23 jan, 2025 - 07:00 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Helena Pereira (Público)
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O ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, está confiante que a polémica alteração à lei dos solos irá ser aprovada na sexta-feira, no Parlamento, com os votos do PS, e revela, em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, que com a nova legislação, um T2 novo com 80 m² em Sintra pode vir a custar 210 mil euros.
Castro Almeida rejeita a acusação de instituições, como a Ordem dos Arquitetos ou a Associação Nacional de Municípios, de que a nova legislação pode fomentar a corrupção. “O que este diploma está a fazer é tornar a lei mais transparente e simplificá-la”, garante.
Na audição desta semana no Parlamento sobre a lei dos solos, mostrou abertura para chegar ao entendimento com o PS, para que a lei seja melhorada. Que pontos é que o Governo está disposto a alterar?
Um Governo que não tem maioria absoluta sabe muito bem que quando faz um decreto-lei ele está sempre sujeito a ser chamado ao Parlamento e o Parlamento passa a ter o diploma nas suas mãos e faz dele o que entender. Os pequenos partidos na esquerda e na extrema-esquerda estão muito contra esta lei, mas os partidos que têm experiência de Governo têm uma visão globalmente positiva do diploma. Não têm que ser visões absolutamente coincidentes, mas são visões próximas.
O PS apontou um aspeto que é a necessidade de evitar que a lei permita a constituição de guetos, construção de novos aglomerados urbanos no meio dos campos ou no meio da floresta. Ora, isso corresponde exatamente ao nosso pensamento. A lei obriga que só pode haver a expansão e o uso de solos rústicos numa lógica de consolidação dos aglomerados urbanos, portanto, para preencher vazios urbanos, ou então numa lógica de crescimento que seja coerente com o edificado anterior.
Numa das versões que a lei teve antes de chegar à parte final, estava escrito justamente a exigência da contiguidade. Mas poderia ser um conceito equívoco: então, uma casa construída do outro lado da rua, está contígua ou não está contígua? E se for a 50 metros, ainda é contígua?
A outra observação do PS tinha a ver com a questão do preço. A lei diz que o preço máximo pode ser 125% da mediana das casas vendidas no concelho. Criou-se a ilusão de que o preço podia ser 25% superior ao preço atual. Ora, isto seria um verdadeiro absurdo. A mediana inclui casas novas e casas usadas. E como 79% das casas comercializadas o ano passado em Portugal foram casas usadas, o preço da mediana é necessariamente de uma casa usada.
Portanto, as casas não vão ser mais caras. Vão ser mais baratas. Fizemos várias simulações e as casas, olhando sobretudo para os 50 concelhos das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e as capitais de distrito, será mais de 20% abaixo da média do custo das casas nestes concelhos.
Por exemplo, com esta lei, um T2 novo com 80 m² em Sintra pode custar 210 mil euros. Em Aveiro, vai pagar 198 mil euros. Em Setúbal, 192 mil euros. No Barreiro, 177 mil euros. Em Gondomar, 162 mil euros. Em Viana do Castelo, 141 mil euros. Em Guimarães, 133 mil euros.
Do nosso lado, o critério é muito simples. Nós queremos baixar o preço das casas até o limite mais baixo possível. Queremos pôr as casas tão baratas quanto possível com um limite. Tem que ser um preço que seja suficientemente atrativo para mobilizar um construtor a ter a iniciativa de construir as casas porque alguém que vai construir as casas vai querer ganhar dinheiro. Se nós pomos um preço máximo ridiculamente baixo, depois não vai ter casa nenhuma porque ninguém a vai construir. É este equilíbrio que nós queremos fazer.
Se o Governo não conseguir aproximar-se do PS, como é que vai fazer com a lei dos solos?
Acho que vai ser possível haver um entendimento. Temos de procurar esse entendimento. É da lógica de um governo que não tem maioria absoluta procurar acordos no Parlamento.
HORA DA VERDADE
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A lei define também o mínimo de 70% de construção em solos reconvertidos para habitação pública ou valor moderado, mas não é imposta qualquer quota mínima para habitação pública. Porquê?
Cada concelho pode decidir. Se o município quiser dedicar os solos só à habitação pública, decide só fazer habitação pública. Aí, é o município que vai urbanizar esses solos que eram rústicos e constrói casas públicas de acordo com as regras normais. Pode ser 70% de iniciativa privada, mas aí sujeito ao limite de preços.
Oferecendo mais casas, com terrenos muito mais baratos, o mercado vai fazer baixar o preço das casas.
Sim, mas o que lhe pergunto é por que razão é que não existe uma obrigatoriedade de habitação pública, no sentido em que um dos objetivos era aumentar o parque habitacional do Estado.
Este governo está a construir e vai construir 26 mil casas com dinheiro público que estavam previstas no PRR preparado pelo governo anterior. Ainda vamos construir mais quase 33 mil casas, portanto, vamos fazer 58 ou 59 mil casas públicas para pessoas de menores rendimentos. Isto é muitíssimo mais do que o que foi feito nos últimos 20 anos.
São milhares de milhões de euros do Orçamento do Estado para a construção de casas. Eu só concebo que o Estado se meta a fazer casas onde casa não seja negócio. Então, temos que fazer casas para classes mais desfavorecidas e aí tem que ser o Estado a fazê-las. Esta lei é totalmente dirigida a construir casas para a classe média. A classe média hoje não tem acesso a casa. Não havia dinheiro no orçamento para fazer casas públicas para a classe média. Tomáramos nós fazer casas de iniciativa pública para as classes mais pobres.
Uma primeira versão da lei dos solos falava em arredamento acessível como uma das condições obrigatórias para a construção de habitação em solos reconvertidos, mas depois caiu esta menção. Como é que confia que será possível arrendamento a custo moderado, uma vez que isso não ficou expressamente dito na lei?
Eu tive na minha mesa 20 versões diferentes desta lei e evoluía-se todos os dias.
Quanto ao arrendamento acessível, este é um ato derivado de quem comprar a casa. O arrendamento acessível é facultativo, nunca é obrigatório. Não há arrendamento acessível compulsivo. Portanto, não valia a pena ter na lei o arrendamento acessível.
Se comprar uma casa mais barata e quiser arrendá-la vai arrendá-la tão mais barata quanto mais barato tiver comprado a casa.
Isso pode não ser bem assim. Confia nisso?
Mas é o princípio.
Como é que viu todas as reservas feitas pela Ordem dos Arquitetos, a Ordem dos Urbanistas, o Conselho Nacional do Ambiente, a Associação Nacional de Municípios, que criticaram a lei e também algumas destas entidades alertaram para o risco de grande especulação e até de corrupção que isto pode gerar?
Quem ler a lei percebe claramente que não há risco de especulação nenhuma. É preço especulativo uma casa, um T2, em Guimarães, por 133 mil euros? Este preço é anti especulativo.
Depois, quanto à questão da corrupção, eu tenho a tese que transparência e simplificação são os maiores inimigos da corrupção. O que este diploma está a fazer é tornar a lei mais transparente e simplificá-la. Em vez de fazer uma alteração ao PDM que costuma demorar 5, 6, 7, 8 anos, faz-se uma alteração simplificada ao PDM, com parecer técnico feita dentro do município. Depois a câmara municipal aprova. A assembleia municipal analisa e aprova. E não é possível alguém convencer-me que vão corromper todos os membros da assembleia municipal. Eu confio no poder local.
A corrupção vive mesmo da burocracia, das dificuldades, da incerteza, do novelo de problemas. Aí é que a corrupção entra.