13 jun, 2025 - 13:00 • Alexandre Abrantes Neves
Até podemos estar a viver uma nova Guerra Fria, mas o clima interno na Rússia é "diferente” daquele que se viveu na União Soviética e isso “dificulta a ação” das Nações Unidas. A tese é apresentada por Bernardo Ivo Cruz, especialista em relações internacionais e antigo secretário de Estado da Internacionalização no último governo de António Costa, no podcast Renascença/EuranetPlus “Isto não é só Europa”, para explicar a pouca relevância da ONU na luta pela paz na Ucrânia.
“A União Soviética tinha mecanismos internos de controlo. Podiam ser muito ligeiros ou não, mas havia. Quando o Khrushchev, líder da União Soviética, deu um passo maior do que a perna, teve de recuar. Hoje em dia, não encontramos mecanismos internos na Rússia para dizer a Putin: ‘Isto não está a correr bem, tu disseste que estavas na Ucrânia numa semana, já lá vão três anos, portanto, meu amigo, faz as malas”, defende.
Por essa razão, o especialista em ciência política acredita que vamos continuar a assistir aos vetos russos no Conselho de Segurança das resoluções aprovadas na Assembleia-Geral da ONU que criticam a invasão da Ucrânia: “Paradoxalmente, é um órgão importante a bloquear o poder que a própria ONU podia ter”, clarifica.
Na perspetiva de Catarina Caria, analista de política internacional, a posição de alguns estados é a razão para que as organizações internacionais e o multilateralismo estejam em perigo. A também consultora em projetos de paz e sustentabilidade aponta o exemplo do Tribunal Penal Internacional que, ao emitir mandados de detenção para ao primeiro-ministro israelita pela guerra em Gaza, “tem tido imensa coragem e tem feito aquilo que está ao alcance da sua autoridade” e que vê o poder limitado pelas “decisões políticas nacionais”
Guerra na Ucrânia
Documento russo entregue à Ucrânia em Istambul exi(...)
“Esta enorme fome que temos, enquanto crise humanitária, é também o corolário do desrespeito pelo direito internacional, pelos princípios de como a guerra deve ser feita. Eu acho que isso abriu um precedente enorme na forma como as próximas guerras serão conduzidas”, avisou.
A crise da relevância também chegou à União Europeia, em parte provocada pelas alterações trazidas por Donald Trump com o regresso à Casa Branca.
Na perspetiva de Bernardo Ivo Cruz, Bruxelas tem conseguido marcar posição no que toca à política comercial e económica – nomeadamente, nas ameaças de resposta e nas negociações perante as tarifas alfandegárias –, mas noutras matérias (defesa e diplomacia) a orgânica da UE impede-a de influenciar com maior força o rumo dos acontecimentos.
Por isso, o especialista considera que os 27 têm de virar a agulha e olhar para outros pontos do globo, de modo a conseguir concertar uma resposta mais forte e evitar o controlo dos Estados Unidos na diplomacia e no multilateralismo.
“Se a UE fosse capaz de organizar as democracias do mundo, de conversar com o Canadá e o México, com outros estados da Europa, com o Brasil, Chile, Uruguai, África do Sul … São democracias que estão à procura de como se posicionam agora que os Estados Unidos se retiram como líder do mundo livre. Haveria um espaço interessante para a UE agir como pivô”, sugere.
Na leitura de Catarina Caria, a diplomacia atual funciona muito mais “a partir das capitais europeias” e com “maior pragmatismo”, o que vai dificultar a assinatura de acordos ou criação de ligações formais como dantes – será “uma nova diplomacia”, negociada caso a caso.
Ainda assim, há temas que devem ficar de fora e abafados por outras questões mais prementes, como a defesa – é o caso dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e das preocupações ambientais.
“Este regresso a um ‘realpolitik’ faz com que quaisquer conversas sobre o Desenvolvimento Sustentável pareçam ‘fluff’, piruseiras e coisas pouco relevantes. (…) Devido a este ‘trade-off’ que, inevitavelmente, terá de existir entre segurança ou desenvolvimento sustentável, tornar-se-á cada vez mais difícil termos esses acordos da maneira como os conhecemos”, assinala.