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HORA DA VERDADE

“Não é inevitável que maior investimento na defesa comprometa áreas sociais”, diz Fernando Medina

13 fev, 2025 - 07:00 • Susana Madureira Martins , Beatriz Pereira e Helena Pereira (Público)

Ex-ministro das Finanças é favorável a mais gastos em Defesa e alerta para riscos na privatização da TAP.

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Hora da Verdade com Fernando Medina
Hora da Verdade com Fernando Medina

Fernando Medina defende, em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, que o atual Governo possa baixar ainda mais a dívida pública em 2025 e elogia o facto de o atual ministro das Finanças, Miranda Sarmento, ter ido ao encontro da sua gestão orçamental.

Sobre a privatização da TAP, o ex-ministro das Finanças alerta que “não faz nenhum sentido” uma operação que envolva fundos ou operadores financeiros que procurem mais-valias que possam levar até ao próprio “desmantelamento” da empresa. Medina aconselha o Governo da AD a colocar esse impedimento no próprio decreto de privatização da companhia aérea.

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Quando tomou posse, o atual Governo criticou a compra de dívida pública por parte de várias entidades estatais quando Fernando Medina era ministro das Finanças. Soube-se agora que o Governo da AD manteve a prática. Como é que viu esta atitude?

Estava-se mesmo a ver. Aliás, estava-se mesmo a ver em tudo. Quando entrou em funções, este Governo disse que havia um problema nas contas públicas. Sabemos hoje que o superavit será, em 2024, maior do que aquele que o Governo anunciou. As contas estavam totalmente em ordem.

O segundo aspeto prende-se com o famoso tema das cativações. O nível de cativações no Orçamento de 2025 é bem superior àquele que foi apresentado e que está em vigor no Orçamento de 2024.

Uma crítica adicional que foi colocada sempre pelo PSD enquanto estava na oposição era a crítica relativamente à execução do investimento público. Ora, o que hoje sabemos é que os níveis de investimento público executados em 2024 serão significativamente inferiores àqueles que o Governo definiu que iriam ser executados em outubro de 2024.

E, por último, relativamente à gestão da dívida pública, o que o PSD na oposição fez foi uma tentativa de descredibilizar a grande conquista da descida do peso da dívida pública no PIB.

A concentração da chamada unidade de tesouraria do Estado, isto é, o Estado gerir centralmente todas as suas disponibilidades financeiras para não estar a emitir dívida a mais porque não precisa, porque tem os seus próprios recursos, é um princípio fundamental da boa gestão pública.

Este Governo converteu-se à "escola Fernando Medina"?

Relativamente à redução da dívida e à utilização desse instrumento, pode tirar essa conclusão. É feio criticar-se uma coisa quando se está na oposição e depois ir fazer exatamente o mesmo. Não mostra coerência. Gostaria, no entanto, que se reduzisse mais a dívida pública do que aquilo que se está a reduzir.

É nestes momentos de crescimento económico, em que há elevadas taxas de emprego, que é importante fazermos este esforço de redução do peso da dívida pública.

A redução da dívida pública é um caminho para a liberdade, para a autonomia política, para a autonomia estratégica do país, de poder fazer as suas escolhas. Uma dívida abaixo dos 100% contrasta com aquilo que está a acontecer na Europa.

"O que o PSD na oposição fez foi uma tentativa de descredibilizar a grande conquista da descida do peso da dívida pública no PIB."

E está a pensar também nos impactos da Administração Trump na economia europeia e na forma como isso pode abalar as nossas previsões de crescimento?

Desconstruir o modelo de globalização que vigorou durante as últimas décadas vai ter impactos pesados, vai ter também oportunidades muito grandes para a Europa, na relação com países terceiros, mas é um quadro de mutação muito exigente.

O país também terá de estar preparado para aumentar a sua despesa em defesa. Fazê-lo sem comprometer o Estado social é um dos desafios mais exigentes que o país vai ter do ponto de vista da gestão económica e da estabilidade financeira.

A União Europeia pode vir a fazer uma alteração e deixar que as despesas de defesa não venham a contar para o défice, não é?
Sim, está a haver essa discussão, e esse é o caminho mais provável. Mas essa dívida pode não vir a contar para efeitos de défice numérico, mas ela tem de ser paga na mesma. É dívida que existe.

Quando se fala em 3% do PIB afeto a despesas de defesa, face à realidade que o país tem hoje, estamos a falar de qualquer coisa como um reforço permanente de 4500 milhões de euros. Isto é mais de metade do que custa o SNS.


Isso vai significar desinvestimento noutras áreas sociais?

Um dos desafios é precisamente como fazer essa evolução sem comprometer as áreas sociais.

Vai ser inevitável comprometer?

Acho que não é inevitável. Exige um grande foco naquilo que é fundamental: uma economia forte, com grande capacidade de criação de empresas, um grande rigor na gestão das contas públicas. Se um país está permanentemente em campanha eleitoral e se o estar em campanha eleitoral se traduz em abrir os cordões à bolsa para satisfazer qualquer reivindicação sem melhorar os serviços públicos, então estão a criar-se vários problemas, nomeadamente na capacidade de o país dar respostas adequadas em áreas de políticas públicas que vão ser importantes.

E, por isso, não é inevitável que o reforço do investimento na defesa obrigue a uma diminuição do Estado social, mas para isso é preciso que se preencha um conjunto de condições e que se siga um conjunto de orientações políticas: uma economia a crescer, um alto nível de emprego e uma gestão forte e muito rigorosa das nossas contas públicas.

"Quando se fala em 3% do PIB afeto a despesas de defesa, estamos a falar de qualquer coisa como um reforço permanente de 4500 milhões de euros. Isto é mais de metade do que custa o SNS."


Segundo a Bloomberg, o Governo prevê iniciar o processo de privatização da TAP em Março, vendendo pelo menos 49% do capital. A confirmar-se este modelo, significa que poderá ser alienada uma participação minoritária, mantendo-se o Estado com o controlo do capital. É algo com que concorda, tendo em conta que o Governo de que fez parte previa a venda de mais de 51 % do capital

Não quero comentar nenhuma posição eventual do Governo que está traduzida numa notícia de jornal. Não sei se é essa a intenção. A privatização da TAP justifica-se, em primeiro lugar, se dessa privatização resultar o que é o aproveitamento e a expansão da TAP dentro de um grupo de maior dimensão.

Não faz nenhum sentido uma privatização feita a qualquer tipo de fundos ou operadores financeiros que procurem mais-valias que possam levar até ao próprio desmantelamento da empresa. Acho que isso devia ser impedido no próprio decreto de privatização da TAP.

Tem de ser valorizada a complementaridade dessa empresa com a TAP, isto é, a menor sobreposição possível e o maior complemento possível, porque só isso dará recursos e capacidades à TAP de sobrevivência e do seu desenvolvimento a longo prazo. Isto é, ocupar o seu lugar, que é um lugar estratégico absolutamente insubstituível na ligação com a América do Sul, a América do Norte e o continente europeu.

Sobre as condições de privatização, devem decorrer do que é a avaliação, em primeiro lugar, das condições que existem no mercado e daquilo que tem de ser uma base política suficientemente ampla para que este processo possa correr bem.

O importante nesta fase é assegurar que quem entra no capital da TAP tenha a competência, a idoneidade e a capacidade de fazer a companhia crescer e que funcione num quadro de estabilidade acionista.

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