HORA DA VERDADE

Sebastião Bugalho: “Não podemos marginalizar o Chega. Seria perigoso”

29 mai, 2025 - 07:00 • Susana Madureira Martins , Lara Castro (Renascença) e Helena Pereira (Público)

O eurodeputado da AD defende que Luís Montenegro deve chamar André Ventura “para dentro do regime”. Sobre o PS, considera que este partido fundador da democracia não deve ser “achincalhado” nem deve ficar de fora da revisão constitucional.

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Sebastião Bugalho: “Não podemos marginalizar o Chega. Seria perigoso”
Veja a entrevista a Sebastião Bugalho, eurodeputado do PSD, no Hora da Verdade. Foto: Rui Gaudêncio/Público

Sebastião Bugalho, que foi cabeça de lista ao Parlamento Europeu pela AD, está convencido de que o próximo governo de Luís Montenegro deve dialogar com o Chega, considerando mesmo que não se pode “marginalizar” o partido liderado por André Ventura, avisando que pode ser um “risco perigoso” para o regime democrático.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, o eurodeputado do PSD fala ainda da “disponibilidade” para dialogar que viu da parte do candidato a líder do PS, José Luís Carneiro. Sobre o desastre eleitoral dos socialistas, Sebastião Bugalho considera que "uma das missões do centro-direita" é ter um interlocutor forte e moderado na social-democracia e avisa: “Não haverá revisão constitucional sem a participação do PS”.

O eurodeputado do PSD afasta ainda a possibilidade de um acordo escrito entre o PS e a AD, considerando que “aquilo que André Ventura adoraria era que se criasse uma ambiência de bloco central e de excessiva cumplicidade” entre os dois partidos fundadores da democracia.

Noutro plano, Sebastião Bugalho acompanha a recente posição do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, que admitiu a possibilidade de, a prazo, Portugal atingir a meta de 5% de gastos em Defesa. “Não é impossível num espaço médio alargado de tempo cumprir essa meta”, assume o eurodeputado, acreditando que a cimeira da NATO em junho será “fundamental”.

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Para si o caso Spinumviva está encerrado? O que é que o comentador Sebastião Bugalho diria sobre o assunto? Que é uma fabricação? Ou que é preciso mais esclarecimentos?
A partir do momento em que o primeiro-ministro nunca foi suspeito, arguido ou acusado num processo judicial, acho que estava livre de qualquer tipo de implicação no exercício das suas funções. Em relação ao juízo ético, ele cabe a cada um de nós. Para mim, o conflito de interesses não ocorreu.

O Ministério Público (MP) devia ter chegado a conclusões sobre a averiguação preventiva antes das eleições?
Não quero questionar os timings do MP.

Se for aberto um inquérito pelo MP sobre atividades do primeiro-ministro antes da sua chegada ao poder, Luís Montenegro tem condições para se manter no cargo?
Se este prédio ruir daqui a cinco segundos, se calhar nem todos tínhamos condições para escapar a tempo. Não consigo responder a essa pergunta.

Em princípio vai haver uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso Spinumviva e o filho de Montenegro já se disponibilizou para ir prestar declarações. Uma CPI não irá desgastar o primeiro-ministro?
Não tomo por garantido que aconteça. O futuro líder [do PS] já veio dizer que não tenciona avançar com a CPI antes de a Procuradoria-Geral da República (PGR) tomar uma posição e o líder do Chega, que podia cair na tentação de usar a CPI para desgastar a primeira força política, também não foi claro sobre esse ponto. Sei que seria uma terrível ideia porque não cabe no escopo legal de uma CPI por não se tratar de um ato administrativo ou de gestão pública do Estado. E fazer uma CPI a um primeiro-ministro abre um precedente enorme.

Dirigentes do PSD já vieram dizer que estão abertos a negociações com o Chega. Até onde?
Com base no programa do governo e das políticas públicas da AD. O ponto de partida somos nós. Não vamos negociar a existência do governo da AD. A AD não pode ignorar o facto de o Chega ter tido uma votação particularmente expressiva e ser a segunda força política. O Chega terá uma palavra a dizer sobre uma série de cargos. Na legislatura anterior, o Chega já indicou um nome para o Conselho Superior do Ministério Público, não foi uma nomeação que colocasse em risco o regime. Julgo que é mais perigoso para o regime ter o Chega de fora do que ter o Chega dentro. É mais perigoso pôr o Chega fora do regime do que dentro do regime.

"A AD não pode ignorar o facto de o Chega ter tido uma votação particularmente expressiva e ser a segunda força política"

Porquê?
Porque integrando responsavelmente o Chega poderemos conter os seus ímpetos de maior radicalismo e populismo e, ao mesmo tempo, não marginalizar um eleitorado que já se sente marginalizado. Se não, eles tentarão combater o regime por fora.

