19 fev, 2025 - 07:30 • Diogo Camilo
O presidente argentino, Javier Milei, vai ser investigado pelo seu papel na promoção e divulgação de uma criptomoeda antes desta entrar em colapso. A polémica levou a oposição na Argentina a pedir a destituição do chefe de Estado e assemelha-se à situação que viveu Trump, depois de lançar a sua própria criptomoeda três dias antes de assumir a presidência dos Estados Unidos, apenas para vê-la em queda duas semanas depois.
Neste caso, a ascensão - e a queda - foram bem mais rápidas. Em causa está uma publicação de Milei na rede social X, onde fala aos seus 3,8 milhões de seguidores da $LIBRA, uma nova criptomoeda. Em poucas horas, o criptoativo disparou de valor para mais de 4 mil milhões de euros, mas a queda foi rápida: no final do dia, já tinha caído 95% para quase zero.
A presidência da Argentina já veio esclarecer que Milei não esteve envolvido no desenvolvimento da criptomoeda e que a publicação foi removida para evitar especulação e limitar a exposição ao tema, depois da reação pública ao lançamento do projeto.
Em entrevista, esta segunda-feira, Javier Milei garantiu que não promoveu a criptomoeda, apenas "espalhou a palavra" e que não cometeu nenhum erro, já que agiu de "boa fé".
A publicação no meio disto tudo aconteceu às 16h01 da passada sexta-feira, quando Milei usou a sua conta pessoal no X para promover o lançamento de uma nova criptomoeda, a $LIBRA.
“A Argentina Liberal está a crescer!! Este projeto privado vai estar dedicado a incentivar o crescimento da economia argentina, ao financiar pequenos negócios argentinos. O mundo quer investir na Argentina”, escreveu o chefe de Estado, que incluiu na publicação um link para o projeto em questão, o “Viva La Libertad”, em referência ao slogan com que encerra todos os discursos.
Rapidamente após a publicação, a cotação da criptomoeda disparou. Meia hora depois, o pico ficou-se pelos 4,2 mil milhões de euros de valorização da $LIBRA, antes de colapsar nas horas seguintes.
Às 1h00 da madrugada, Milei retirou a sua publicação e deixou uma nova mensagem no X, antigo Twitter.
"Há algumas horas publiquei um tweet, como tantas outras inúmeras vezes, a apoiar um suposto projeto privado com o qual obviamente não tenho ligação. Não conhecia os detalhes do projeto e após me colocar a par, decidi não continuar a divulgar (daí ter apagado o tweet)", escreveu. O mal, no entanto, já estava feito.
Segundo a empresa Bubblemaps, especializada em dados de blockchain, cerca de 80% da criptomoeda $LIBRA era detido por poucos investidores - nas primeiras três horas foram movimentadas apenas 83,6 milhões de euros.
Com o anúncio de Milei, os detentores originais da criptomoeda começaram a vendê-la, num esquema conhecido por "rug pull", que acontece quando um ativo tem uma grande valorização, seguido de uma grande perda.
Logo no sábado, o Unión por la Patria, de centro-esquerda, anunciou que esta segunda-feira apresentaria um pedido de destituição contra Javier Milei, com a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner, que agora está na oposição, a chamá-lo de "golpista de criptomoedas".
"A partir da conta oficial de X, promoveu uma criptomoeda privada, criada sabe-se lá por quem, inflacionou o seu valor usando o seu cargo presidencial e milhares de pessoas confiaram nele. Numa questão de horas, perderam milhões, enquanto alguns (aposto que eram todos libertários) fizeram fortuna com informações privilegiadas", apontou a ex-chefe de Estado argentina.
O partido considera este um "escândalo sem precedentes" e a eles juntou-se o Partido Socialista, que diz que Milei "não se pode autoinvestigar".
"Apresentamos um pedido de juízo político para que Javier Milei seja chamado de urgência ao Parlamento", refere o deputado socialista Esteban Paulon nas redes sociais.
No domingo, entrou em tribunal uma queixa de fraude contra Javier Milei por promoção de criptomoeda, com o advogado Jonatan Baldiviezo a indicar à Associated Press que vê "um número indeterminado de fraudes" nas ações de Milei, considerando as ações do presidente "essenciais" para o caso.
A justiça federal argentina já se pronunciou sobre o caso, tendo nomeado esta segunda-feira a juíza María Servini para o caso, para apurar se Milei cometeu associação criminosa, fraude e violação dos deveres de funcionário público, entre outros crimes.
Depois de estalar o verniz, Milei deu uma entrevista esta segunda-feira à TN, canal televisivo argentino, no qual garante que não promoveu a criptomoeda, apenas "espalhou a palavra" e que não cometeu nenhum erro, já que agiu de "boa fé".
"Quando olho para a repercussão política, posso dizer: 'tenho algo a aprender'. Tenho a aprender que assumi a presidência e que continuei a ser o Javier Milei de sempre. Lamentavelmente, o que isto me mostra é que não pode ser tão fácil chegar a mim."
E pede ainda que se investigue toda a gente, incluindo ele próprio, através da Unidade de Investigação por ele criada, para este efeito e do Gabinete de Anticorrupção, criado também por Milei. "Que se investiguem todos, incluindo eu mesmo. Se alguém levou algo, não me cabe a mim dizer. É por isso que criámos uma unidade de investigação", indicou.
Quanto aos pedidos de destituição, Milei mostra-se firme e aproveitou para criticar exemplos passados: "Não tenho medo de ser destituído. O verdadeiro esquema Ponzi da Argentina levou 60% da população à pobreza. Com a economia a crescer e a inflação a 1%, eles sabem que não podem vencer. Falam de fraude, mas a maior fraude foi o kirchnerismo", atirou o presidente argentino, que diz que a "espuma vai cair e as provas vão ficar claras".
"Se a justiça assim decidir, a guilhotina vai funcionar", acrescentou.