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Cimeira da Inteligência Artificial

Inteligência Artificial discutida em Paris. Pode a UE casar inovação e regulação?

11 fev, 2025 - 06:00 • Salomé Esteves

De um lado, a União Europeia é acusada de manter uma cultura de medo e de suprimir a inovação. Do outro, é aplaudida por preservar os direitos humanos. Pode a UE competir com os Estados Unidos e a China, sem abrir mão dos regulamentos? Ao final do primeiro dia, Henna Virkkunen deu sinais de que é possível.

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Gigantes tecnológicos, líderes políticos, startups, ativistas, académicos, artistas. O que fazem mais de 1.500 pessoas em Paris, numa cimeira sobre inteligência artificial (IA)?

Se, por um lado, a indústria e a política estão reunidas para discutir a ética da Inteligência Artificial e o futuro do trabalho, por outro, o objetivo é a estabelecer a Europa como um dos motores de ação na IA. Sendo que ação é a palavra-chave.

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A Cimeira de Ação sobre Inteligência Artificial (AI Action Summit) está a decorrer no Grand Palais, em Paris, esta segunda e terça-feira, acolhida por Emmanuel Macron, Presidente de França, e Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia.

Logo nas primeiras horas do evento, Macron fazia notícia ao divulgar o maior investimento de sempre em inteligência artificial na União Europeia: 109 mil milhões de euros (50 dos quais vindos dos Emirados Árabes). Isto poucos dias depois – e na mesma proporção – do Stargate de Donald Trump, um programa de inteligência artificial com um financiamento de 500 mil milhões de euros.

Kelwin Fernandes é CEO da empresa portuguesa NILG.AI e foi convidado pelo Ministério francês da Europa e dos Negócios Estrangeiros a participar na cimeira. Para o especialista em IA, a conferência – e em especial a postura de Emmanuel Macron – foi uma lufada de ar fresco: “a conversa da IA na Europa era muito mais uma conversa de medo e de regulação. Mas o que eu vi no evento foi que a conversa, pelo menos a nível europeu, passou a ser muito mais otimista”.

Macron posicionou a França como o líder da IA na União Europeia e “em boa medida é. A única grande empresa de IA generativa é a Mistral, que é francesa” - que anunciou a abertura de um "data center" na região de Paris. Kelwin Fernandes espera que a posição do Presidente francês seja um sinal de alerta para a Europa – e para Portugal.

“Como é que conseguimos escalar as nossas empresas? Esse é que devia ser o nosso foco. E não as Amálias que queremos treinar.”

Três titãs políticos a regular – ou não - os gigantes tecnológicos

No século passado, a corrida ao espaço travou-se entre os Estados Unidos e a União Soviética, mas, desde o novo milénio, o sprint da Inteligência Artificial opõe os EUA, a China e a União Europeia. São três titãs políticos com três visões diferentes do papel da IA no mundo.

Em cerca de três anos, a americana Open AI – mãe do Chat GPT – abriu portas para que uma onda de ferramentas de inteligência artificial varresse o mundo inteiro. Desde 2022, os Estados Unidos lideravam uma corrida que, parecendo que não, já estava a decorrer há 70 anos.

Mas duas coisas aconteceram em janeiro deste ano que estão a redefinir o panorama da IA no mundo. Donald Trump tomou posse como Presidente dos Estados Unidos e assinou uma ordem executiva que a revogar regulação de inteligência artificial que entrou em vigor durante o mandato de Joe Biden. Do outro lado do mundo, apareceu o DeepSeek, baseado num modelo de dados abertos, mais barato, mas que levantou questões de segurança.

Entretanto, a União Europeia, a quem muitos apontam falta de fôlego, está a tentar aplicar o Regulamento para a Inteligência Artificial (AI Act). Este é um dos cerca de 100 regulamentos para o mundo digital da UE, que está a ser aplaudido e vaiado em partes iguais, dentro e fora do bloco dos 27.

Em três pontos do mundo e três posturas antagónicas, a grande discussão faz-se entre a necessidade de regulação e o poder, o progresso e a inovação. Podem estes dois polos coexistir ou, tal como Harry Potter e Lord Voldemort, “nenhum pode viver enquanto o outro sobreviver”?