Até onde pode ir essa integração?
O "não é não" com que Luís Montenegro fez campanha vai-se manter: não governaremos dependendo do Chega. É isso que faremos.

O Chega é um parceiro confiável?
O Governo da AD aumentou a sua legitimidade eleitoral, mas não tem maioria absoluta. Está obrigado a negociar com todos. Eu não sei se são [um parceiro confiável], sei que o nosso dever enquanto governo minoritário é dialogar com o Parlamento. Não podemos marginalizar o Chega ao mesmo tempo que não iremos depender dele.

Como é que se faz esse equilíbrio?

Olhemos para a campanha eleitoral e para algumas propostas de Luís Montenegro. A criação da unidade especial de polícias, a proibição dos telemóveis até ao sexto ano, por exemplo. São tudo propostas que a AD poderá levar ao Parlamento nos primeiros 120 dias. Caberá ao Chega pronunciar-se sobre elas, se as aprova ou não. É muito simples.

Isso não é negociar. Isso é apresentar uma proposta e depois cada grupo parlamentar vota como entender.
Face ao resultado que teve, trata-se de o Chega ser responsabilizado se não for confiável. Mas isso cabe aos eleitores do Chega e ao partido Chega gerirem.

Será fácil, por exemplo, negociar algo como o IRC com o Chega?
Espero que sim. Mas também digo que a AD não deve ignorar as declarações recentes de José Luís Carneiro, futuro líder do PS, quando veio lembrar os 50 anos de grandes compromissos entre o PS e o PSD. Há sinais positivos da parte da nova liderança do PS e do lado do Chega há sempre imprevisibilidade, mas isso não nos desobriga de dialogar com todos.

Qual é que deve ser a relação da AD com o PS? Para algumas votações o PS pode ser irrelevante?
Não devemos achincalhar o PS. O PS é um partido fundador da democracia, a social-democracia europeia faz parte dos sistemas políticos europeus e deve continuar a fazer parte deles.

Mas está a desaparecer.
Uma das missões do centro-direita é tentar ter um interlocutor junto da social-democracia, e nós até somos mais próximos da social-democracia do que a maior parte do centro-direita europeu. A nossa relação com o PS deve ser de respeito e diálogo. E olhando para aquilo que tem dito José Luís Carneiro, creio que isso será amplamente possível.

"Não devemos achincalhar o PS. O PS é um partido fundador da democracia"

Está a dizer que é a esquerda de que a direita gosta?
Não. Os políticos não devem ser menorizados face à sua capacidade de responsabilidade. É melhor ter um interlocutor com conteúdo do que um interlocutor que só acenava fantasmas.

Uma relação do PSD com um PS enfraquecido não atira um certo eleitorado para os braços do Chega?
É um risco muito maior para o regime pôr o Chega fora do regime do que ter o Chega dentro. Aquilo que André Ventura adoraria era que se criasse uma ambiência de bloco central e de excessiva cumplicidade entre a AD e o PS, que era para André Ventura poder fazer campanha contra o bloco central e contra, abre aspas, os mesmos de sempre. É por isso mesmo que temos de dialogar com todos. Que é para não dar a ideia de que o sistema político está fechado e que não ouviu o grito de revolta do eleitorado.

Isso quer dizer que, por exemplo, a revisão constitucional, seria à direita?
Não haverá revisão constitucional sem a participação do PS, que foi o partido que esteve presente com o PSD em todas as revisões constitucionais definidoras do nosso modelo económico e do nosso modelo político e da nossa integração europeia.

Não tem sido dito assim por outros dirigentes do PSD.
No Parlamento Europeu, convivo com esta realidade há um ano. Os socialistas são a terceira força. Quando a esquerda ou os socialistas não querem aprovar uma coisa, dizem que não participam porque a extrema-direita está à mesa. E quando a extrema-direita não quer aprovar uma coisa, não participa porque diz que os socialistas estão à mesa. Na revisão constitucional podemos acabar por cair no mesmo.

João Costa, ex-ministro do PS, defende um acordo escrito entre a AD e o PS para algumas áreas. Seria uma boa ideia?
Não vai haver qualquer acordo escrito, nem de incidência parlamentar e previsivelmente o acordo escrito que o João Costa refere também me parece de difícil concretização. Mas não me parece descabido que ouçamos o PS em matérias europeias de soberania ou defesa e em matérias de imigração.

Nestas eleições, o Chega ultrapassou o PS. Há o risco de, a médio prazo, isso acontecer com o PSD?
Julgo que não por uma razão simples. A AD, nos primeiros 11 meses, foi um Governo de mudança. O próximo governo terá condições para cumprir a legislatura e será um governo de resultados. Para travar um partido populista e um partido contestatário do regime, aquilo que é necessário são resultados de políticas públicas.

