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EUA

Tarifas, Putin e palhinhas. Como foi o primeiro mês frenético de Trump na Casa Branca?

20 fev, 2025 - 06:00 • Diogo Camilo

Um Golfo do México que mudou de nome, um plano para transformar a Faixa de Gaza na "Riviera do Médio Oriente" e saídas do Acordo de Paris, da Organização Mundial da Saúde e do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Foram apenas 31 dias, mas foram muitas as ordens executivas assinadas pelo presidente norte-americano na sua segunda passagem pela Casa Branca. E nem as palhinhas de papel ficaram a salvo.

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Passou apenas um mês do segundo mandato de Donald Trump na Casa Branca, mas as marcas do novo presidente dos EUA são já visíveis. Neste espaço de tempo, os Estados Unidos voltaram a sair do Acordo de Paris, abriram guerra a vizinhos e potências europeias e China com tarifas alfandegárias, iniciaram negociações com a Rússia pela primeira vez desde o início da guerra na Ucrânia e avançaram com deportações de imigrantes ilegais no país e um plano para transferir palestinianos da Faixa de Gaza.

Ao mesmo tempo, Trump abriu guerra às palhinhas de papel, renomeou o Golfo do México, atrasou a proibição da rede social Tik Tok no país, perdoou invasores do ataque ao Capitólio de 2021, iniciou uma ronda de despedimentos nos vários serviços norte-americanos, desde o FBI a cientistas, e culpou os critério de inclusão no controlo de tráfego aéreo por uma colisão entre um helicóptero militar e um avião em Washington.

Durante o seu discurso de tomada de posse, a 20 de janeiro, o presidente norte-americano prometeu começar uma “era dourada da América” e disse que foi “salvo por Deus para tornar a América grande novamente”.

"A era dourada da América começa agora". Veja o primeiro discurso de Trump
"A era dourada da América começa agora". Veja o primeiro discurso de Trump

E começou logo a anunciar ordens executivas que assinaria nesse mesmo dia: entre elas a declaração de “emergência nacional” na fronteira com o México, o fim do “Green New Deal” (pacote de apoio ao investimento em energias renováveis) e a criação de um Serviço de Receitas Externas, para cobrar todas as tarifas que se seguiram depois disso.

Vamos recapitular tudo o que Trump disse e fez, nos mais variados temas, ao longo do último mês.

Guerra na Ucrânia. Zelensky "ditador" e Putin

Depois de três semanas tranquilas sem menções ao tema da guerra na Ucrânia, o New York Times anunciou a 9 de fevereiro que Donald Trump já tinha falado com Vladimir Putin, o presidente russo, para negociar o fim da guerra em território ucraniano. No entanto, o Kremlin não confirmou - nem desmentiu - a chamada.

A conversa finalmente aconteceu três dias depois, com Trump a indicar que as negociações para tentar acabar com a guerra na Ucrânia vão começar "imediatamente". "Acabei de ter um telefonema longo e altamente produtivo com o Presidente Vladimir Putin, da Rússia", anunciou nas redes sociais.

Depois do telefonema, o presidente norte-americano ligou a Zelensky, que disse que na chamada foram discutidas oportunidades de alcançar a paz".

Trump anunciou vários encontros para tempos futuros, incluindo encontros entre ele mesmo e Putin, e que o primeiro ocorreria na Arábia Saudita. Aconteceu, mas sem a presença dos chefes de Estado. Do lado norte-americano esteve o secretário de Estado, Marco Rubio, enquanto que do lado russo a principal figura foi Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros russo.

Na reunião em Riade, que correu "bem", o representante dos EUA indicou que "um telefonema seguido de uma reunião não é suficiente para estabelecer uma paz duradoura". Mas Zelensky não gostou e, em visita à Turquia, afirmou que EUA e Rússia "não podem negociar nas costas" da Ucrânia.

Os últimos dias têm sido, por isso, quentes na relação entre Donald Trump e o presidente ucraniano. Na terça-feira, Trump disse que a Ucrânia "podia ter feito um acordo" com a Rússia e deu a entender que foi o país que começou a guerra.

