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Chefe da missão do FMI

"Investimento público em Portugal tem sido limitado nos últimos cinco ou seis anos"

11 jul, 2023 - 16:01 • Pedro Mesquita

Como conseguir um crescimento mais forte da economia portuguesa? Porque é que continuamos a ser ultrapassados pelos países do Leste, que aderiram à UE muito depois de nós? Em entrevista à Renascença, a economista que lidera, desde 2021, a missão do FMI em Portugal avisa que ainda "há um longo caminho a percorrer", e aconselha o Governo a aumentar a proporção do investimento público produtivo nos gastos totais.

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FMI. Entrevista a Rupa Duttagupta
Clique na imagem para ouvir a entrevista na íntegra

Uma das principais razões que tem limitado o crescimento económico de Portugal é o baixo crescimento da produtividade.

Em entrevista à Renascença, Rupa Duttagupta, economista do Fundo Monetário Internacional, que lidera a missão para Portugal desde 2021, diz que a melhor receita que o FMI pode dar ao Governo português, neste capítulo, é que aumente a proporção do investimento público produtivo, nos gastos totais.

Rupa acredita que o PRR dará uma boa ajuda, a concretizar-se um maior investimento em infraestruturas, habitação pública, educação, investigação ou digitalização, por exemplo.

Noutro plano, a economista chefe da missão do FMI para Portugal, considera que ainda não chegou a hora do BCE baixar as taxas de juro, porque diz: "A inflação na Zona Euro ainda é muito alta e é preciso garantir que realmente diminui".

A previsão de crescimento económico para Portugal foi revista em alta pelo FMI. Passou de 1,8% para 2,6, mas há a ideia de que deveria ser muito maior por comparação com o desempenho de alguns países da Europa de Leste que aderiram à União Europeia muito depois de Portugal. Concorda com esta tese?

É verdade que o FMI reviu em alta as previsões de crescimento económico de Portugal para 2023 e isso reflete alguns resultados importantes. Em primeiro lugar, apesar de todos os choques recentes, a economia tem resistido bastante bem, em parte devido às medidas políticas de apoio, mas também se deve a fatores externos. Por exemplo, a recuperação na procura turística tem sido muito mais forte.

Mas em relação à sua pergunta, se o crescimento devia ter sido maior, devo dizer duas coisas: em primeiro lugar, tendo em conta os choques recentes - primeiro a pandemia, depois a crise dos preços da energia e agora as taxas de juro mais altas - o atual crescimento é assinalável. Mesmo assim, ainda há um longo caminho a percorrer para que Portugal alcance os padrões médios de crescimento da União Europeia.

Mas porque é que a economia portuguesa não está a crescer mais? O que é que Portugal deveria fazer para garantir um crescimento económico mais forte, mais efetivo?

Em parte, isso deve-se à conjuntura económica atual. Na verdade, nenhuma economia na Europa está a crescer muito. E entre os países da União Europeia, a taxa de crescimento de Portugal, em 2022 foi de 6,7%, foi uma das mais fortes. Mas respondendo à sua pergunta: em parte deve-se à conjuntura, mas também a fatores estruturais.

Se olharmos para trás, para cinco anos antes da pandemia, ou mesmo 10, uma das principais razões que tem limitado o crescimento económico de Portugal é o baixo crescimento da produtividade. Portanto, é necessário investir mais nessa área.

Por exemplo, é preciso mais investimento público em infraestruturas, na educação e na formação, e mais investimento em Investigação e desenvolvimento. Isso ajudará a aumentar as competências e a produtividade, e contribuirá para que a taxa de crescimento de Portugal se mantenha elevada...e seja até superior àquela que projetamos atualmente.

Portanto, aconselha o Governo português a trabalhar mais no investimento público para atingir esse objetivo...

Em geral, tanto o investimento público como o investimento privado, em Portugal, têm sido relativamente limitados nos últimos cinco ou seis anos. Uma das nossas principais recomendações que fazemos ao Governo, neste contexto, é aumentar a proporção do investimento público produtivo nos gastos totais.

