13 fev, 2025 - 19:30 • Ana Kotowicz
Se o cenário fosse um campo de futebol, a expressão usada seria "entrada a pés juntos". Sem avisar qualquer dos parceiros ocidentais, incluindo os aliados da NATO, o Presidente norte-americano falou diretamente com Vladimir Putin e ambos decidiram começar "imediatamente" a negociar a paz na Ucrânia. O problema? Tirando um telefonema de cortesia a Zelensky sobre o facto consumado — e que o Presidente ucraniano já apelidou de desagradável —, o resto do mundo, fossem líderes ou cidadãos anónimos, soube de tudo ao mesmo tempo.
Os Estados Unidos e a Rússia vão conversar, durante encontros bilaterais, e a Ucrânia pode esquecer a ambição de aderir à NATO ou recuperar alguns territórios ocupados.
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O primeiro soco no estômago foram as palavras do secretário da Defesa dos EUA. Na quarta-feira, Pete Hegseth deixou claro que a ideia norte-americana para um acordo de paz na Ucrânia está a anos-luz de distância das pretensões de Zelensky. Não só a ideia de a Ucrânia regressar às fronteiras pré-2014 (data da invasão russa da Crimeia) é "irrealista", como foi posta completamente de parte a possibilidade de aceitar a adesão da Ucrânia à NATO, que serviria como garantia de segurança para acabar com a guerra da Rússia.
O seu discurso sempre foi nesse sentido: a Ucrânia não abdica de nenhuma parte do seu território. Esta semana, na terça-feira, o Presidente ucraniano admitiu uma troca por troca. Kiev abdica das terras que Kiev conquistou na região russa de Kursk se a Rússia entregar as que ocupou na Ucrânia. Quais? “Não sei, veremos. Mas todos os nossos territórios são importantes, não há nenhuma prioridade”, disse então Zelensky.
Em janeiro, o ucraniano defendeu que a “paz é exequível”, mas só isso não chega. “Não queremos apenas que a guerra chegue ao fim, queremos ter a certeza de que a paz é exequível e que a Rússia não volta atrás”, disse em Varsóvia, ao lado do primeiro-ministro polaco.
Zelensky apontou três pontos importantes para pôr fim ao conflito: “garantias de segurança” da UE e da NATO e que, na prática, passam por assegurar que a adesão da Ucrânia avança nas duas organizações. Mas há mais. Zelensky quer ter o país equipado de forma robusta para que nenhum outro Estado volte a tentar uma invasão.
Na quarta-feira, sem qualquer aviso prévio aos parceiros ocidentais, o Presidente dos Estados Unidos anunciou que as negociações para a paz na Ucrânia vão começar “imediatamente”. Essa decisão foi tomada por Donald Trump e Vladimir Putin, num telefonema a dois. Depois de estar mais de uma hora a conversar com o Presidente russo, Trump ligou a Zelensky, num telefonema que serviu mais para informá-lo do que para consultá-lo sobre o assunto. “Não foi agradável”, disse Zelensky, já esta quinta-feira aos jornalistas.
Para já, cada um dos presidentes irá visitar o país do outro, mas não há datas marcadas no calendário. Antes disso, está prevista uma primeira reunião na Arábia Saudita e para a qual, pelo menos para já, Volodymyr Zelensky não está convidado. Segundo o Kremlin, poderá levar vários meses a organizar o encontro.
Não só confirma como aplaude. Pela voz de Dmitry Peskov, o Kremlin fez saber que está “impressionado” com a administração Trump e com a sua vontade de resolver a guerra na Ucrânia. Além disso, o porta-voz do Presidente russo reforçou a ideia de que há conversas que são para ter a dois. “Claro” que a Ucrânia estará envolvida nas negociações, mas, esclareceu Peskov, há uma parte das negociações que serão apenas entre as duas superpotências. "Haverá um diálogo bilateral russo-americano e um diálogo relacionado ao envolvimento da Ucrânia."
Guerra na Ucrânia
Putin "quer fazer de tudo para tornar as negociaçõ(...)
Tudo está ainda no plano da teoria, e nem Donald Trump nem Vladimir Putin têm percursos políticos previsíveis. O que se sabe é que o Presidente dos EUA revelou, na segunda-feira, que quer explorar as terras-raras ucranianas (conjunto de metais com propriedades magnéticas e electroquímicas) em troca do apoio ao país.
