20 mar, 2025 - 07:00 • Sandra Afonso , Marta Pedreira Mixão e Raquel Martins (Público)
É responsável por uma pasta setorial, mas tem formação em Direito e suspendeu as aulas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde é professora catedrática, para assumir há menos de um ano a liderança do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Por isso, Maria do Rosário Palma Ramalho não se inibe agora de comentar o caso da empresa familiar do primeiro-ministro, que levou à queda do Governo.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e jornal Público, a governante lembra que a ética é um grande chapéu, mas deve ser entendida como respeito pela lei, que foi o que fez Luís Montenegro. “Nós não temos que nos sujeitar a juízos de ética para além daquilo que corresponde ao cumprimento escrupuloso da lei”, reforça.
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Rosário Palma Ramalho defende ainda que o caso Spinumviva é uma questão de legalidade, que deve ser resolvida pela Procuradoria-Geral da República. Alerta também que este caso “põe em causa o regime democrático”, ao defender que os políticos devem ser profissionais.
Sobre a área que tutela, a ministra explica que vários dossiers ficam por concluir, com a queda do Governo. No entanto, o acordo de rendimentos, assinado com os parceiros sociais, está em vigor até 2028 e Rosário Palma Ramalho espera que seja respeitado pelo próximo executivo.
O Governo ia insistir com a norma do leque salarial, para permitir que mais empresas aumentassem os salários em troca de incentivos. Agora a ministra do Trabalho acredita que poucas empresas beneficiem desta medida. A atribuição de prémios de produtividade com isenções fiscais também fica limitada.
O próximo Governo já terá acesso às primeiras conclusões do grupo de trabalho sobre a reforma da legislação laboral. A ministra garante que o documento está quase pronto, mas já não será apresentado na reunião de concertação social agendada para abril, que será só de balanço.
O Governo nomeou ainda um grupo de trabalho para avaliar a sustentabilidade da Segurança Social, mas a ministra reafirma que este estudo pretende avaliar todos os compromissos futuros, o que não significa que o sistema esteja em risco. Afasta ainda receios que têm sido manifestados, de que o excedente da Segurança Social pode ser utilizado para pagar o défice da Caixa Geral de Aposentações.
Em resposta ao primeiro presidente da CRESAP, João Bilhim, a ministra rejeita que as nomeações para a Segurança Social e para o IEFP sirvam para recompensar militantes.
Nesta entrevista ao Hora da Verdade, a governante admite que são encontradas crianças em situação de sem-abrigo, mas estas são situações prioritárias e elas não ficam na rua, estão a ser reencaminhadas, mas as soluções são temporárias. Foi uma situação denunciada esta semana pela Cáritas.
A ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social assegura que o essencial fica feito em relação ao Estatuto do Cuidador Informal, que abrange já cerca de 23 mil pessoas. Diz ainda que o portal da Segurança Social está mais funcional e até ao final do ano deverá reduzir as filas de espera no atendimento presencial em 30%.
Com a queda do Governo o acordo de concertação assinado com os parceiros há cerca de cinco meses, e que previa o aumento do salário mínimo para 1.020 euros mensais em 2028, continua em vigor?
O acordo é até 2028 e deve ser cumprido e mantido. Para a parte específica do salário mínimo o acordo tem que ser completado por um diploma legal que este Governo aprovou para 2025 e que os governos seguintes terão que aprovar para 2026, 2027, 2028. Espero que qualquer que seja o governo que aí venha honre o acordo.
Mas não é só uma questão de salário mínimo. Neste acordo estabelecemos uma trajetória diferente em matéria de salário médio e acordámos com os parceiros sociais um conjunto de medidas que potenciam o aumento do salário médio.
Algumas dessas medidas ficam um pouco por terra, porque elas exigiram a consagração no Orçamento do Estado e o Governo implementou fielmente. Mas a oposição, numa coligação negativa a que assistimos várias vezes ao longo desta legislatura entre PS e Chega, chumbou a norma do leque salarial que condicionava os apoios [em sede de IRC] às empresas que aumentassem os salários acima de 4,7% desde que não existisse uma diferença acima de um certo valor entre o salário mínimo e o salário máximo pago na empresa.
Nós abolimos essa norma, prevista no estatuto de benefícios fiscais, e as oposições chumbaram e repuseram essa norma. O Governo voltou a aprovar a norma e recolocou-a [no Parlamento], mas é uma das matérias que ficou pendente e, portanto, cai com a legislatura.
