24 abr, 2025 - 07:00 • Tomás Anjinho Chagas , Miguel Marques Ribeiro (vídeo) , Mariana Correia Pinto (Público)
O candidato do PS à Câmara do Porto, Manuel Pizarro, promete tirar carros da cidade para resolver o problema de mobilidade na cidade, que apelida como "inferno".
Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do Público, o antigo ministro da Saúde assume que as soluções para a VCI são insuficientes e acredita que o Metro é uma das formas mais eficazes de evitar que as pessoas levem o carro para a cidade Invicta.
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Considera que "há um problema de segurança na cidade", sobretudo da pequena criminalidade, relacionada com o tráfico de droga. Manuel Pizarro acredita que "à terceira é de vez" e volta a candidatar-se, agora sem Rui Moreira no caminho, e lembra que até Winston Churchill perdeu eleições até voltar a ser primeiro-ministro do Reino Unido.
O candidato do PS critica ainda o seu adversário do PSD, Pedro Duarte, que disse que queria voltar a ativar o programa Porto Feliz- onde a autarquia tentava a reinserção na sociedade de arrumadores de carros. Manuel Pizarro fala em "soluções demagógicas" e desconhecimento da realidade.
Esta é a segunda parte da entrevista a Manuel Pizarro. Pode ler aqui a primeira parte, focada nos temas nacionais, onde o antigo ministro assume que o PS esteve "muito mal" ao demorar tanto tempo a colocar a AIMA em funcionamento.
Hora da Verdade
Antigo ministro da Saúde e candidato pelo PS à Câm(...)
Já disse que o PS vai candidatar-se sozinho à Câmara Municipal do Porto (CMP). Tanto quanto apurámos, não é por falta de abertura de alguma esquerda. Não seria tempo dessa união para tentar recuperar uma câmara que escapa à esquerda há mais de 20 anos?
A cidade precisa de uma plataforma política agregadora que eu não limito a essa dicotomia direita e esquerda. Ambiciono liderar um projeto político que vai à esquerda e muito à direita do PS receber apoios de pessoas que partilham a visão que eu tenho para a cidade.
Mas um apoio partidário não lhe faz sentido. Porquê?
Não há nenhuma rejeição de apoios partidários à candidatura do PS. Mas as coligações acabam por diminuir a expressão das diferentes visões políticas em vez de contribuir para que elas se afirmem.
Se for presidente da CMP admite fazer acordos de governação? Com quem?
Disso não há dúvida nenhuma. A julgar pelo que tem acontecido no Porto, na maior parte das vezes ninguém terá maioria absoluta para governar. Já dei provas de que sou uma pessoa capaz de gerar consensos.
E esses acordos tanto podem ser à esquerda como à direita?
Depende das circunstâncias. Têm que ser acordos que respeitem o programa político do partido que vencer as eleições, sem que isso signifique que não possa haver pequenos ajustamentos.
Já foi duas vezes candidato. O que é que o faz acreditar que é desta vez que vai convencer os portuenses?
Na vida política as derrotas são tão normais como as vitórias. Não me vou comparar a nenhuma das personalidades que vou aqui evocar. Mas Mitterrand, em França, só foi eleito à terceira vez. Churchill, talvez o político mais notável do século XX, conseguiu perder duas eleições para primeiro-ministro e voltou a ser primeiro-ministro numa terceira eleição. Tenho hoje mais experiência política, mais notoriedade na cidade, mais trabalho feito em favor da cidade. Acho que isso vai pesar nestas eleições.
O facto de Rui Moreira não ser candidato ajuda?
Aumenta as possibilidades e as probabilidades de eu vencer as eleições.
Tem dito que a sua prioridade é o Porto. Se perder fica como vereador?
Veremos na altura conforme forem os resultados.
Rui Moreira disse que será “neutro” até ao fim da campanha, embora nos últimos tempos tenha aparecido várias vezes ao lado de Pedro Duarte, nomeadamente no polémico Conselho de Ministros no Bolhão. Era essa a atitude que esperava de Rui Moreira? Ainda espera que ele possa apoiá-lo?
É absolutamente normal que ele fique neutro. Mas tenho visto até agora uma grande competição a ver quem é que é mais 'moreirista'. É uma competição na qual não vou participar. Reconheço muitos méritos à governação autárquica de Rui Moreira. Acho que há coisas bem feitas, que devem continuar. Mas vamos começar um novo ciclo político.
Já pode revelar se vai dar lugar a Fernando Paulo, atual vereador da Coesão Social de Rui Moreira?
Teremos ocasião para apresentar a nossa lista num momento próprio, mas devo dizer que conto com o apoio do doutor Fernando Paulo, um apoio que aliás me enche de orgulho. E conto com o apoio de muitas outras pessoas que noutras eleições estiveram envolvidas em listas de outros movimentos ou de outros partidos.
