31 out, 2025 - 17:00 • Alexandre Abrantes Neves , Beatriz Martel Garcia (sonorização)
Há “muito mais dúvidas do que certezas” sobre o impacto da inteligência artificial (IA) no ensino, mas um aspeto parece certo na visão de muitos investigadores: os jovens “têm de ser preparados com competências” para conseguirem utilizar a IA e distinguir informações verdadeiras e falsas. Para isso, o especialista e investigador Miguel Herdade defende uma espécie de “regresso ao passado” – colocar os mais novos a decorar e a “marrar”.
“Aprender é marrar, é fazer uma mudança no nosso cérebro, é fazer uma mudança na nossa memória de longo prazo. Talvez esta será uma discussão que vamos ter de ter. Se não tivermos conhecimentos substantivos, nós não vamos conseguir saber o que perguntar [a estas ferramentas] e não vamos conseguir analisar a informação que nos é dada com o sentido de espírito crítico e de forma informada”, defende, no podcast “Isto não é só Europa”, da Renascença/EuranetPlus.
Este especialista (que se dedica também à inovação e coordenação de atividades escolares no Reino Unido) assinala que há ainda estudos contraditórios sobre a influência da IA na educação e que terá de se esperar pelas alterações noutras áreas da sociedade – como o mercado de trabalho – para se perceber que mudanças serão necessárias nas aprendizagens.
Por essa razão, ainda tem “dúvidas” que haja efeitos positivos ao utilizar estas ferramentas para personalizar o ensino às particularidades, preferências e dificuldades de cada aluno: “Não é uma bala de prata. Sempre que se tentou esta personalização, isto não teve impacto positivo nenhum nos nossos alunos”. Ainda assim, há um tema no qual Miguel Herdade assenta, desde já, que a IA pode ser útil.
Isto não é só Europa
João Rocha e Melo, especialista em Inteligência Ar(...)
“É a questão dos alunos imigrantes, justamente para tentar combater as dificuldades da língua. Gostava de ver isso integrado no sistema de ensino com alguma rapidez”, apela.
João Oliveira, eurodeputado do Partido Comunista Português (PCP) e membro da comissão do Parlamento Europeu para assuntos sociais, também pede “tempo” para perceber que impacto vai ou não haver nas escolas, mas rejeita que isso possa ser utilizado como uma desculpa para não avançar desde já com políticas públicas – nomeadamente, com decisões que coloquem limites preventivos na utilização das ferramentas.
“Na minha própria experiência escolar, era proibido utilizar calculadoras nas aulas de matemática. Porque havia uma perspetiva de que a estruturação do raciocínio, do pensamento lógico matemático era absolutamente essencial. Não ficávamos dependentes da máquina”, recorda, como forma de aplicar o mesmo princípio aos tempos atuais, evitando a utilização de IA nomeadamente em tarefas “em que a criatividade é um elemento fundamental”.
Os números mais recentes da Rede Europeia Anti-Pobreza fizeram soar os alarmes entre as instituições de solidariedade social: em 2023, uma em cada cinco crianças encontrava-se em situação de risco de pobreza ou de exclusão social. Ao mesmo tempo, os relatórios PISA nos últimos oito anos têm mostrado que Portugal é um dos países da OCDE com um maior fosso nas aprendizagens entre os alunos mais pobres e os mais ricos.
Na leitura de Miguel Herdade, a tecnologia “pouco ou nada” veio resolver este problema, uma vez que foi introduzida em força nos últimos 20 anos nas escolas portuguesas, enquanto “a desigualdade não diminuiu”.
O comunista João Oliveira alinha-se nesta perspetiva e lança uma tentativa de explicação: não adianta colocar os materiais na sala de aula se os alunos mais desfavorecidos não tiverem uma retaguarda familiar que os acompanhe na utilização dos equipamentos.
“Serviu-nos pouco distribuir computadores ‘Magalhães’ se ficaram umas crianças com capacidades para os utilizar plenamente e outras sem essas capacidades. Ou porque não têm o suporte familiar ou porque não têm o acompanhamento escolar que permite esse acompanhamento. Agora, não tenho dúvidas de que a utilização que as crianças e os jovens fariam dessas possibilidades [ferramentas de inteligência artificial] seriam completamente distintas em função das suas competências e capacidades”, defende.
Esta trata-se de uma responsabilidade dos Estados, mas também da União Europeia (UE), defende João Oliveira, que pede a Bruxelas para não pensar apenas na regulamentação da IA e começar já a pensar nas consequências sociais que surgirão nos próximos anos.
Religião
Na audiência aos estudantes que participam no Jubi(...)
“A UE tem um papel absolutamente imprescindível de contribuir para o esbatimento de algumas assimetrias. Nós temos estado sobretudo focados nas desigualdades sociais, mas há assimetrias regionais e nacionais que são absolutamente imprescindíveis”, apela.
A IA pode trazer razões para sorrir aos professores. Segundo um estudo da consultora McKinsey em 2023, o trabalho administrativo pode reduzir até 40% graças à introdução destas ferramentas no ensino.
Para o especialista Miguel Herdade, estes são números animadores, ainda para mais perante o “momento muito crítico” atravessado pelo ensino em Portugal, com falta de docentes. Este investigador aponta, no entanto, que a IA já faz parte das rotinas de trabalho de muitos professores, que a utilizam até para acelerar a preparação de materiais pedagógicos.
“Dois terços dos professores em Portugal usam a inteligência artificial para preparar aulas, para resolver questões burocráticas, para preparar materiais e por aí fora. Os professores, em geral, são muito mais qualificados do que a média da população portuguesa. Procuram essa inovação, não por causa dos apoios que recebem, mas por uma vontade de querer ser importante na vida dos seus alunos”, assinala.
Sobre as habituais questões de uma eventual substituição dos professores pelas máquinas, Miguel Herdade duvida que essa possibilidade seja alavancada pela Inteligência Artificial e socorre-se do “mau exemplo” da pandemia para explicar porquê.
“Voltámos a tentar que a tecnologia substituísse o professor em sala de aula. Foi desastroso. Portugal andou 15 anos para trás e, sobretudo, afetou os alunos mais pobres. Isto demonstra que dentro das escolas não há nada, absolutamente nada mais importante do que o professor. O professor é duas a três vezes mais importante no resultado dos alunos do que qualquer outro fator” vinca.