Hora da Verdade

Mendonça Mendes chama Montenegro a jogo: "Se Governo quer aprovar OE tem de esforçar-se por negociar"

04 jul, 2024 - 07:01 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Maria Lopes (Público)

Antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e adjunto de António Costa avisa que situação orçamental não consegue acomodar programa do Governo e recusa pressão do Presidente para aprovar OE2025

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Mendonça Mendes: “Se Governo quer aprovar OE tem de esforçar-se por negociar”
Mendonça Mendes: “Se Governo quer aprovar OE tem de esforçar-se por negociar”

"Se Governo quer aprovar o Orçamento do Estado tem de esforçar-se por negociar", afirma o dirigente socialista António Mendonça Mendes, em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e jornal Público.

António Mendonça Mendes, membro do Secretariado Nacional do PS, desconfia das hesitações e "manobras" do Governo para baixar IRS já e prevê que o primeiro-ministro, Luís Montenegro, esteja a criar uma narrativa para, com ajuda das regras de Bruxelas, recuar em promessas eleitorais.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e jornal Público, o agora deputado socialista diz ter "muitas dúvidas sobre a exequibilidade do programa do Governo".

O Governo insiste que o projeto do PS que prevê alterações no IRS já este ano viola a lei-travão e que este é o tempo do Presidente da República. Espera que Marcelo Rebelo de Sousa envie o diploma para o Tribunal Constitucional (TC) ou que o promulgue logo?
Foi o Governo que decidiu que este ano deveria haver uma descida adicional de IRS: disse no Programa do Governo que havia uma verba disponibilizada. O PS fez uma proposta alternativa à do Governo, dentro da margem, para distribuir a redução de uma forma mais justa.

O PS é um partido responsável e não pressiona o Presidente: durante a fase que tem para tomar a sua decisão deve fazê-lo. Vejo com algum espanto a forma como os membros do Governo falam sobre matérias que estão na competência do Presidente da República sem grande sentido institucional. Ficaria surpreendido se o Governo fizesse alguma manobra que impedisse essa baixa de impostos.

Como, por exemplo, recorrer ao TC se o Presidente da República promulgar?
Este Governo entrou dizendo que queria fazer uma baixa adicional de IRS. Espero que seja consequente. Do ponto de vista político, aquilo que registo, com muita surpresa, é que um Governo que entra a dizer que quer baixar os impostos, na realidade, hesita quando é para baixar esses mesmos impostos.

Não há dúvidas sobre a constitucionalidade da medida?

Como deputado subscritor de um projeto de lei, quando os serviços da Assembleia da República o admitem e dizem expressamente que não viola a norma de travão, eu confio.

Quando fala em manobras do Governo, está a falar exatamente do quê?
Tenho visto declarações a falarem da baixa de impostos de uma maneira diferente do que falaram antes. O ministro das Finanças chegou a dizer que iriam adaptar as tabelas de retenção na fonte em julho com efeitos retroativos a Janeiro. Agora há hesitação por parte de todo o Governo.

A que atribui isso?
Terá que fazer essa questão ao Governo. Eu tenho muitas dúvidas sobre a exequibilidade do Programa do Governo. Ou seja, não me parece que a situação orçamental do país, mesmo sendo sólida, seja suscetível de acomodar todas as promessas que estão no Programa do Governo.

Julgo que a execução do Programa do Governo constitui uma ameaça às contas públicas. Dá-me a ideia de que o Governo também já o entendeu e procura encontrar argumentos para que, mais à frente, diga que não o consegue executar porque a oposição aprovou outras medidas ou porque as contas públicas, afinal, não estavam tão bem como se dizia.

Com o objetivo de provocar uma crise política?
Não estou a dizer isso. Neste momento, o Governo está a trabalhar no plano orçamental de médio prazo com a Comissão Europeia, e já terá consciência de que, dentro dessas regras de rigor orçamental, não caberá a descida muito acentuada de receita que tem previsto e o aumento muito acentuado de despesa.

Preventivamente, está a preparar o país para que, a partir de 22 de setembro, possa dizer que a não execução do Programa do Governo decorre de um bloqueio da Assembleia da República (AR), ou porque apresentou medidas ou porque não permitiu outras. Estou convencido que, nessa altura, vai ficar muito evidente para todos que as várias medidas que estão incluídas no Programa do Governo não têm possibilidade de serem executadas num quadro orçamental de estabilidade e de rigor.

Estou muito expectante para ver como é que o Governo vai fazer o escalonamento plurianual das várias despesas adicionais e cortes de receitas que tem. Parece-me que o caminho que está a ser tomado é um caminho que vai conduzir, inevitavelmente, a desequilíbrios orçamentais de médio prazo, e isso é muitíssimo negativo para as famílias e empresas.