Desentendeu-se com Fernando Paulo algumas vezes. Recordo o caso de uma inquilina despejada a poucos dias de ter uma precária. Na altura acusou-o de desumanidade. Mudou de opinião?
Não podemos confundir o debate político com uma oposição definitiva. Senão não valia a pena haver diálogo na política. Eu caracterizo-me pela minha frontalidade. E, ao mesmo tempo, pela minha capacidade de diálogo. Digo sempre o que penso, mas estou sempre disponível para me aproximar das posições dos outros e, sobretudo, para me esforçar para que os outros se aproximem das minhas posições.
Mas é uma acusação grave, desumanidade, para alguém que tem uma pasta da Coesão Social.
Houve uma decisão em concreto com a qual eu discordei na altura e continuo a discordar. Se estivermos juntos na mesma vereação teremos que dirimir esses e outros aspetos que, no quotidiano, na cidade, aparecerão muitas vezes.
Gostava de contar com o apoio de Filipe Araújo, actual vice-presidente da câmara?
Reconheço a Filipe Araújo uma enorme capacidade e qualificação técnica. Não sei ainda se ele vai ou não ser candidato. Se for saúdo a sua candidatura e contarei com ele sempre, qualquer que seja a posição em que ele se encontra.
A habitação será uma das suas bandeiras. Numa entrevista ao JN/TSF disse que pretende disponibilizar cinco mil casas a custos verdadeiramente acessíveis no primeiro mandato. Como é que vai operar esse milagre?
Estamos a trabalhar. Tenho feito muitas reuniões com engenheiros, urbanistas, arquitetos, economistas, empresas de construção civil, promotores imobiliários, cooperativas. E vamos mesmo fazer cinco mil casas. A dificuldade de acesso à habitação é castradora das aspirações à felicidade das jovens gerações, das pessoas da classe média, das pessoas com menos recursos económicos. A sociedade tem de resolver esse problema rapidamente.
Qual é a sua estratégia para as pessoas em situação de sem-abrigo?
É preciso uma intervenção precária muito ativa nas pessoas que aparecem de novo na rua. Essas equipas devem ser multiprofissionais. Tem de haver mais alojamento de emergência e uma resposta no domínio da habitação. Se não formos capazes de promover também no Porto a resposta de "Housing First" não será possível resolver o problema.
O Porto continua a não ter um centro de integração para migrantes. Tem algum plano?
É inevitável. O fenómeno da imigração chegou ao Porto um pouco mais tarde do que chegou a outras zonas do país. Mas devemos dar essa resposta de forma o mais precoce possível.
A segurança é outra das suas prioridades. O RASI traz indicadores diferentes na criminalidade violenta e na criminalidade geral. Há um problema de segurança no Porto?
Há um problema de segurança e há um problema de percepção de segurança. E os dois são igualmente graves. O RASI faz referência a um aumento da criminalidade grave e violenta no Porto, de 2023 para 2024. E isso nem é muito percebido pelas pessoas. É mais percebido o problema da pequena criminalidade, associada ao tráfico e ao consumo de droga. Essa componente precisa de maior intervenção municipal. Precisamos de forças de segurança para combater o tráfico de droga, mas precisamos de apoio social e de saúde para dar uma resposta aos toxicodependentes.
A sala de consumo assistido deu provas de ser muito eficaz. É preciso mais?
Talvez venha a ser necessário. Há uma coisa evidente: a dimensão da sala de consumo assistido tem que ser aumentada. Mas isto são apenas medidas paliativas. Se não for integrado num plano mais global para retirar pessoas dos consumos problemáticos de drogas, não seremos bem-sucedidos.
O trânsito excessivo é um tema que apoquenta quem vive e quem trabalha na cidade do Porto. Quais é que são as suas prioridades em termos de mobilidade para mitigar o problema?
A mobilidade está transformada num inferno no Porto. Temos que continuar a investir na qualificação do transporte público. E, por isso, não farei nenhum discurso contra o Metro. Precisamos de mais Metro. Depois é preciso um conjunto de medidas sobre a VCI.
Fiquei profundamente desiludido com a ação do Governo. A medida de desviar o trânsito dos pesados para a CREP é positiva, mas os estudos do Estado dizem que isso melhorará o tráfego na VCI em 0,5%. Se outras medidas mais importantes fossem tomadas, por exemplo, para alterar o sistema de portagens à volta do Porto, reduziria cerca de 10% ao tráfego na VCI. A circulação à volta do Porto não pode ter portagens.
Para melhorar a mobilidade nas cidades, está estudado por especialistas e há experiências noutras cidades que o provam, é preciso também retirar carros dessas cidades. Se for eleito, terá coragem para isso?