Já esta quarta-feira, Trump chamou a Zelensky "ditador sem eleições" e avisou que "tem de agir rápido ou não terá mais um país para governar".

Guerra no Médio Oriente. Transferir palestinianos e criar uma "Riviera do Médio Oriente"

A bordo do avião presidencial, a caminho de Miami e com menos de uma semana como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump anunciou os seus planos para reconstruir a Faixa de Gaza, defendendo a transferência temporária de milhão e meio de palestinianos para o Egipto e Jordânia, adiantando que mencionou este mesmo plano com o rei Abdullah II da Jordânia e que falaria nesse mesmo dia, 26 de janeiro, com o Presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sissi.

Depois de negas da Jordânia e Egito, Trump apresentou o verdeiro projeto para Gaza: torná-la na "Riviera do Médio Oriente", um plano que só foi aplaudido por Israel e recebeu críticas de todos os países europeus.

Riviera em Gaza? "É uma visão que demonstra lógica transacionista de Donald Trump"
Riviera em Gaza? "É uma visão que demonstra lógica transacionista de Donald Trump"

Numa entrevista, divulgada antes do SuperBowl, Trump afirmou à Fox News que palestinianos "não teriam" direito a voltar à Faixa de Gaza depois de serem transferidos, "porque terão alojamentos muito melhores".

No dia seguinte, e depois do Hamas ter abortado as intenções de libertar três reféns israelitas na semana passada, o presidente norte-americano lançou um ultimato, afirmando na Sala Oval que, se o Hamas não libertasse todos os reféns até àquele sábado, o "inferno" caíria sobre Gaza. O grupo palestiniano acabou por libertar os três reféns que tinha prometido libertar, Israel libertou os presos palestinianos que estavam acordados em troca e não aconteceram mais trocas de reféns - nem ameaças ou ações de Trump sobre o tema.

Imigração e Deportações. Enviar migrantes para Guantanamo e uma reprimenda do Papa

O ataque à imigração começou logo no primeiro dia, quando Trump assinou ordens executivas para declarar uma "emergência nacional" na fronteira com o México, tornando suspensas todas as entradas ilegais e iniciando um processo para deportar milhões de pessoas para os seus países de origem.

As deportações começaram quatro dias depois, com recursos a aviões militares, com o México a indicar que, até ao final do mês de janeiro, tinha recebido mais de seis mil imigrantes deportados, incluindo mais de 1.300 de outros países. Na primeira semana foram detidos pelo menos 2.382 imigrantes ilegais.

A crise de imigrantes levou a um reparo do Papa , que a 11 de fevereiro, numa carta a bispos da Conferência Episcopal dos EUA, em que denunciou o programa de deportação em massa, pedindo "uma política que regule a migração ordenada e legal”, mas sem "ocorrer por meio do privilégio de alguns e do sacrifício de outros". Francisco pediu ainda que não se ceda a "narrativas que discriminam e causam sofrimento desnecessário" a imigrantes e refugiados.

Em resposta, o conselheiro de Trump, Tom Homan, pediu ao Papa que "se concentre na Igreja Católica" e deixasse os EUA tratar das suas fronteiras. "Ele [o Papa] quer atacar-nos porque nós protegemos as nossas fronteiras? Ele tem um muro à volta do Vaticano, não tem?", afirmou.

Tarifa para aqui, sanção para ali

Sentindo que os Estados Unidos são injustiçados no comércio internacional, Donald Trump abriu guerra aos vizinhos México e Canadá e à super-potência China no último dia de janeiro. Se as taxas aduaneiras de 25% ao México e Canadá acabaram por ser suspensas - pelo menos por um mês -, a tarifa à China de 10% nas importações norte-americanas avançou mesmo e foi retribuída com a aplicação de taxas de 15% sobre o carvão e o gás natural e de 10% sobre o petróleo e o equipamento agrícola provenientes dos Estados Unidos.