Helena Rosário da Costa, membro do conselho consultivo especializado de Inteligência Artificial da Comissão Europeia (Expert AI Board), explica que “toda a gente concorda que se tem de desenvolver a inteligência artificial. Ponto”. Depois, continua, “há quem concorde que tem de ser completamente livre e sem quaisquer barreiras” e quem acredite que, quando a inteligência artificial “tem uma aplicação comercial, tem de ter um fundamento ético e tem de ser responsável”.

A diferença entre a União Europeia, de um lado, e os EUA e a China, do outro, é que a UE diz que “quando os direitos fundamentais são em risco, não vamos comercializar e não vamos permitir essa comercialização”, acrescenta a especialista em Inteligência Artificial.

Afinal, estes limites éticos são “muito importantes se queremos continuar aqui a privacidade, a garantir a segurança e ter confiança nos sistemas de inteligência artificial que estão que estão a ser utilizados na Europa”.

Este respeito pelos direitos fundamentais é o que a Amnistia Internacional pediu a líderes políticos e donos de grandes empresas na véspera da cimeira. Em comunicado, a organização insiste que os governos não devem ser influenciados pela “falsa dicotomia entre inovação vs. regulação repetida pelas empresas tecnológicas e pelos seus executivos para sufocar os esforços regulamentares centrados nos direitos humanos”.

Este apelo acontece depois de Emmanuel Macron ter comunicado aos jornalistas franceses que “a Europa dá-se a ela própria demasiadas regras” e que “não devemos ter medo da inovação”.

Contudo, Helena Rosário da Costa admite que a Europa, que tem “mais de 100 leis” que se aplicam ao mundo digital e “mais de 270 reguladores ativos”, “está a ficar para trás” na corrida da IA, mesmo quando comparada com os Emirados Árabes Unidos que acabaram de dar financiamento a França.

Para Kelwin Fernandes, o “ecossistema de regulamentos” ao Regulamento da Inteligência Artificial torna complexa a posição da União Europeia porque, explica, cria uma sensação de medo “antes de sermos pontas-de-lança nestas indústrias”.

Henna Virkkunen, vice-presidente executiva da Comissão Europeia para o Digital, acabou por dar razão a esta perspetiva da indústria durante o primeiro dia da cimeira. Admitindo que "agora temos demasiadas regras e que temos regulação que se sobrepõe". Mas não deixou de prometer que o Regulamento para a Inteligência Artificial será aplicado de "uma maneira amiga da inovação para ter a certeza que encorajamos investimento e inovação".

"No que diz respeito à IA, comprometo-me a aplicar (a regulamentação) de uma forma amiga da inovação, para garantir que estamos a incentivar os investimentos e as inovações."

Além do CERN, onde “toda a internet nasceu”, a União Europeia acaba por ter “muito pouca capacidade doméstica nesta área da inteligência artificial”. Para Helena Rosário da Costa, o grande problema é a “inexistência de um mercado único” que regule os produtos de inteligência artificial na UE.

Da segurança à ação

Esta é a terceira vez que líderes, CEOs e organizações se juntam para debater a Inteligência artificial. Mas, nas edições anteriores, o foco estava na segurança.

A primeira destas cimeiras decorreu em novembro de 2023, em Bletchley, no Reino Unido. Este evento deu origem à Declaração de Bletchley, tida como um esforço global para manter os vários usos de IA seguros para pessoas e países. A cimeira seguiu para Seul, na Coreia do Sul, em maio de 2024.

No final da cimeira, esta terça-feira, uma nova declaração global de valores comuns de inteligência artificial deve ser estabelecida. Até ao momento, de acordo com a BBC, tanto o Reino Unido como os Estados Unidos recusaram pronunciar-se sobre a eventual assinatura do documento.

No final da semana, as atenções voltam-se para o Festival de Cannes de Inteligência Artificial, que decorre de 13 a 15 de fevereiro. Kelwin Fernandes e a NILG.AI integram a comitiva que vai representar Portugal num evento onde se juntam empresas e especialistas de todo o mundo.

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