelado, vejo esta beleza. E isso é mais forte. E é isso que me dá esperança, é isso que me faz viver."
Existe sofrimento pela guerra no coração do russo anónimo?
Claro que existe sofrimento, uma dor, que é, digamos, diferente consoante o grau de envolvimento de uma pessoa.
Pode ser o sofrimento do ódio, pode ser o sofrimento de alguém que perdeu um vizinho, familiar, marido, filho ou amigo no conflito. Pode ser a dor de alguém que não sabe o que aconteceu aos seus entes queridos envolvidos no conflito.
Um grande sofrimento?
Eu já encontrei esse sofrimento.
Conheci algumas pessoas em sofrimento, porque até conheci pessoalmente, alguns que morreram no conflito.
Conheço bem duas pessoas — a sua mulher, a sua sogra e a mãe de outro.
Existe um desejo de paz nos corações dos cristãos ortodoxos russos?
Sim, acredito nisso: que o desejo de paz está em todos.
Não acredito que seja possível eliminar, erradicar do coração humano este desejo de paz.
Qual é o problema? E de que paz estamos a falar? E isto é muito mais difícil porque normalmente - digamos, não quero generalizar - encontramos frequentemente uma visão de paz que é uma visão mundana, em que se dizia que se está sempre preparado para a possibilidade, mesmo para a eventualidade muito provável de conflito, e então estará sempre num estado de paz no sentido romano.
Ou pensamos na paz como uma vitória.
Mas todas as vitórias, exceto a vitória de Cristo, são vitórias temporárias, que duram algum tempo.
E sabemos bem, por exemplo, após a Primeira Guerra Mundial, o efeito catastrófico que a humilhação dos vencidos pode ter, como aconteceu na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial.
Portanto, também aqui se trata de nos entendermos. É difícil discutir como entendemos a paz, mas podemos propô-la; essa é a grande vantagem.
Quando temos esperança em Cristo, propomos apenas a paz de Cristo, a paz que Cristo dá, e não a nossa própria paz. Isto não significa, obviamente, que, do ponto de vista político e diplomático, não devamos procurar soluções.
Mas para um homem da igreja, para um crente, o objetivo deve ser primeiro dar testemunho da paz que Cristo dá, que já existe.
Existe algum contacto vosso com o lado russo para promover mais diálogo com os ucranianos?
Existem contactos, e a muitos níveis. Mas não diretamente relacionados com o conflito.
Em relação ao conflito, não estamos apenas a falar sobre isso, mas sim a discutir medidas concretas que podem ser tomadas em questões específicas. Por exemplo, dialogamos para tentar perceber qual a melhor forma de garantir a libertação dos prisioneiros de guerra. Ou procuramos o diálogo para ver como poderíamos transmitir à Ucrânia o nosso desejo de que a Igreja Ortodoxa Ucraniana não seja proibida, seguindo o apelo do Papa Francisco à não mistura de questões religiosas e políticas.
Fiz muitas vezes a seguinte pergunta na Ucrânia como jornalista. Como será a reconciliação com tanto ódio entre os povos da Rússia e da Ucrânia? Como pode ser feita?
Não sei. O que diz é verdade. Há tanto ódio, tanta recriminação, tão pouca abertura.
Só posso dizer o que faço em relação a isso. Nas nossas comunidades católicas, há muitos que têm raízes ucranianas, e devo dizer que as opiniões sobre o conflito são extremamente diferentes, por vezes até as mais inesperadas. O que faço? Encorajo o diálogo.
Quando visito paróquias, convido todos os fiéis que desejam falar, a expressarem o que quiserem, até mesmo o ódio, e a discutirem juntos. Convido-os a aprender a ouvir. Convido-os a acolher os outros, sejam eles quem forem, mesmo que sejam vistos como inimigos.
Mas, antes de mais, a acolhê-los. É isso que eu faço.
Fátima inclui uma mensagem de conversão para a Rússia. O que está a fazer o Arcebispo de Moscovo? Está a tentar converter os russos?
No início dos trabalhos da Assembleia das Conferências Episcopais da Europa, houve um discurso muito importante sobre este assunto, na minha opinião.
Não me lembro quem o disse, mas foi algo que considero muito correto. Ou seja, a conversão não é apenas a do outro, mas antes de mais a minha própria conversão a Cristo. Na medida em que me converter a Cristo, serei também um sinal da possível conversão do outro a Cristo — não às minhas ideias, mas a Cristo.