A partir do resultado das europeias, que o PS ganhou, a possibilidade de viabilizar o Orçamento do Estado para 2025 (OE2025) é maior ou menor?

Não me parece que esta seja a fase em que devem pedir aos partidos da oposição qual é o seu posicionamento relativamente a um documento que desconhecem. É o Governo que tem a iniciativa e que deve liderar esse processo orçamental.

Há duas questões que devem ser colocadas ao Governo: em que momento vai iniciar o processo de negociação orçamental? Antes de aprovar em Conselho de Ministros a proposta de lei e enviar para a AR, ou depois, no Parlamento? E com quem pretende fazer essa negociação – com todos os partidos, ou, preferencialmente, com um ou mais do que um partido?

Seria um bom sinal da parte do Governo que esse diálogo começasse antes da aprovação em Conselho de Ministros.
Negociar não é fazer simulacros de audição da oposição. As reuniões promovidas aqui ou ali, são muito genéricas, em que o Governo em nada se compromete.

Sem negociação, é muito difícil para o PS avaliar se pode ou não viabilizar o diploma mais à frente?
Mais do que falar do Orçamento do Estado, é falar da forma e do comportamento político. Se o Governo pretende aprovar o OE2025, tem que se esforçar por o negociar.

O principal partido da oposição gostava de ter uma relação preferencial?
Não é uma questão de gostar. A relação preferencial que o PS teve entre 2015 e 2019 foi com os partidos à sua esquerda e assumiu-o. O Governo tem assumido a aprovação pela AR do OE2025 como um processo meramente formal, quando não é. Não é um processo de carimbo; é um ato político.

Há ou não vantagem para o PS ter uma crise política no Outono?
O PS não mudou a sua posição tradicional: os mandatos são para cumprir e, portanto, a legislatura deve ser cumprida. E é nesse cenário de normalidade que devemos atuar.

O PS perdeu as eleições legislativas, tem agora quatro anos de oposição e é nesse período que deve trabalhar. Os portugueses não esperam do PS que seja um fator de instabilidade política e, por isso, assumimos com o mesmo empenho a nossa tarefa na oposição e temos muitos desafios nos próximos anos, desde as presidenciais até às autárquicas.

Dizer que não será um fator de instabilidade política é dizer que não irá provocar a queda do Governo com o chumbo do Orçamento.

Não podemos perguntar aos partidos que desconhecem em absoluto qual é a proposta orçamental, qual é o seu sentido de voto. Não é justo.

O PS não usará o argumento de o Presidente ter dissolvido o Parlamento quando não houve Orçamento para 2022 e agora tomar decisão diferente com a AD?
Já estou habituado a que não há uma doutrina fixa daquilo que é o comportamento do sr. Presidente da República. Por isso, já nada me surpreende em qualquer decisão que possa tomar, que seja ou não incoerente relativamente a posições anteriores, porque já todo o país está muito habituado à inconstância do Presidente da República. Não é previsível qual a doutrina que adotará nas várias circunstâncias. Diria que temos que aguardar.

O PR está à bolina…
[Risos] Eu concordo com a sua frase.

Um eventual chumbo do OE2025 pode não levar a uma crise política, mas haver um segundo Orçamento ou vivermos em duodécimos…
Não é positivo para o país viver em duodécimos. É muito importante que, nos mercados financeiros, onde financiamos as famílias e as empresas, haja uma segurança relativamente àquilo que é a trajetória do país.

O Presidente da República pode ser um motor de pressão para o PS?
A minha resposta é taxativa: não. O Presidente, pelo seu mandato e pela forma como tem gerido os últimos anos de mandato – e não digo isto com uma satisfação particular –, não tem sido um fator de estabilidade no país. E os portugueses, de uma maneira geral, não lhe reconhecem essa mesma estabilidade.

Com esta direção de Pedro Nuno Santos as relações com a Presidência da República esfriaram?
Não me parece. Do ponto de vista institucional nunca houve problema na relação com a Presidência da República. O adversário político do PS não é o Presidente da República; é a família política a que pertence o Presidente da República, que é o atual Governo.

As minhas considerações sobre a forma como o Presidente se tem vindo a posicionar no espaço político português, que o tornou um fator de instabilidade e não um fator de estabilidade, são objetivas. A banalização da palavra retira poder à magistratura de influência. Fiquei muito surpreendido por o Presidente da República ter dito que não ia falar muito sobre a vida política porque estávamos a começar a campanha eleitoral e depois falou três vezes sobre a aprovação do Orçamento do Estado. É fazer exatamente o contrário daquilo que diz.

E pressionar.
E é exatamente por isso que o peso da sua palavra é menor quando ele efetivamente tem que funcionar.

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