O objetivo de aumentar o salário médio pode ficar comprometido, tendo em conta que o benefício em IRC dado às empresas que aumentam os salários, tal como estava desenhado no passado e que continua em vigor, não teve uma grande adesão?
Foi por verificarmos que não tinha uma grande adesão que mudámos o desenho. O incentivo às empresas para aumentarem os salários até à mediana pode efetivamente não existir.
Isto também tem um efeito negativo que é contaminar o regime dos prémios de produtividade. O acordo consagrava um regime de prémios de produtividade, desde que ocasionais, que não sujeitava os trabalhadores a IRS e não sujeitava os empregadores a TSU. Também é provável que muito poucos trabalhadores vão beneficiar desses prémios de produtividade com isenção de IRS.
"Não devem ficar dúvidas. O sistema previdencial da Segurança Social está de boa saúde"
Estava prevista uma nova reunião da concertação social para o início de abril. Ainda se vai realizar?
Naturalmente que se vai realizar. Íamos iniciar agora a negociação sobre questões muito estruturais, como a legislação laboral. Havia um grupo de trabalho que está a acelerar para apresentar um draft do que seriam as propostas do Governo em matéria de legislação laboral, também em cumprimento o acordo. Esta reunião já não servirá para isso, naturalmente.
Assim como também ficam pelo caminho negociações sobre outras matérias que tínhamos em cima da mesa, como aumento dos benefícios fiscais, matéria de segurança e saúde no trabalho, reformulação do regime da formação profissional.
Mas vão apresentar o esboço da legislação laboral aos parceiros sociais?
Não, não faz sentido apresentar um draft numa reunião que só pode ser de balanço.
Vai ficar disponível para o próximo governo?
Com certeza. Não pode deixar de ser.
Quais são, na sua perspetiva, as questões mais urgentes em matéria de legislação laboral? Já falou várias vezes do teletrabalho, do trabalho em plataformas, o que é preciso mudar?
Neste momento, ainda estou aqui como ministra e como ministra tenho seguido uma linha que é nunca revelar nada antes de ir à concertação social. Quanto ao mais, as minhas posições são conhecidas, estavam escritas antes de ser ministra e voltarei para a minha antiga vida.
Com a queda do Governo, o grupo de trabalho para estudar a sustentabilidade do sistema de Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA), liderado pelo economista Jorge Bravo, vai manter-se ativo?
Todos os grupos de trabalho do ministério têm que continuar a trabalhar. Julgo que de todos os ministérios, porque temos um princípio de continuidade dos serviços públicos e seria um prejuízo para o país que não funcionassem os grupos de trabalho.
Criámos este grupo de trabalho na sequência de opiniões muito contraditórias que surgiram sobre a sustentabilidade do sistema previdencial e sobre a sustentabilidade do sistema no seu todo. Tínhamos, por um lado, o livro verde da Segurança Social, que traçou um retrato bastante otimista do sistema previdencial, mas depois tivemos um relatório Tribunal de Contas que traçou uma visão diferente, numa perspetiva mais ampla, porque não incluía apenas o sistema previdencial da segurança social, e temos uma recomendação da Comissão Europeia a mandar olhar para esta matéria. Tenho esta deformação profissional, não faço nada sem estudar e, portanto, constituímos esse grupo. Não sei se apresentará as conclusões, que são no prazo de um ano e poderia haver antecipação de algumas, mas seria já para Julho.
O coordenador do grupo de trabalho, coincidência ou não, também ajudou o TdC a realizar o relatório que referiu. A participação de Jorge Bravo no grupo de trabalho será remunerada?
As coisas têm que ser profissionais, os trabalhos têm que ser profissionais, só nós políticos é que estamos aqui por espírito de missão. Aliás, é importante dizê-lo, nós estamos aqui em missão, não estamos aqui profissionalmente, embora agora algumas visões um pouco estranhas daquilo que é a função do político pareçam estar-nos a inclinar para que temos que ser profissionais.
Mas quem trabalha para o Governo, quem trabalha para as instituições fá-lo profissionalmente. Portanto, naturalmente, está prevista uma remuneração, julgo que até muito baixa, mas está prevista uma remuneração por um trabalho de grande responsabilidade, como é normal.
E qual é essa remuneração?
Não lhe vou dizer.
Mas é público?