Nos dias seguintes, Trump ameaçou a União Europeia - e Portugal -, mas nunca chegou a avançar com tarifas, preferindo outros alvos. A 10 de fevereiro e aproveitando o avião presidencial que o transportava até à final da liga de futebol americano, Donald Trump anunciou tarifas de 25% em todas as importações de aço e alumínio.

A última semana terminou com o anúncio de tarifas recíprocas, com Trump a assinar um memorando para que seja estudado quanto cada país cobra de impostos aos Estados Unidos e a apontar o dedo à União Europeia e ao IVA, considerando-o “mais sancionatório do que qualquer tarifa”.

Esta terça-feira, Trump voltou a atacar e desta vez o alvo foi o setor automóvel, que a partir de 2 de abril passarão a ter uma taxa aduaneira "a rondar os 25%" nas exportações para os Estados Unidos. Na mira está também a indústria farmacêutica e a indústria dos semicondutores, que poderão conhecer tarifas a partir de abril.

Golfo do México, restrições dos direitos LGBT e palhinhas de plástico

Entre as ações de Trump estão também medidas polémicas e inusitadas. A Gronelândia é uma história antiga: no seu anterior mandato, Trump fez uma proposta para comprar a ilha dinamarquesa, que a primeira-ministra Mette Frederiksen considerou na altura "absurda".

Desta vez, as intenções foram anunciadas ainda antes da tomada de posse, numa conferência de imprensa em Mar-a-Lago, na Flórida, na qual considerou que a anexação do território seria uma matéria de "segurança nacional". Cinco dias depois de tomar posse, a 25 de janeiro, o Financial Times avançou que Trump tinha tido uma "conversa acalorada" de 45 minutos com Frederiksen por telefone sobre o tema.

Outra das batalhas anunciadas por Trump foi a de nomear o Golfo do México como "Golfo da América". A ordem para mudar a designação no Sistema de Nomes Geográficos dos EUA surgiu logo no dia em que tomou posse, a 20 de janeiro, e veio alterar o nome do golfo para quem acede à página do Google Maps ou dispositivos da Apple a partir dos Estados Unidos.

Além do Golfo do México, foi também alterado o nome do pico Denali, no Alasca, para Monte McKinley.

A mudança levou até a que um jornalista da Associated Press não pudesse entrar na Sala Oval da Casa Branca esta semana, exigindo que a agência noticiosa comece a designar o Golfo do México por Golfo da América.

A 30 de janeiro, e perante uma colisão entre um helicóptero militar e um avião de passageiros em Washington, no qual morreram 67 pessoas, Donald Trump realizou uma conferência de imprensa poucas horas depois do desastre para culpar as políticas de inclusão e diversidade no controlo de tráfego aéreo.

"A FAA [Administração Federal de Aviação dos EUA] está a recrutar trabalhadores com deficiências intelectuais graves, problemas psiquiátricos e outras condições mentais e físicas sob uma iniciativa de contratação de diversidade e inclusão”, alegou Trump, que acrescentou que a posição de controlador de tráfego aéreo precisa de “génios naturalmente talentosos”.

Uma semana depois, a 5 de fevereiro, assinou uma ordem executiva para proibir mulheres transgénero de participarem em competições desportivas femininas, alterando as definições de sexo com base no género atribuído à nascença.

As novas orientações definem uma mulher como uma "pessoa do sexo caracterizado pelo sistema reprodutivo com a função biológica de produzir óvulos", enquanto a de homem é "pessoa com o sexo caracterizado pelo sistema reprodutor com a função de produzir espermatozóides" e que as mesmas noções são "determinadas geneticamente na conceção (fertilização) e observáveis após nascimento".

“A guerra contra o desporto feminino acabou”: Trump proíbe mulheres transgénero de competir em desportos femininos
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Na segunda-feira da semana passada, Donald Trump assinou uma ordem executiva para o regresso das palhinhas de plástico, aproveitando para dizer que as de papel "não funcionam" e às vezes "explodem".

"Não creio que o plástico afete muito os tubarões que estão a mastigar no oceano", disse, durante o anúncio na Casa Branca.

