24 out, 2025 - 06:10 • Ana Catarina André
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Foram dias inesquecíveis. O golpe militar que, a 25 de Abril de 1974 pôs fim a uma ditadura em Portugal que durava há mais de quatro décadas, trouxe a António Bagão Félix, na altura um jovem de 26 anos, a perceção de que havia um novo ambiente nas ruas.
“[Foi uma] festa pura, autêntica, genuína. É como se, de repente, as pessoas se libertassem de uma coisa de que provavelmente o comum cidadão não se apercebesse, mas era um espesso nevoeiro e de repente viu-se luz”, recorda o antigo ministro das Finanças que era, então, diretor de uma companhia de seguros.
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Naquela época, as mudanças empolgavam-no, mesmo que fossem pequenas, como aconteceu naquele dia em que ouviu na rádio que o líder do Governo iria mudar de nome. “Achei que o chefe de Governo do meu país ser chamado primeiro-ministro nos punha, nesse sentido, a par das democracias britânica, alemã (na alemã é chanceler, mas no fundo é a mesma coisa). Havia uma espécie de modernidade que me agradava, como se se abrisse o horizonte de uma organização política do Estado português diferente”, recorda o economista no terceiro episódio do podcast “Igreja e Liberdade”, sobre o papel dos católicos na transição democrática e sobre as transformações ocorridas na Igreja neste período.
À Renascença, o antigo governante recorda o 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, então decretado feriado pela Junta de Salvação Nacional, como “um momento inolvidável”. “Estava com a minha mulher na Avenida dos Estados Unidos da América, [em Lisboa]. Estávamos numa alegria transbordante.”
Nessa altura, sentia “um certo fascínio pela esquerda”, ainda que, mais tarde, tivesse feito de vários governos de direita. “Havia aquela ideia, própria da juventude, de que tudo o que fosse diferente do regime era bem-vindo. Mas nunca me entusiasmei com a esquerda marxista, nunca fui marxista. Aliás, como católico, tinha a satisfação de algumas respostas que a doutrina social da Igreja já me dava, na altura. Agora, a novidade era, em si, aliciante e, portanto, nesse sentido, fui oposicionista.”
Talvez, por isso, tenha votado no PS nas primeiras eleições livres após a Revolução dos Cravos, a 25 de Abril de 1975. “Foi a única vez que votei no Partido Socialista." E explica: "Há aqui um fator importante. Ao passo que o PS e o Dr. Mário Soares estavam presentes, pelo menos no plano em que eu estava na vida, o Dr. Sá Carneiro, apesar de ter feito parte dos deputados liberais, na assembleia nacional, estava em formação, a partir do zero praticamente.”
Além de António Bagão Félix, o terceiro episódio do podcast “Igreja e Liberdade” conta com os testemunhos de Pedro Roseta, que conta como percorreu o país, após o 25 de Abril, a explicar à população como se votava, e de Joaquim Azevedo, que relata o que o levou a optar pela neutralidade, nos primeiros tempos após a revolução, depois de ter estado ligado a grupos de resistência à ditadura.
Esta série de cinco episódios tem coordenação científica de Paula Borges Santos, numa parceria com o IPRI – Instituto Português de Relações Internacionais, e aborda temas como a luta dos cristãos contra a guerra colonial e contra a ditadura e o papel do episcopado na adaptação da Igreja à democracia.