10 out, 2025 - 06:03 • Ana Catarina André
Quando frei Bento Domingues foi chamado à PIDE, para ser interrogado, ficou descansado. “Percebi que eles não sabiam nada sobre as coisas clandestinas em que andava metido”, recorda o teólogo. “Naquela altura, havia dois quartos livres [no convento] e eu enchi-os com presos políticos, pessoas ameaçadas ou que já tinham estado [ameaçadas] e levava-lhes a comida. Porquê? Devo dizer que por razões evangélicas claras, mas também por um nojo, um absurdo um país estar como seja uma prisão. Não pode ser! Tem de rebentar!”, constata em entrevista à Renascença.
Na génese desta ida à Rua António Maria Cardoso, onde ficava a sede da polícia política, estava uma missa que frei Bento Domingues celebrara para crianças, em Caxias. A guerra colonial, que tinha começado em 1961, ceifava cada vez mais vidas nos territórios ultramarinos, e naquele domingo, o dominicano decidiu fazer, diante dos mais novos, uma apologia da paz.
Na homilia, pediu-lhes que rejeitassem a guerra e incentivou-os a que, naquele Natal, não aceitassem presentes associados ao conflito armado. “O país estava farto de guerra, mas, ao mesmo tempo, como tudo era muito vigiado pela PIDE, tudo se acanhava”, diz, sublinhando que procurou sempre contrariar esta postura de aceitação. “Apoiar, participar, lutar por tudo o que era acabar com a guerra, começar um novo país: tudo em que podia fazer alguma coisa e que outros estavam a fazer e a organizar, eu embarcava.”
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Em 1963, frei Bento Domingues envolveu-se no Direito à Informação, uma organização clandestina que criara uma publicação sobre a guerra colonial e os problemas de Portugal. O padre dominicano, que se destacaria como teólogo, esteve ligado, também, à revista "O Tempo e o Modo", criada por católicos progressistas como António Alçada Baptista, João Bénard da Costa e Pedro Tamen, e que acabou por integrar outros nomes da esquerda como Mário Soares, Jorge Sampaio ou Medeiros Ferreira.
Além destas atividades, o dominicano fez parte também da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, uma organização criada em 1969 da qual faziam parte figuras como o arquiteto Nuno Teotónio Pereira, o compositor Fernando Lopes Graça e a poetisa Sophia de Mello Breyner.
O grupo recorria a alguns dos deputados da Assembleia Nacional para tentar libertar homens e mulheres que tivessem sido detidos em dissidência com o regime. “Antes [da comissão], cada grupo política defendia os seus”, explica. “À comissão não lhe interessava se a pessoa era comunista, isto ou aquilo. A única razão de ser da comissão era defender os presos políticos fossem eles quem fossem. Isso foi um avanço enorme para unir as diferentes tendências, porque viam a eficácia disso”, diz o teólogo.
Estas são algumas das histórias do primeiro episódio de “Igreja e Liberdade”, um podcast sobre o papel dos católicos na transição democrática e as transformações ocorridas na Igreja neste período.
Ao longo de cinco episódios, saiba mais sobre a luta dos cristãos contra a guerra colonial e contra a ditadura e explore outros temas como o legado do episcopado na adaptação da Igreja à democracia, as relações que os católicos estabeleceram com o Estado português e com os partidos políticos, e o papel da Ação Católica na formação dos jovens de então.
Descubra, por exemplo, o que levou o cardeal Cerejeira a incentivar os jovens a contornar a censura e conheça as histórias de quem, como Pedro Roseta, percorreu o País, após o 25 de Abril, a explicar à população como se votava.
Além de frei Bento Domingues, o primeiro episódio conta com os testemunhos do padre António Janela, Luísa Sarsfield Cabral e Jorge Wemans. Este trabalho conta com a coordenação científica de Paula Borges Santos, numa parceria com o IPRI – Instituto Português de Relações Internacionais.