Este assunto está a ser gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
"Nomeações do meu ministério foram sempre feitas com base em critérios de estrita competência"
Jorge Bravo tem defendido que as contas da Segurança Social devem ser fundidas com as da Caixa Geral de Aposentações. Se assim for, o sistema passará a ser deficitário. Porque é que o Governo avança com esta análise dos dois regimes?
Porque podemos ter vários regimes para pagar, mas temos apenas uma situação que é a de pensionista. O Estado tem um contrato social com os pensionistas, ou seja, recebe das pessoas no activo durante 30 anos, 40 anos, 45 anos e depois cria-lhes a expectativa de que terão direito às reformas para as quais contribuíram. E, portanto, os pensionistas ou aposentados da CGA são tão pensionistas como o do regime da Segurança Social.
Ao separar as duas categorias, o Estado assumiu diretamente, e, portanto, não através dos fundos da Segurança Social, assumiu diretamente ele, através do Orçamento do Estado, o encargo de pagar as pensões ou as reformas aos funcionários públicos. Portanto, temos que honrar esse contrato social, com todos eles.
Mas esse contrato teve uma distorção em 2005, quando a CGA deixou de receber a inscrição de novos pensionistas e, portanto, deixou de receber as contribuições dos funcionários públicos admitidos a partir de 1 de janeiro de 2006 que passaram a ser inscritos na Segurança Social.
Pois, em 2005, durante o Governo do Partido Socialista.
Mas está a equiparar dois regimes diferentes.
O Estado não contribui porque já é ele que vai pagar [as pensões aos aposentados da CGA]. O Estado poderia contribuir por cada um, mas entendeu-se que ele não tem que contribuir porque já vai assumir essa responsabilidade [do pagamento das pensões].
Mas não devem ficar dúvidas quanto a um ponto muito importante. O sistema previdencial da Segurança Social está de boa saúde. O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social tem mais de 40 mil milhões de euros e, em Fevereiro, acabei de determinar a maior transferência de sempre de saldos da Segurança Social no valor de 4 mil milhões.
O que acontece é que nos parece importante ter a visão de conjunto e, por outro lado, não importa apenas garantir as reformas, importa garantir a taxa de substituição, ou seja, que aquilo que a pessoa recebe na reforma é minimamente próximo daquilo que recebe no ativo.
E não é isso que acontece e não é isso que vai acontecer no futuro próximo. Vai haver uma grande depreciação do valor das reformas por uma razão muito simples, cada vez temos mais pessoas a beneficiar, o que é bom porque significa que a esperança em média de vida aumentou, mas cada vez temos menos pessoas a contribuir porque não temos crianças a nascer. A mim isso preocupa-me como um todo, porque as reformas, se forem muito baixas, o Estado tem que compensar depois ao nível de outras prestações.
Compreende o receio de que há o risco de pôr o excedente da Segurança Social a pagar o défice da CGA?
Não compreendo esse receio, porque a lei determina que aquele fundo está lá só para aquilo, e é para aquilo que ele vai continuar a estar, é uma reserva da Segurança Social. Isso não é um receio real.
Este Governo já tinha adiado eventuais alterações à Segurança Social para a próxima legislatura. Numa das últimas reuniões da Concertação Social admitiu “alterações incidentais”, a que é que se estava a referir?
A algumas medidas que possam ser antecipadas relativamente a aspetos mais concretos, mas agora ficaram também pelo caminho. O Governo, no seu programa, só tinha o estudo, o estudo do sistema de pensões. Portanto, decisões macro, alterações de TSU, tudo isso nem pensar que seria para já.
Disse recentemente no Parlamento que houve 40 movimentos de cargos de topo e intermédios nos organismos que tutela, mas que só sete pessoas foram exoneradas por si. E quantas nomeações em regime de substituição efetuou?
Dentro desses movimentos, a maioria foi em regime de substituição. Porquê? Porque os processos na Cresap [Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública] demoram meses. Para lhe dar um exemplo, quando nós entrámos, estava em curso e em fase adiantada um processo de substituição na inspeção-geral do Ministério e que terminou, salvo erro, há um mês. Portanto, passou mais de um ano. A continuidade dos serviços públicos não se compadece com os lugares vagos. Temos que nomear as pessoas e naturalmente nomeamos as que nos parecem melhor.
Um desses casos é o diretor-geral da Segurança Social, que não fica resolvido ainda com este Governo.
Está nomeado a substituição, o processo está na Cresap. Quando fazemos a nomeação em substituição, na mesma semana ou seguinte, o processo entra na Cresap.
"Crianças não devem ficar na rua e não têm ficado na rua"
Diz que a Cresap demora muito tempo, mas nem sempre o Governo nomeia logo que tem a lista de finalistas na sua posse. O concurso para o lugar de vice-presidente do IEFP já terminou há algum tempo e o Governo ainda não escolheu. A que se deve a demora?
Agora já não o podemos fazer, porque, como sabe, em gestão os poderes do Governo estão limitados a atos inadiáveis.
Mas podiam ter feito antes.
Não, porque as entrevistas foram feitas apenas na última semana e, portanto, ainda não havia decisão.
A Cresap é uma entidade dispensável?
Não me pronuncio sobre essa matéria.
João Bilhim, o primeiro-presidente da Cresap, disse recentemente, e não estava a falar apenas do atual Governo, que os cargos da Segurança Social e do Instituto do Emprego e Formação Profissional são uma recompensa aos militantes mais fiéis dos partidos. Como responde a esta visão?
Não vejo isso assim, porque as nomeações do meu ministério foram sempre feitas com base em critérios de estrita competência. Muitas pessoas, aliás, a esmagadora maioria, já vêm do tempo do anterior executivo. Não conhecia essa observação do anterior presidente da Cresap, mas lamento que a tenha feito, porque não é para isso que está lá a Cresap.
O estudo anual da Cáritas revela que 18% das crianças estão em risco de pobreza, quase o dobro dos 10% definidos na Estratégia Nacional, e a presidente da Caritas alerta para o aumento de famílias sem abrigo com crianças. O que é que está a falhar?
O que está a falhar é um conjunto de circunstâncias que ultrapassam a capacidade de intervenção do Governo pela sua rapidez. Mas, ainda assim, temos trabalhado muito nessa área. A pobreza em Portugal é um fenómeno que não devia existir e que é muito fácil de ver em números: 2,1 milhões de pessoas em Portugal, numa população de 10 milhões e pouco, vivem em risco de pobreza. Entretanto, também tivemos muitas pessoas estrangeiras a vir numa imigração totalmente descontrolada que colocou muitas pessoas na rua, algumas dessas pessoas têm crianças e é um fenómeno a que temos de atender com urgência.
Nós fizemos uma análise durante o ano de 2024, antes de aprovar a nova estratégia para as pessoas em situação de sem-abrigo 2025-2028, que já está no terreno, e verificámos que 30% já são estrangeiros.
Quanto às crianças, entendemos que é uma questão ainda mais de emergência do que as outras. E, portanto, elas não devem ficar na rua e não têm ficado na rua. A atuação da Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens impede que se mantenham na rua e tenta, aplicando a lei, colocá-las ao cuidado de familiares, em primeiro lugar, ao cuidado de famílias de acolhimento e como última medida, o chamado acolhimento residencial.
Porquê é que é difícil resolver isto? Porque a resposta que a Segurança Social pode dar é uma resposta sempre de emergência, de acolhimento temporário.
Começou por dizer que, segundo o levantamento que fez, a situação é muito complicada. Isso pode colocar em causa as metas da estratégia nacional?
As coisas têm que estar ligadas umas com as outras. Nós estávamos, neste momento, a olhar para a Estratégia Nacional contra a Pobreza. Já tínhamos olhado para a Estratégia do Sem Abrigo e também para a Estratégia de Proteção das Crianças.
Mas devo dizer que este governo, nestes 11 meses, tomou muitas medidas contra a pobreza. Há bocado referi o CSI, que foi aumentado duas vezes, mas podia referir os vários aumentos de pensões, o aumento dos lugares na Creche Feliz, o aumento da prestação social de inclusão. Há um conjunto de medidas que fomos tomando relativamente à pobreza que são muito significativas.
E uma que vamos fazer hoje , que é assinar o compromisso de cooperação, com o sector social e solidário, que vai aumentar a comparticipação pública das respostas sociais em nada mais, nada menos, do que 219 milhões de euros apenas em 2025. O que compara com 61,5 milhões do anterior governo no ano de 2024.
Até que ponto este reforço permitirá aumentar o número de vagas nos lares do setor social?
Julgo que permitirá. Até porque as instituições têm um problema de escala. Se as instituições forem muito pequeninas sobrevivem pior, se tiverem a possibilidade de ter mais vagas, têm melhores condições de sustentabilidade.
