08 jan, 2025 - 19:12 • Diogo Camilo
A tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos acontece só dentro de semana e meia, mas as intenções já são claras: tornar a Gronelândia parte do país e controlar o Canal do Panamá, num plano para tornar a América maior, e não só “grande novamente”. Para isso, não exclui o uso de força militar - e até manifesta vontade de tornar o Canadá no 51.º estado norte-americano e de renomear o Golfo do México para “Golfo da América”.
Os interesses ambiciosos são, obviamente, estratégicos, mas já foram descartados pelo próprio secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, que afirmou esta quarta-feira que as ideias de Trump sobre a Gronelândia “obviamente não vão acontecer”.
A ideia é antiga e vem ainda de quando a Gronelândia era uma colónia da Dinamarca. No ano seguinte ao fim da Segunda Guerra Mundial, o então presidente norte-americano, Harry Truman, fez uma proposta de 100 milhões de dólares em ouro para comprar o território, mas Copenhaga rejeitou.
Mais de 70 anos depois, e no anterior mandato do Presidente eleito dos Estados Unidos na Casa Branca, Trump voltou à carga.
A Dinamarca considerou a proposta para comprar a Gronelândia de “absurda”, Trump chamou a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, de “indecente” e a visita do chefe de Estado norte-americano ao país acabou cancelada.
No final do ano passado, Trump insistiu e defendeu a anexação da Gronelândia como uma "necessidade absoluta".
Agora, em conferência de imprensa a partir do seu resort de Mar-a-Lago, na Flórida, Trump considerou que a aquisição da Gronelândia é uma questão de “segurança nacional” e o seu filho, Donald Trump Jr., está no território. No entanto, o governo local já esclareceu que a visita é “pessoal” e que representantes da Gronelândia não se reunirão com ele.
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Na segunda-feira, na sua rede social Truth Social, Trump descreveu o território como um “sítio incrível”, acrescentando que os habitantes “irão beneficiar tremendamente se, e quando, se tornarem parte” dos EUA. “O acordo tem de acontecer”, terminou.
Parte da NATO (por pertencer à Dinamarca), a Gronelândia é casa de uma das maiores bases militares norte-americanas, a base de Pituffik, e tem um poder geopolítico forte, por fazer parte da rota mais curta entre a América do Norte e a Europa.
A ilha, cuja capital Nuuk é mais próxima de Nova Iorque que da capital dinamarquesa, Copenhaga, contém reservas de minerais, petróleo e gás natural, mas tem sido pouco explorada.
Um inquérito realizado em 2023 avançou que, das 34 matérias-primas consideradas críticas, 25 delas foram encontradas na Gronelândia, que incluem materiais como grafite e lítio e outros, usados para a produção de materiais tecnológicos, veículos elétricos e turbinas eólicas.
A extração de petróleo e gás natural é proibida por questões ambientais e o desenvolvimento do setor mineiro tem sido amplamente criticado pelos povos indígenas do território, os Inuit, que representam quase 90% da população de 58 mil pessoas da Gronelândia.
A economia da ilha é, assim, muito dependente da pesca, com o setor a ser responsável por 95% das exportações do território, e de subsídios anuais da Dinamarca, que cobrem cerca de metade do orçamento da Gronelândia por ano, de cerca de dois mil milhões de euros.
A ilha pertence aos dinamarqueses há mais de 600 anos, tornando-se formalmente um território da Dinamarca em 1953 e estando sujeita à constituição dinamarquesa - o que significa que, para qualquer alteração, seria necessário mudar o estatuto legal da Gronelândia, com uma emenda constitucional.
Desde 2009 que a Gronelândia tem um governo autónomo e que controla a grande maioria dos seus assuntos domésticos, podendo declarar independência da Dinamarca através de um referendo.
Este é um tema apoiado pelo atual primeiro-ministro, Mute Egede, que tem defendido que a ilha “não está à venda” e que deve ser o povo gronelandês a decidir o seu futuro. Egede discutiu o assunto esta quarta-feira com o rei Frederico X da Dinamarca.
Se a Gronelândia se tornar independente através de um referendo, pode ser mais fácil “tornar-se parte” dos Estados Unidos.
Isto porque, embora os gronelandeses queiram independência, também sabem que o território está economicamente dependente da Dinamarca, o que abre portas a possíveis acordo de associação com os EUA, como os que têm ilhas no Oceano Pacífico como a Micronésia, Palau ou as Ilhas Marshall.
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O interesse de Trump na ilha tem vindo a criar tensão entre a Gronelândia e a Dinamarca, depois de uma primeira proposta rejeitada em 2019, que foi considerada como “absurda” pela primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen.