Precisamos de reduzir o número de carros na cidade. Isso é absolutamente evidente. A Câmara do Porto, no contexto do PDM [plano director municipal] em vigor, tem vindo a adoptar algumas medidas. Com falta do ritmo adequado e com o problema do impacto destas obras do metro. Num dia útil, 77 em cada 100 carros que circulam no Porto vêm de fora da cidade. O que quer dizer que o problema, em larga medida, está em criar alternativas que as pessoas entendam que são confiáveis e confortáveis. Algumas são relativamente simples.
Uma gigantesca proporção dos autocarros da STCP podiam ser autocarros de dois andares. Essa mudança pode contribuir para atrair pessoas. O transporte público não pode ser um castigo. Tem de ser uma opção que as pessoas tomam porque é bom para elas. Porque é barato, eficaz e cumpre as horas.
Só para ficar claro: vai retirar carros da cidade?
Não tenho nenhuma dúvida de que este conjunto de medidas que já enunciei vai conduzir a isso. Numa primeira fase sem restrições obrigatórias. E, numa segunda fase, quando as alternativas estiverem no terreno, com restrições, evidentemente, em certas zonas da cidade.
O Porto tem sido uma das cidades mais populares escolhidas pelos turistas. Há zonas onde há turismo a mais na cidade?
Faço sempre uso de uma frase do professor Hélder Pacheco, que diz que no Porto não há turismo a mais, há Porto a menos. As pessoas do Porto têm de conviver com o turismo. E isso faz-se com um espaço público mais aprazível, com condições de habitação efectivas, com melhor mobilidade, com um grande investimento na recuperação ambiental da cidade, na plantação de árvores, na criação de jardins e de parques públicos. É conciliável.
Quer isto dizer que nós não devemos ter programas turísticos que promovem uma certa descentralização do turismo? Não. Temos de promover um turismo que leve as pessoas até à marginal do Douro, até à zona de Lordelo e que depois tenha um atravessamento fácil do Douro em barcos até à Afurada.
Mas na Vitória, por exemplo, mais de 60% das casas estão destinadas a Alojamento Local (AL). E o Porto tem neste momento 190 hotéis e terá nos próximos tempos, só contando com os já licenciados, 312. Isto não é turismo a mais?
Pode ser. [Mas] o que me preocupa na Vitória não é o número de casas de alojamento local. O que me preocupa é ninguém ter acautelado que as pessoas que moravam na Vitória podiam continuar a morar na Vitória.
Muitas dessas casas de AL eram casas onde vivia gente.
50% das casas da Vitória permitiam duplicar a população que morava na Vitória. Em alguns casos há pessoas que foram tiradas de suas casas para AL, mas também há muitos casos de casas que estavam a cair de podre, há décadas, e que foram reabilitadas para o AL. O papel da Câmara do Porto é, sobretudo, garantir que há possibilidade de as pessoas continuarem a viver na Vitória.
Ou seja, não tirar turistas, mas levar mais portuenses.
Isso mesmo. O turismo é essencial para o presente e futuro do Porto. Precisa em alguns casos de regulação, não vou negá-lo. Mas precisa sobretudo que as políticas públicas compensem a pegada turística. A taxa turística vai render, em 2025, cerca de 30 milhões de euros. Tenciono utilizar a esmagadora maioria desse dinheiro para financiar a tal política de habitação que vai garantir casas a custos acessíveis.
Escreveu recentemente nas suas redes sociais, a propósito do fecho de uma livraria histórica da cidade, que havia muito trabalho a fazer para preservar a identidade do Porto. Como é que isso se faz?
Trabalhando com as instituições do Porto, incluindo com os agentes económicos do Porto. É necessário que, entre o Estado e os municípios, se criem mecanismos que protejam o aumento das rendas das lojas classificadas como de valor histórico.
A proliferação de lojas de souvenirs para turistas é enorme. Há alguma forma de uma câmara combater isso?
É muito importante haver um diálogo muito ativo. Não desejo ver uma economia que seja regulada pelo presidente de câmara. Mas tem de haver planeamento da cidade e tem de haver regras que protejam a atividade económica tradicional do Porto.
Uma alteração da lei do licenciamento zero ajudaria?
Em algumas zonas da cidade é mesmo inevitável. O licenciamento zero foi um grande avanço e convém não pôr em causa os avanços que tivemos na desburocratização do Estado por ter havido problemas. Mas também é evidente que tem de haver regulação em certas zonas da cidade.
Nos últimos anos, iniciou-se o processo de descentralização. Quais são as suas prioridades nesta área?
Precisamos de mais descentralização. E que seja acompanhada por uma negociação séria dos pacotes financeiros com o Estado. Tem de haver uma nova lei das finanças locais que crie melhores condições às autarquias para cumprir mais funções a favor do cidadão. Na saúde, na educação, na acção social e na habitação. Não podemos continuar a imaginar que vamos fazer a política de habitação de que o Porto precisa com a tutela burocrática, asfixiante e lenta do IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana].