13 fev, 2025 - 07:00 • Susana Madureira Martins , Beatriz Pereira (Renascença) e Helena Pereira (Público)
O ex-ministro das Finanças e dirigente do PS Fernando Medina considera que António Vitorino é “o português, mais bem preparado para o exercício das funções presidenciais”. Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, o antigo autarca socialista recusa a ideia de que o PS se esteja a atrasar no apoio a um candidato às presidenciais de 2026. “Cada um deve ser senhor do seu tempo”, diz o ex-governante.
Sobre António José Seguro, o dirigente do PS evita comparar o ex-secretário-geral do partido com Vitorino, referindo, contudo, que "são pessoas muito diferentes, com perfis muito diferentes". Medina considera que não é "sequer justo fazer essa comparação, do ponto de vista das suas experiências, da forma como olham para o país e para a Europa e como olham para o mundo".
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O ex-presidente da Câmara de Lisboa, que ao fim de oito anos de investigação não foi acusado no processo Tutti-Trutti, defende que o Ministério Público e a comunicação social são responsáveis por "criar um clima de suspeição permanente e contínuo". Em relação a dois autarcas do PS que foram acusados de corrupção neste processo e se mantêm em funções, Medina considera “desejável” que Ana Sofia Dias, presidente da Junta de Freguesia da Penha de França, e Rui Paulo Figueiredo, deputado municipal, renunciem aos cargos.
Quanto à escolha de Alexandra Leitão para a corrida à Câmara Municipal de Lisboa, o antigo autarca diz apenas que é uma “forte” candidata do PS e tem, “obviamente”, o seu apoio. “Seria a primeira mulher a ser presidente” da autarquia, salienta Medina.
Durante oito anos esteve a ser investigado no processo Tutti Frutti e o processo terminou com o arquivamento. A justiça lenta é justiça?
O tempo que toda esta investigação demorou foi um tempo manifestamente excessivo face até à complexidade do que estava a ser investigado.
HORA DA VERDADE
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Só foi ouvido quando pediu para o ser e três meses depois o seu processo foi arquivado. Acha que foi uma coincidência?
Eu já tinha pedido para ser ouvido antes. Neste caso, o Ministério Público (MP) só entendeu fazê-lo depois de me constituir arguido. Prestei o meu depoimento e o processo foi arquivado na altura que o MP assim o entendeu.
Como vê este comportamento por parte do MP? Teve oito anos para investigar uma situação relativamente simples. Acha que está em roda viva?
Não quero fazer apreciações de fundo sobre o MP, o sistema de justiça, mas partilho da opinião que o procurador-geral da República tem relativamente a este processo: de facto, o tempo foi excessivo face àquilo que era a complexidade e as matérias em causa. Foram oito anos muito difíceis para mim e para a minha família. Felizmente, neste momento isso acabou, tudo foi arquivado.
"De simples investigada, uma pessoa é transformada num culpado em permanência. É uma corrida de destruição do carácter"
O seu antigo colega de governo, João Galamba, esteve quatro anos sob escuta. Como é que classificaria isto? Não é normal?
Não, não é normal. Parece-me obviamente desconforme qualquer adequação dos meios de investigação àquilo que se pretende provar.
Acha que o MP tem um preconceito especial contra os políticos?
Não quero fazer esse tipo de considerações. A forma como, por um lado, as investigações decorrem e, por outro lado, como a comunicação social as trata, criam um clima de suspeição permanente e contínuo. De simples investigada, uma pessoa é transformada num culpado em permanência. É uma corrida de destruição do carácter de pessoas, de destruição de personalidades, de destruição de vontade, de serviço, e não acrescenta nada. Nada disso ajuda sequer a uma boa investigação.
Ainda há dois socialistas que se mantêm em funções e foram acusados de corrupção no caso Tutti Frutti: Ana Sofia Dias, presidente da Junta de Freguesia da Penha de França e Rui Paulo Figueiredo, deputado municipal. Deviam demitir-se de funções?
Isso decorre da consciência de cada um. Posso falar da regra geral que o PS tem relativamente aos deputados e que me parece um princípio adequado. Os deputados assumem que se houver uma apreciação por um juiz de instrução ou uma condenação em primeira instância, caso não haja instrução, que deve haver renúncia ao mandato.
Alexandra Leitão, a candidata do PS à Câmara de Lisboa, desafiou ambos a repensarem se não seria melhor este afastamento.
Se me pergunta se seria desejável que eles se afastassem das suas funções, creio que sim.
Alexandra Leitão será melhor candidata a Lisboa do que Mariana Vieira da Silva, que era o nome que estava na calha?
É uma forte candidata à Câmara de Lisboa. E tem, obviamente, o meu apoio. Espero que seja a próxima presidente da Câmara de Lisboa. Aliás, seria a primeira mulher a ser presidente da Câmara de Lisboa.
No último sábado, o PS reuniu a Comissão Nacional sobre presidenciais. Acha que foi útil ou não viu que saísse dali nada?
Acho que foi feito um debate em bom tom, em tom adequado e construtivo. Isso é sempre positivo.
Era bom que o processo pudesse andar mais rápido do lado do PS?
As pessoas que têm a vontade e a disponibilidade e que consideram que reúnem as condições pessoais e políticas objetivas para serem candidatos têm que manifestar essa vontade.
Mas deviam manifestá-la rapidamente?
Cada um deve ser senhor do seu tempo. O candidato mais evidente às próximas eleições presidenciais, que é Gouveia e Melo, não anunciou nenhuma candidatura ainda e não se sabe, aliás, em que data o fará.
António Vitorino está a deixar o PS em banho-maria?
António Vitorino está no seu processo de decisão e tem de ter o seu tempo. Ficarei particularmente satisfeito pelo país se decidir ser candidato. António Vitorino é a personalidade no país, em qualquer lado do espectro político, com melhor preparação e com melhores condições para ser um muito bom Presidente da República no quadro nacional e internacional que vamos viver nos próximos anos. Tem, do ponto de vista do seu perfil e das suas qualidades, aquilo que considero mais ajustado e mais necessário ao desempenho da função presidencial, aliás, na precisa contraposição com aquilo que representa Gouveia e Melo.
Gouveia e Melo é alguém que é formado durante muitas décadas numa escola de comando e controle, num meio de decisão e execução. A ideia que paira sobre o conjunto da sua candidatura é a de alguém que irá, de certa forma, pôr a casa na ordem. Ora, todo esse perfil e essas características são exatamente o oposto daquilo que a Constituição define relativamente ao exercício do cargo de Presidente da República.
E, nessa contraposição, António Vitorino tem o perfil perfeitamente adequado para ser um construtor de pontes e de soluções num país que tem hoje, e vai viver nos próximos anos, uma situação política que dificilmente terá condições de estabilidade muito efetivas, que tem desafios muito complexos, como o fim do multilateralismo como modelo de organização à escala mundial. Ora, neste quadro, vejo com sérias dificuldades como é que um perfil como o de Gouveia e Melo se encaixa porque eu acho que não encaixa.
"António Vitorino é a personalidade no país com melhor preparação para ser um muito bom Presidente da República"
As qualidades que vê em António Vitorino, não as vê em António José Seguro?
São pessoas muito diferentes, com perfis muito diferentes. Não creio que seja sequer justo fazer essa comparação, do ponto de vista das suas experiências, da forma como olham para o país e para a Europa e como olham para o mundo.
Falta experiência a António José Seguro.
Não quero tecer nenhum comentário sobre António José Seguro. Foi secretário-geral do PS. É uma pessoa por quem tenho natural respeito e não quero fazer nenhuma consideração nem comparação. A afirmação que fiz é uma afirmação de juízo absoluto. António Vitorino é dos portugueses, se não mesmo o português, mais bem preparado para o exercício das funções presidenciais. Não tenho dúvidas a esse respeito. E, por isso, havendo essa possibilidade de ele aceitar esse desafio, espero que o aceite.
O PS arrisca-se a não ter um candidato da sua área política na segunda volta. E como é que o PS sai de uma situação dessas?
Ainda há muito tempo até às eleições presidenciais. Neste momento, o fundamental é que possam surgir na sociedade portuguesa pessoas com um perfil e com características que nos assegurem poder ser os melhores Presidentes da República que o país possa dispor. Estamos num momento exigente. A primeira decisão do novo Presidente da República pode vir a ser a própria dissolução da Assembleia da República.
É muito importante que no espaço do centro-esquerda apareçam as personalidades que podem e que deem as garantias ao país de um grande desempenho do lugar.
Se Vitorino recusar, o PS está obrigado a apoiar António José Seguro?
Não vou antecipar as decisões que o PS toma, ainda para mais não se conhecendo os candidatos. Não vou especular sobre isso.
Ou preferia uma pessoa como Augusto Santos Silva, que pelos vistos está a fazer-se ao lugar de candidato?
Aguardarei. Tenho um grande respeito, consideração e admiração por Augusto Santos Silva. É uma pessoa que tem também as qualidades absolutamente essenciais para o exercício da função.
Tudo menos apoiar António José Seguro?
Estou disponível, mais à frente, num outro quadro mais definido relativamente a candidaturas, para voltarmos a falar, mas, neste momento, não quero especular sobre isso.