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Trump silenciou a Voz da América. Jornalistas despedidos e em "risco de deportação"

25 mar, 2025 - 08:30 • Fábio Monteiro

Emissora foi fundada em 1942 para combater a propaganda nazi. Profissionais temem que agora se torne “numa máquina de propaganda daquelas que são as políticas de Donald Trump e da Casa Branca”. A Renascença conversou com três funcionários da VOA, que trabalham em diferentes pontos do mundo, afetados pelos cortes.

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A administração Trump cortou, de forma significativa, o financiamento de várias emissoras apoiadas e/ou geridas pela Agência dos EUA para os Meios de Comunicação Global (USAGM).

Uma das principais afetadas é a histórica rádio Voz da América (VOA), fundada em 1942 para combater a propaganda nazi. Cerca de 1.300 funcionários foram despedidos. E muitos mais podem ainda perder o emprego.

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A Renascença conversou com três funcionários da VOA, que trabalham em diferentes pontos do mundo, afetados pelos cortes e despedimentos.

A notícia chegou ao escritório de Washington, num sábado de manhã, via comunicado da Casa Branca. E não foi uma total surpresa – afinal, Elon Musk, líder do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), já havia feito circular a ideia.

O comunicado da Casa Branca indicava que o financiamento da USAGM ia ser “reduzido ao mínimo”. Poucas horas depois, “todos os funcionários a USAGM e da VOA receberam um email a indicar que estariam em licença administrativa, sem indicação de quanto tempo demoraria”.

“Estou profundamente entristecido que, pela primeira vez em 83 anos, a histórica Voz da América esteja a ser silenciada”, escreveu Michael Abramovitz, diretor da VOA, numa publicação no Facebook.

No domingo, todos os funcionários não-efetivos (com contratos de consultor/"contractor") receberam outro email a dizer que estavam despedidos. “Não dizia qual a razão. Estaríamos efetivamente demitidos a partir do dia 31 de março.” Já esta semana, chegou uma nova mensagem com o porquê: “Rescisão por conveniência de governação.”

“É esta apenas a única informação providenciada. Será dada uma data para retirarmos as nossas coisas do edifício, ao qual nós estamos, neste momento, vedados”, conta um funcionário, que trabalha em Washington e pediu para não ser identificado, à Renascença.

Até ao passado sábado, a VOA transmitia em 49 línguas e alcançava, todos os dias, milhões de pessoas em países onde a liberdade de expressão é restrita. Ao longo de mais de 80 anos, foi um instrumento de "softpower" norte-americano. Agora, perdeu quase totalmente a voz.

Em África

Um funcionário ouvido pela Renascença, que colabora com a VOA em África há cerca de 20 anos, revela que a emissão (no local onde opera) foi suspensa, e os funcionários proibidos de entrar nas instalações.

“A antena da VOA está completamente off [desligada]. Há uma grande incógnita. Os próprios funcionários desconhecem o futuro próximo. Mas o mais expectável é o despedimento da maioria dos funcionários e a criação de uma nova antena”, assume.

Agostinho Gayeta, que trabalha em Angola como correspondente da VOA há 16 anos, confessa “preocupação” e defende que cortes vão levar a uma diminuição do “escrutínio”.

“O jornalismo reporta a verdade, somente a verdade e os factos. E contra factos não há argumentos. Os factos que os jornalistas da VOA noticiam são a verdade, e a verdade é noticiada com os dois lados. Então, se a administração Trump entende que há uma espécie de combate contra o seu Governo, há aqui um equívoco. Infelizmente, está a acontecer na maior democracia do mundo”, diz.

Pelo menos em Angola, já há algum tempo que existiam problemas com pagamentos. “Há algum tempo, antes até da administração Trump, já estávamos a sentir da parte da VOA alguma dificuldade em pagamentos. Havia muitos cortes por conta do financiamento que era mais canalizado para a guerra na Ucrânia”, conta.

Assim como aconteceu com a VOA, a Radio Free Asia e a Radio Free Europe/Radio Liberty também tiveram seus contratos rescindidos. É ainda difícil medir o impacto dos cortes determinados pela administração Trump.

Esperanças e medos

Dentro da VOA, ainda assim, há quem acredite que é possível lutar. Um funcionário nos EUA conta à Renascença que “é possível que, nos próximos dias, chegue um processo aos tribunais contra a tomada de decisão da Casa Branca”.

O objetivo? A reversão dos despedimentos, à semelhança do que aconteceu ainda recentemente com a USAID. “É essa a nossa esperança.”

De momento, muitos funcionários nos EUA, que precisavam do contrato de trabalho para permanecer no país, estão à procura de “alternativas”. “No momento da rescisão perdemos também o direito de permanecer no país. Ao fim de um mês somos obrigados a deixar o país, com o risco de deportação.”

Os profissionais temem que a VOA “deixe de ser um farol de democracia para o resto do mundo” e que, em vez disso, se torne “numa máquina de propaganda daquelas que são as políticas de Donald Trump e da Casa Branca”.

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