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Segunda Guerra Mundial

Dresden assinala 80 anos do bombardeamento mais devastador na Alemanha nazi

13 fev, 2025 - 09:00 • João Malheiro

Entre 25 mil a 35 mil pessoas morreram e um enorme património cultural foi arrasado pelas forças britânicas e norte-americanas. A professora Maria Fernanda Rollo da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da NOVA de Lisboa ajuda a Renascença a recordar um dos episódios "mais críticos e controversos" da Segunda Guerra Mundial.

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Faltavam cerca de dez minutos para as 22h00 de 13 de fevereiro de 1945 quando se começaram a ouvir sirenes em Dresden. Era o alarme que indicava que forças dos Aliados preparavam-se para bombardear a cidade.

Numa altura em que os ventos da Segunda Guerra Mundial já tinham mudado desfavoravelmente para a Alemanha Nazi e as forças ocidentais e o exército soviético estavam próximos de levar o Terceiro Reich à rendição, o bombardeamento de cidades alemãs era recorrente. No entanto, quando as primeiras bombas caíram sobre Dresden, já pelas 22h13 locais, deu-se início a três dias destrutivos e infames que, 80 anos depois, ainda provocam controvérsia entre especialistas, ativistas e políticos.

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Entre 13 e 15 de fevereiro de 2024, 772 bombardeiros britânicos e 527 norte-americanos deixaram cair sobre a cidade mais de quatro mil toneladas de bombas, arrasando mais de 6.5 quilómetros quadrados do centro de Dresden. Os números mais consensuais apontam para um número de vítimas mortais situado entre os 25 mil e os 35 mil. Infraestruturas essenciais, habitações e edifícios históricos foram totalmente arrasados pelos ataques dos Aliados.

À Renascença, a professora Maria Fernanda Rollo, do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade NOVA de Lisboa, explica que Dresden "era uma cidade particular" e um "importante centro cultural" que tinha vários edifícios da matriz barroca e renascentista. Por outro lado, "era um epicentro estratégico" de linhas de caminho de ferro que lhe dava "um aspeto relevante no contexto de guerra". Foi este aspeto que a tornou um alvo militar para os Aliados e levou a que a cidade fosse alvo de "um dos bombardeamentos mais violentos e polémicos" da fase final da Segunda Guerra Mundial.

"Na estratégia da ofensiva aérea Aliada há uma preocupação de aceleração do final da Guerra e colapsar o regime Nazi. Era uma política de destruição de infraestruturas e desorganização do que sobrasse da logística alemã", enquadra.

A cronologia dos acontecimentos

O bombardeamento arrancou, então, pelas 22h13 de 13 de fevereiro de 1945 e foi, de imediato, "muito pesado", realça Maria Fernanda Rollo. Cerca de 250 bombardeiros britânicos deslocaram-se para fazer cair bombas incendiárias e altamente explosivas sobre Dresden.

"A ideia não era só bombardear, mas também provocar um incêndio grande para levar a cabo essa destruição", refere a especialista.

Já na madrugada de 14 de fevereiro, decorre outro ataque em que mais de 500 bombardeiros sobrevoaram a cidade, fazendo cair cerca de 1.800 toneladas de bombas. Durante a manhã e a tarde do mesmo dia, chega a vez de, sobretudo, bombardeiros norte-americanos entrarem em ação, com o objetivo de acertar em alvos militares e industriais.

No dia 15 de fevereiro, um último grupo de bombardeiros ataca Dresden pela última vez. Os subúrbios do sudeste de Dresden sofreram a maior parte da destruição desse dia, por volta do meio-dia.

"O efeito foi devastador. Além da destruição massiva, o objetivo de criar uma onda de fogo e fumo, acabou por dar este ar ainda mais catastrófico a Dresden que foi, de facto, uma coisa horrível", avalia a professora do Departamento de História da FCSH.

A "brutalidade" do bombardeamento

Para lá dos residentes de Dresden, entre 100 mil a 200 mil refugiados que tentavam escapar ao avanço das forças soviéticas, do lado oriental do conflito, encontravam-se na cidade. Apesar de nunca se ter sido capaz de estabelecer uma distinção entre as vítimas, acredita-se que muitas vítimas mortais dos bombardeamentos eram pessoas que tinham visto Dresden como um abrigo da guerra e tentavam usar as ligações ferroviárias da cidade para viajar para outros locais.

Muitas pessoas morreram devido ao impacto explosivo das bombas ou esmagadas pelos escombros da cidade. Contudo, a maioria das vítimas mortais terá mesmo sufocado, devido ao fumo das chamas. Hoje, os números da mortalidade apontam que uma boa parte das vítimas eram civis.

Os bombardeamentos não tiveram atenção ao património cultural de Dresden e vários edifícios históricos foram arrasados. A Ópera de Dresden, palácios e outras infraestruturas, muitas delas do estilo barroco, como o caso da igreja "Frauenkirche" ficaram irreconhecíveis depois dos bombardeamentos.

"A este nível, seria uma resposta dos Aliados às destruições massivas que eram feitas a algumas cidades, ignorando também o seu património. Como foi o caso de Londres", aponta Maria Fernanda Rollo.

Dresden teve, assim, devido ao grande número de mortes civis e a ruína cultural, um papel importante em "aniquilar a moral alemã", explica a especialista. O bombardeamento da cidade é um exemplo da "brutalidade inusitada e a fragilidade das populações civis", durante a Segunda Guerra Mundial.

Polémica permanente

Imediatamente após o ataque a Dresden, a Alemanha Nazi usou os seus meios de propaganda para inflacionar o número de vítimas mortais, alegando que mais de 200 mil pessoas teriam morrido - as estatísticas oficiais apontam que estes dados são uma mentira. Atualmente, grupos de extrema-direita, que tentam branquear as atrocidades do Terceiro Reich, comparam o que aconteceu em Dresden a um holocausto.

Não obstante, há mesmo um debate legítimo e permanente entre historiadores, ativistas e políticos sobre como classificar as ações dos Aliados. Maria Fernanda Rollo indica que "a desproporcionalidade da área do bombardeamento e a necessidade militar" são alvo de discussão que está longe de estar resolvida. O próprio Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial, pediu uma mudança no planeamento de ataques da Força Aérea britânica, considerando Dresden "um argumento válido contra os métodos dos Aliados".

A professora do Departamento de História da FCSH sente que "a controvérsia vai continuar" e Dresden vai continuar a ser "um centro de memória desse bombardeamento, uma manifestação pela paz, mas também espaço de aproveitamento propagandístico de movimentos revisionistas".

Apesar de ser, no seu entender, um dos episódios "mais críticos e controversos" da Segunda Guerra Mundial, a especialista rejeita quem defenda que o bombardeamento de Dresden tenha sido um "crime de guerra". Havia um "enorme desgaste e uma vontade de pôr termo" à guerra e Maria Fernanda Rollo duvida que as forças britânicas e norte-americanas pudessem ter um distanciamento maior na forma como abordaram a destruição da cidade, depois de "todos os horrores perpetrados pelos nazis".

Hoje, Dresden está reconstruída, porém o processo foi longo. Só depois da queda do muro de Berlim e da reunificação da Alemanha é que muitas infraestruturas foram reconstruídas, algumas de forma a tentar emular o estilo arquitetónico original. É o caso da igreja Frauenkirche, ainda hoje um dos símbolos da destruição e recuperação da cidade.

A Ópera de Dresden também foi restaurada e esta quinta-feira vai receber o concerto "Requiem" do compositor Daniele Gatti para assinalar os 80 anos do bombardeamento.

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