Parte disso será possibilitado pelos fundos de recuperação e resiliência nacionais. No entanto, é necessário mais investimento em todas as áreas que mencionei, como o investimento em competências, infraestruturas, habitação pública, educação, digitalização, investigação e desenvolvimento.

O salário mínimo aumentou significativamente em Portugal nos últimos tempos. Seria importante aumentar também o poder de compra da chamada classe média? E nesse caso, como é que isso deveria ser feito? Seria uma boa solução, por exemplo, baixar os impostos sobre o rendimento, o IRS?

O poder de compra das famílias portuguesas aumentará à medida que o rendimento global do país também aumentar. Mas a sua pergunta é também sobre a possibilidade de melhorar o sistema fiscal. Devo dizer duas coisas: em geral, as taxas de imposto em Portugal estão alinhadas com as médias da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) para economias avançadas.

Ao mesmo tempo, muito mais poderia ser feito para melhorar a administração fiscal. Existem muitas isenções fiscais que poderiam ser racionalizadas e, utilizando os ganhos provenientes do sistema fiscal, poder-se-ia fazer mais para simplificar o sistema fiscal e até reduzir essas taxas, de que você estava a falar (IRS).

Noutro plano, faz sentido que o BCE continue a aumentar as taxas de juro para combater a inflação? Não há o risco de se matar o doente pela cura?

Esta pergunta destina-se aos meus colegas que acompanham a Zona Euro como um todo. Bom, o que lhe posso dizer basicamente é que o relatório deles será publicado daqui a menos de duas semanas, no final deste mês.

Em geral, como sugerem as conclusões desse relatório, a inflação na Zona Euro está a diminuir, mas ainda é muito alta. É superior à meta de 2% e espera-se que permaneça elevada durante algum tempo.

Dada esta situação, há um risco elevado de que, se a inflação não for controlada rapidamente, isso possa gerar expectativas de inflação desancoradas, o que nos levaria a outros riscos. A visão do FMI é, ainda, a de que o Banco Central Europeu (BCE) ainda precisa de prosseguir este caminho de aumentar as taxas de juro para garantir que a inflação realmente diminui.

Como sabe, muitas famílias pediram empréstimos aos bancos, em Portugal, para comprar casa, a taxas de juro variáveis. Agora, perante o aumento dos juros, não sabem o que fazer para pagar as prestações. Qual seria a melhor estratégia do Governo português para ajudar essas pessoas?

O Governo já fez algumas coisas que, acreditamos, estão a ajudar. Em primeiro lugar, permitiu que os bancos renegociem empréstimos para famílias que estão a ter mais dificuldade em cumprir os pagamentos em divida. Em geral, acreditamos que é necessário algum abrandamento na procura de habitações para que os preços das casas sejam ajustados.

Em Portugal, como em muitos outros países europeus, o preço das casas tem continuado a subir. A um ritmo mais lento, mas ainda assim estão a aumentar. Isso, por si só, também é um problema para as famílias que procuram casa. Acreditamos que, desde que a situação seja monitorizada cuidadosamente e haja um maior esforço para direcionar o apoio para as famílias com baixos rendimentos, e que não têm outras opções, será possível para Portugal superar essa dificuldade.

Recentemente alguém me dizia que “Portugal é a Alemanha, mas com sol”. Claro que era uma piada, mas o que devemos esperar para os próximos anos? O sol vai brilhar para Portugal?

Ok. O que esperamos para os próximos anos... esperamos que o crescimento desacelere no que falta deste ano e no próximo, porque, em primeiro lugar, as taxas de juro mais altas terão impacto na procura interna, mas também porque Portugal é uma economia dependente do turismo e das exportações, e o resto do mundo, especialmente a Europa, também está a abrandar, o que irá prejudicar o crescimento em Portugal. No entanto, também há muitas oportunidades fortes.

A primeira, e a maior delas, é o plano de recuperação nacional da União Europeia (PRR). É absolutamente importante implementar as reformas e os investimentos públicos previstos nesse plano.

Se isso acontecer, e se o Governo continuar a reduzir o peso da dívida pública, isso ajudará a preparar o caminho para uma recuperação muito mais resiliente.

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