"Não vão incomodar nenhum tubarão". Trump aprova o regresso das palhinhas de plástico
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Saída do Acordo de Paris, da OMS e de órgãos da ONU

Uma das primeiras ordens de Trump no dia de tomada de posse - e uma das com maior impacto - foi a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. A ordem foi acompanhada de uma carta para a ONU, indicando que os EUA iriam abandonar o acordo climático para a redução de emissões de gases com efeito de estufa e limitação do aquecimento do planeta a 1,5 graus Celsius.

No dia seguinte, Trump anunciou que iria perdoar 1.500 pessoas envolvidas no ataque ao Capitólio, de 6 de janeiro de 2021.

O presidente deu ainda ordem, no início de fevereiro, para que os Estados Unidos suspendam o financiamento à agência da ONU para os refugiados palestinianos, a UNRWA, além de retirar os Estados Unidos do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Saiba as principais medidas das cerca de 100 ordens executivas assinadas por Trump
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A 6 de fevereiro, Donald Trump assinou uma ordem executiva a sancionar o Tribunal Penal Internacional, com o presidente norte-americano a acusar o órgão de "ações ilegítimas e infundadas que visam os Estados Unidos e o nosso aliado próximo, Israel".

No mesmo dia, a Reuters escreveu que Trump está a equacionar um plano para reformar a Organização Mundial da Saúde (OMS) em que quem assumia o controlo seriam os Estados Unidos da América, depois do país ter anunciado a saída da organização no início do mandato.

Pelo meio, Trump anunciou a suspensão da proibição do TikTok nos EUA por 75 dias, dando mais tempo para decidir se a rede social chinesa vai ser vendida ou encerrada nos EUA. E a 4 de fevereiro, o próprio Trump assinou uma ordem executiva para a criação de um fundo soberano com o objetivo de comprar a rede social.

"Vamos fazer algo, talvez com o TikTok, talvez não", disse Trump aos jornalistas. "Se conseguirmos o acordo certo, faremos. Caso contrário, não faremos... talvez coloquemos isso no fundo soberano."

Outro investimento avultado é o do projeto Stargate, anunciado logo no segundo dia de mandato. São 500 mil milhões de dólares (481 mil milhões de euros) no desenvolvimento de inteligência artificial (AI), no qual estão envolvidas as empresas OpenAI, SoftBank e Oracle. Os três grupos privados vão avançar com 100 mil milhões de dólares inicialmente, até um total de 500 mil milhões nos próximos quatro anos.

Elon Musk, o conselheiro

O homem mais rico do mundo intrometeu-se na política norte-americana ainda durante a campanha eleitoral, quando anunciou apoio - financeiro e moral - a Donald Trump. Retribuindo o favor depois de vencer as eleições de novembro, o novo presidente dos Estados Unidos anunciou uma semana depois que iria nomear Elon Musk como chefe do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), a 13 de novembro.

O projeto passa por cortar 2 biliões de despesas governamentais dos Estados Unidos, com o próprio Musk a anunciar que o país “irá à falência” se não fizer estes cortes.

Sem aparecer muito nas primeiras semanas de governação de Trump, Musk surgiu com o seu filho na Sala Oval da Casa Branca para ver o presidente norte-americano assinar uma ordem que continuará a reduzir a força de trabalho federal.

Em momento inédito na Casa Branca, Elon Musk assume que vai dizer "coisas incorretas"
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Nas últimas semanas, foi decretada a suspensão de milhares de trabalhadores da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que acabou bloqueada por um juiz, com o propósito de deixar a sua gestão nas mãos de Musk. Entre as queixas de Trump estava que a agência se preparava para gastar "50 milhões de dólares dos contribuintes para financiar preservativos em Gaza".

A 8 de fevereiro, foi também bloqueado o acesso do departamento de Elon Musk aos registos do Tesouro que contêm dados pessoais sensíveis, como a Segurança Social e números de contas bancárias de milhões de norte-americanos.

Em esclarecimentos esta semana, o gabinete da administração Trump esclareceu que o DOGE "está separado do Gabinete da Casa Branca" e que Musk é "funcionário do Gabinete da Casa Branca, não é funcionário do DOGE".

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