Espera que seja o PS a aprovar quatro orçamentos?
Dialogaremos com todos, respeitando a autonomia política e a responsabilidade que cada um venha a ter.

Das palavras de José Luís Carneiro, depreende que o PS irá viabilizar, pelo menos, os primeiros orçamentos.
Valorizo a predisposição do novo líder do PS para o diálogo.

"O próximo governo terá condições para cumprir a legislatura e será um governo de resultados"

Foi notícia esta semana por ter sido escutado no processo Tutti-Frutti, conversas que manteve enquanto jornalista com dois acusados. O que lhe pergunto é se considera que Luís Newton tem condições para se manter em funções como presidente da Junta de Freguesia da Estrela e como líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa, sendo acusado de cinco crimes de corrupção passiva e cinco crimes de prevaricação.
Essa é uma decisão da estrutura do partido. Já se demitiu de deputado da Assembleia da República após ter sido acusado. Acho que se não ficou no Parlamento, não será recandidato à junta.

Destas escutas que foram reveladas agora pela revista Sábado, não fica também evidente um traço seu de caráter pessoal, permeável e pouco imparcial, na altura, enquanto jornalista?
Eu tinha um formato de entrevista que era numa refeição, em que as pessoas faziam pequenos apartes. Por uma questão de cortesia, a seguir ligava e ia confirmar a transcrição junto delas. Portanto, se isso remete para algum traço de carácter meu, é uma avaliação que lhe deixo a si ou a quem nos está a ouvir. Estava a fazer o meu trabalho da forma que eu julgava mais correta possível, não só para o leitor como para o entrevistado.

O ministro dos Negócios Estrangeiros já veio admitir, no início desta semana, gastos de 5% em Defesa, algo que o primeiro-ministro dissera ser inexequível. Esta aproximação à proposta do secretário-geral da NATO não é um esforço colossal?

O investimento em Defesa implicará um esforço europeu, mas temos de fazer esse esforço. A Rússia investiu 6,7 % do seu PIB no ano passado no seu complexo militar. A média da União Europeia foi de 1,9%. Cada cêntimo que não investirmos em Defesa é um cêntimo que os estados bálticos não investem no seu Estado social. O investimento em defesa corresponde a uma forma de solidariedade europeia entre aqueles que defendem o modo de vida europeu e o Estado Social europeu.

Não é uma meta irrealista para Portugal, que não consegue chegar sequer aos 2%?
A Cimeira da NATO em junho será fundamental e onde seremos, provavelmente, confrontados com metas superiores aos 2%, que nós ainda não cumprimos. A Comissão Europeia já anunciou a suspensão das regras orçamentais para os países que queiram passar os 3% de défice desde que seja com investimento em Defesa. Portanto, não é impossível num espaço médio alargado de tempo cumprir essa meta.

"Cada cêntimo que não investirmos em Defesa é um cêntimo que os estados bálticos não investem no seu Estado social"

Em relação a Gaza, o Governo português tem retardado uma posição sobre o reconhecimento do Estado palestiniano. Deveria fazê-lo já?
A situação está a mudar, do ponto de vista diplomático: 17 Estados-membros da União Europeia, mais 10 dos maiores doadores humanitários para Gaza, assinaram um documento onde condenavam, incluindo Portugal, o facto de Israel ter barrado a ajuda humanitária em Gaza durante dois meses, causando fome, doença, sede. Uma tragédia humanitária.

Ao mesmo tempo, o Canadá, o Reino Unido e a França assinaram em conjunto um comunicado que diz, na última linha, que para preservar a solução dos dois Estados, reconhecer o Estado da Palestina poderá ser uma forma de preservar essa solução dos dois Estados, que neste momento já não é reconhecida pelo Estado de Israel. É claro que o ambiente está a mudar e, dentro desse ambiente em mudança, acho que iremos fazer parte da mudança.

Está a dizer é que está à espera que o próximo governo reconheça o Estado da Palestina?
O que lhe estou a dizer é que se há governo que terá sempre uma posição equilibrada sobre este conflito, com respeito pelos direitos humanos, pelo direito internacional, pelo direito de Israel a defender-se, e respeito pelo óbvio facto de que a resposta neste momento é totalmente desproporcional, é o governo português. O reconhecimento da Palestina está a ser levado a sério pelas grandes democracias do mundo como forma de preservar a solução de dois Estados, depois de Israel deixar de apoiar essa solução.

Há um genocídio em curso em Gaza, ou não?
O genocídio do ponto de vista do direito internacional é uma expressão perigosa e difícil de apurar. Mas posso-lhe dizer aquilo que o enviado da Comissão Europeia para a paz no Médio Oriente disse, em dezembro, no Parlamento Europeu: o risco de limpeza étnica é real, o risco de crimes de guerra é real e o risco para a segurança dos israelitas e dos europeus face ao modo como esta guerra está a ser tratada, é real.

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