Temos que desenvolver um conceito, e às vezes acusam-me de ser um bocadinho mercantilista, que é a economia do cuidado. O cuidado é um sector económico muito relevante, tem mais de 300 mil trabalhadores. Temos que dar condições às instituições para que os seus trabalhadores não sejam só à base do salário mínimo, porque que é um trabalho muito difícil e especializado e temos de reforçar este sector.
Estava a preparar alterações ao estatuto do cuidador informal. O que é que fica para o próximo Governo nesta matéria?
Aí estou muito contente em dizer que já fizemos o essencial, porque alterámos a lei cirurgicamente mas nos pontos essenciais. Alargámos a possibilidade de ser cuidador informal e este alargamento já determinou que desde outubro, novembro, mais de 2.500 pessoas tenham obtido o estatuto do cuidador informal num total de cerca de 23 mil e 8.300 pediram o subsídio.
Anunciou em janeiro o lançamento de um programa para reduzir as filas no atendimento da Segurança Social. Ainda vai avançar?
Já está a avançar. Um dos grandes projetos do Ministério é promover a transformação digital da Segurança Social, os portais são obsoletos, são complicados, têm pouca funcionalidade. E, sobretudo, 65% dos atendimentos que o ano passado são atendimento presencial. Não faz sentido. As medidas que já estão implementadas e que vão estar implementadas nos próximos meses e, portanto, dependem de serviços têm como objetivo reduzir pelo menos 30% no período de um ano, portanto, até ao princípio de 2026.
Mas devo dizer que, desde janeiro, nós já tirámos 250 mil pessoas do atendimento presencial. Como? Através das novas funcionalidades que a Segurança Social Direta passou a oferecer. Por exemplo, o método de pagamento, hoje já é possível tirar na saúde social um extrato da carreira contributiva, o complemento de solidariedade para idosos ser pedido lá, o abono pré-natal, a muito curto prazo o pagamento por MBWay.
Esta dossier já vinha do Governo anterior.
Sim, vinha em parte. Anunciar é muito simples, mas não estava em nada concretizado. Quando chegámos, havia seis dezenas de projetos on going, sobretudo do PRR. Mas quando perguntei quais são os cinco assuntos que levam as pessoas à Segurança Social, ninguém sabia. O que nós fizemos foi uma pesquisa para saber: é pedir o Número de Identificação da Segurança Social? É pedir um extrato da carreira contributiva? É pagar?
Uma das questões relativamente à simplificação também tinha a ver com o trabalho doméstico, com a simplificação do regime e com o acesso às prestações sociais. Avançaram alguma coisa nessa matéria ou fica pendente?
Vai ficar. Avançámos na medida em que uma parte das medidas de simplificação, por exemplo, a Segurança Social não mandava um recibo online e agora já manda [se aplicam ao trabalho doméstico].
Como é que avalia a atuação do primeiro-ministro e do Presidente da República na gestão da crise que levou à queda do Governo?
A atuação do senhor Presidente da República não me compete comentar. Relativamente a todo este processo, eu gostava de dizer que é um processo que me preocupou profundamente, porque ele põe em causa os fundamentos do nosso regime democrático.
Temos o princípio de universalidade que decorre da nossa Constituição, no sentido de que todo e qualquer cidadão tem capacidade para ser eleitor, mas também para ser elegível para desempenhar cargos, nomeadamente cargos políticos. Esse foi o lema dos pais fundadores da nossa democracia, do Dr. Francisco Sá Carneiro, do professor Francisco de Amaral, do Dr. Mário Soares. Todos tinham esta visão, mas isso significa ver a política como uma missão, não como uma profissão.
Estamos a caminhar perigosamente no sentido de [deixar de] ver a política como missão, para ver a política como profissão. E, portanto, passa a ser um anátema aquilo que a pessoa traz.
E a ideia de que a política é uma missão e que a pessoa empresta o seu tempo para ir para a política e depois volta, é, aliás, assegurada pela lei. É por ser assegurada pela lei que, por exemplo, eu sou professora catedrática de uma faculdade, a Faculdade de Direito, aqui em Lisboa, e não deixei de ser, suspendi a minha função.
O caso do primeiro-ministro é igual?
É a mesma coisa. O Dr. Francisco Balsemão era dono de um jornal, suspendeu e veio [para a política]. Se não dão condições às pessoas que não dependem exclusivamente da política para poderem ir para a política e a lei expressamente o permite. A lei expressamente permite, por exemplo, que a pessoa tenha uma empresa o que não permite é que seja gerente. O que a lei diz é renuncie à gerência. Foi o que fez o Dr. Mário Soares, com certeza que não geriu o colégio [Moderno] enquanto era primeiro-ministro.
"Não temos que nos sujeitar a juízos de ética além do cumprimento escrupuloso da lei "
E foi o que fez o primeiro-ministro?
Mas com certeza que foi o que fez o primeiro-ministro. No caso dele, até por excesso, porque renunciou muito antes de ser primeiro-ministro. Foi empolada pela oposição. Mais uma vez, a maioria negativa da oposição, sendo que, neste caso, eu considero que o Partido Socialista, que é um partido do arco da governação, com um peso institucional enorme, coisa que o Chega não é, ou pelo menos ainda não é e eu espero que não venha a ser, e não tem.
Portanto, há um empolamento, empolamento esse, que levou até à queda do governo. O primeiro-ministro explicou tudo o que tinha a explicar, explicou mais do que legalmente tinha que explicar.
Eu sou jurista e, portanto, atenho-me muito à lei. A lei é o que nos deve nortear e a lei diz o que é que temos que declarar e a quem é que temos que declarar. E, pese embora eu respeite que a comunicação social queira saber e que o público queira saber, não é à comunicação social que temos que declarar. É à Entidade para a Transparência e é ao Tribunal Constitucional.
Desse ponto de vista, não teria sido mais simples ter-se sujeitado a uma comissão de inquérito?
Mas, repare, o Sr. primeiro-ministro sujeitou-se a uma comissão de inquérito. O PS é que inviabilizou que essa comissão fosse para a frente, porque bastava ao PS ter deixado o governo manter-se em funções e poderia pôr a comissão de inquérito como entendesse.
Portanto, ele sujeitou-se a uma comissão de inquérito, mas, sobretudo, sujeitou-se à Procuradoria. Isto é uma questão de legalidade, deixemos para a Procuradoria Geral a avaliação do que é legal ou não.
Não estamos também no domínio da ética?
A ética é um chapéu muito fluido, sobretudo quando é colocado na cabeça da pessoa que está na frente e não na nossa. A ética é o cumprimento escrupuloso da lei. Nós não temos que nos sujeitar a juízos de ética para além daquilo que corresponde ao cumprimento escrupuloso da lei. Temos é que cumprir escrupulosamente e é isso que o Sr. primeiro-ministro fez.
E, portanto, nesse sentido, substituir a legalidade pela ética em partidos que, convenhamos, talvez não tenham que nos dar lições de ética, no caso do Chega, para distrair as atenções de um problema, de problemas de legalidade muito relevantes em relação a alguns dos seus membros. No caso do Bloco de Esquerda, também temos aqui algumas questões de falta de ética e até de ilegalidade.
No caso do Partido Socialista, sinceramente, eu não esperaria, porque pensava que era um partido com maior sentido institucional. Pelos vistos, não. Está a resvalar para o profissionalismo da política, só é válido, de facto, quem não tenha tido outra vida e, portanto, não possa nunca ter conflitos de interesses, porque, na verdade, se calhar não tem interesse nenhum.
Se é isto que se quer para a política, então tem que mudar a lei e a Constituição, porque não é isto que a Constituição diz e que a lei também diz.
Está disponível para integrar um novo Governo?
É uma pergunta que não é para fazer a mim. Só o senhor primeiro-ministro poderia responder.
E qual foi a maior desilusão e a maior surpresa deste cargo?
É um cargo muitíssimo interessante, muito desafiante. A maior dificuldade, devo dizer, foi o tempo, porque - eu até me rio quando dizem que o primeiro-ministro podia não ter exercido as suas funções de exclusividade - não temos tempo para nada. É completamente impossível, é uma coisa da teoria, do ridículo.
Portanto, a maior desilusão, porventura, que eu tenho é não poder continuar para a frente, porque o nosso programa era para quatro anos. Mas foi muito gratificante fazer o acordo tripartido com os parceiros, é muito gratificante fazer o que vamos fazer hoje [assinar o acordo de cooperação com o sector social], foi muito gratificante aprovar medidas como o complemento social para idosos e outras que vão diretamente às raízes da pobreza. Portanto, uma experiência muito boa para quem não vem da política e traz o seu passado para aqui.