"Quero o nosso dinheiro garantido. Disse-lhes que queria o equivalente a, digamos, 500 mil milhões de dólares por terras-raras, e eles basicamente concordaram em fazer isso, para que pelo menos não nos sintamos estúpidos. Caso contrário, somos estúpidos. Eu disse-lhes: temos de conseguir alguma coisa. Não podemos continuar a pagar este dinheiro", afirmou Trump a 11 de fevereiro.
A resposta da Ucrânia foi de que “está disponível para trabalhar com os parceiros, em primeiro lugar com os Estados Unidos”.
Presidentes dos EUA e da Rússia tencionam encontra(...)
Esta quinta-feira, Zelensky falou mais do que uma vez ao longo do dia. Primeiro, disse que não assina um acordo em que não seja ouvido e, mais tarde, pediu aos aliados que tenham cuidado com o que diz Putin.
O ucraniano, que também exige que a União Europeia faça parte das negociações, disse ser "importante que nem tudo saia conforme o plano" de Putin. E os planos do russo passam, na sua opinião, por manter reuniões a dois — e apenas a dois — com Donald Trump. "Ele quer fazer de tudo para tornar as negociações bilaterais."
Mais tarde, voltou a falar de Putin e pediu aos líderes mundiais para não confiarem "nas alegações de que está pronto para acabar com a guerra”.
Na rede social X, Zelensky anunciou alguns detalhes das conversas que teve com aliados e que passam por ter a UE envolvida nas negociações e a garantia de adesão à NATO. “Para a segurança da Ucrânia e de toda a Europa, é crucial que a Europa seja uma participante plena em quaisquer negociações para acabar com a guerra”, escreveu. “Nenhuma negociação com Putin pode começar sem uma posição unida da Ucrânia, Europa e EUA”, defendeu num outro post.
Além disso, acredita que “um cessar-fogo sem fortes garantias de segurança não trará paz duradoura e justa”, sendo necessário que os EUA sejam subscritores dessas garantias. A Ucrânia “deve negociar de uma posição de força, com garantias de segurança fortes e confiáveis” e a filiação à NATO faz parte delas.
Outra garantia fundamental “é o investimento sério na indústria de defesa da Ucrânia”.
“Qualquer solução rápida é um acordo sujo.” Sem poupar nas palavras, a chefe da diplomacia da União Europeia criticou a forma como Trump geriu o potencial acordo. "Está claro que qualquer acordo que seja feito nas nossas costas não irá funcionar. Qualquer acordo precisa que a Ucrânia e a Europa façam parte dele", defendeu Kaja Kallas, à entrada para a reunião da NATO desta quinta-feira.
E deixou algumas perguntas no ar: “Por que é que estamos a dar à Rússia tudo o que eles querem antes mesmo das negociações começarem?", questionou a política estónia. "É apaziguamento. Nunca funcionou", disse Kallas, numa referência à política de apaziguamento, usada quando um Estado se limita a aceitar as imposições de outro, sem qualquer tipo de negociação ou luta.
Vários líderes contestaram a forma como o assunto está a ser tratado por Trump e Putin, com um comunicado conjunto a ser divulgado, logo na quarta-feira, assinado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros de França, Alemanha, Reino Unido, Polónia, Itália, Espanha e da Ucrânia, e pela Comissão Europeia.
“Os nossos objetivos comuns devem consistir em pôr a Ucrânia numa posição de força. A Ucrânia e a Europa devem fazer parte de quaisquer negociações. A Ucrânia deve ser dotada de fortes garantias de segurança. Uma paz justa e duradoura na Ucrânia é uma condição necessária para uma forte segurança transatlântica.”
A posição oficial é de que Putin “não pode capturar nem mais um quilómetro quadrado da Ucrânia no futuro” e cabe à NATO garantir esse cenário. Mark Rutte disse-o em Bruxelas, antes do arranque da reunião da Aliança Atlântica. No final, veio reafirmar que os aliados estão ao lado da Ucrânia.
O secretário-geral da NATO disse mesmo que há uma convergência entre os aliados de que "a paz deve voltar à Ucrânia em breve". Resta saber se os Estados Unidos alinham nesta visão.