Questionada sobre o renovado interesse do Presidente eleito dos Estados Unidos, a governante respondeu: “Precisamos de uma estreita cooperação com os norte-americanos.”
“Por outro lado, quero encorajar todos a respeitarem que os gronelandeses são um povo, o país é seu e apenas a Gronelândia pode determinar e definir o seu futuro”, acrescentou.
Para colocar água na fervura, esta quarta-feira falou o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, que disse que a ideia de Trump sobre a Gronelândia “obviamente não vai acontecer” e que “obviamente não é uma boa ideia”.
“A ideia expressa sobre a Gronelândia obviamente que não foi boa mas, talvez mais importante que isso, é que obviamente não vai acontecer, por isso não devíamos perder tempo a falar sobre isso”, indicou Blinken, em conferência de imprensa com o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Noel Barrot, em Paris.
Pelo menos foi disso que falou, também esta terça-feira, indicando que o país “protegeria o Canadá” ao torná-lo no 51.º estado norte-americano.
Recusando-se a falar em “força militar” neste caso, Trump indicou que o “poder económico” dos Estados Unidos poderia ajudar a eliminar a fronteira entre os dois países.
“Livramo-nos daquela linha artificial e damos uma vista de olhos ao que acontece e seria muito melhor para a segurança nacional. Basicamente protegemos o Canadá”, considerou. Durante a noite de terça-feira, Trump aproveitou ainda para publicar na Truth Social dois mapas: um mostra a bandeira norte-americana a cobrir os EUA e o Canadá e o segundo mostra os dois países com as palavras “Estados Unidos” por cima deles.
O presidente eleito dos EUA defende que o país está a “perder” 200 mil milhões de dólares por ano a “proteger o Canadá” e questiona o que aconteceria se este não fosse “subsidiado” pelos Estados Unidos: “O Canadá seria dissolvido”, concluiu.
“Nem existe a hipótese de uma bola de neve no inferno”, foi a resposta do primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, nas redes sociais, momentos depois das declarações de Trump.
“Trabalhadores e comunidades dos dois países beneficiam de cada um ser o maior parceiro financeiro e de segurança do outro”, acrescentou.
A ministra dos Negócios Estrangeiros, Melanie Joly, também lamentou os comentários de Trump, referindo que demonstra uma “profunda falta de entendimento do que torna o Canadá um país forte”.
A ministra é considerada um dos potenciais sucessores de Trudeau como chefe de governo do Canadá, depois de o atual primeiro-ministro ter anunciado a saída do cargo esta segunda-feira.
Outra das declarações polémicas do presidente eleito dos Estados Unidos foi a de renomear o Golfo do México, rodeado do continente norte-americano, para "Golfo da América".
"Vamos mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América, que tem um lindo anel. Cobre muito território e seria um lindo nome. E é apropriado", afirmou.
E a resposta do México chegou esta quarta-feira pela presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, com a ajuda de um mapa antigo, em que toda a América do Norte é nomeada de "América Mexicana".
"Soa bem", brincou, mostrando o mapa de 1607 com uma representação do continente.
A chefe de Estado mexicana criticou ainda outras declarações de Trump, como ter declarado que o México é "liderado por cartéis", ressalvando que os dois países têm uma "boa relação" e que Trump "tem a sua maneira de comunicar".
No caso do Canal do Panamá, há, desde logo, uma razão histórica: foi inaugurado em 1914 para ligar os oceanos Atlântico e Pacífico e foi administrado pelos Estados Unidos até ser devolvido ao Panamá a 31 de dezembro de 1999.
Desde essa altura, o Panamá melhorou as condições de tráfego por aquela via que, não é demais lembrar, é responsável pela circulação de 6% de todo o comércio à escala global. É aqui que entra a segunda razão para Donald Trump querer assumir o controlo do Canal do Panamá.
Em finais do ano passado, o Presidente eleito dos Estados Unidos já sinalizou esta possibilidade. Disse que vai exigir a devolução do Canal do Panamá à soberania norte-americana, se o Panamá mantiver as atuais tarifas de utilização daquela passagem entre o Atlântico e o Pacífico.
Trump acusa aquele país da América Central de cobrar taxas imorais às embarcações comerciais dos Estados Unidos, sugerindo o envolvimento chinês nesta estratégia.
O Panamá também já reagiu às declarações de Trump, com o ministro dos Negócios Estrangeiros a reiterar que "a soberania do canal não é negociável" e que o mesmo é "uma conquista irreversível" do país.
"As opiniões de Trump, de que falou em propostas em dinheiro, não são verdade. Nenhum tipo de oferta foi recebida", afirmou Javier Martínez-Acha.
O presidente do país, José Raúl Mulino, não reagiu ainda às declarações de Donald Trump.