26 mar, 2025 - 16:36 • Redação
Desmarcar férias nos Estados Unidos, colar um autocolante no Tesla a chamar "louco" a Elon Musk ou mudar de pasta de dentes. Tudo é válido como protesto. É que já não são só os líderes políticos a responder às novas políticas de Donald Trump. Os cidadãos também querem ter voz. Dizem “Adeus” às séries da Netflix, às calças da Levis ou ao Jack Daniel's. O boicote está a globalizar-se e já há sinais de que esteja a chegar a Portugal.
O apelo ao consumo local e à rejeição de produtos norte-americanos ganha várias formas, desde grupos nas redes sociais a apps que ajudam a identificar a origem dos artigos quando vamos ao supermercado. Até há quem marque os produtos europeus para ser mais fácil os consumidores tomarem as suas decisões.
No Canadá e em vários países europeus, como a Suécia, a Dinamarca e França, os consumidores e empresas procuram formas inovadoras de se manifestar contra as tarifas impostas por Donald Trump ou algumas das suas políticas, como a sua aproximação do Kremlin e afastamento da Ucrânia.
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“Isto é do Tennessee, e eles apoiam Trump, por isso, não o podemos ter”, disse Allan Sinclair à Sky News, enquanto apontava para uma garrafa de Jack Daniel's. O dono do café “Miche”, em Vitória (cidade no Canadá), virou algumas das garrafas de álcool que estavam em cima da prateleira, escondendo o seu rótulo.
O Canadá tem sido alvo de uma grande pressão económica por parte dos Estados Unidos, com Trump a sugerir, inclusive, que o país deveria tornar-se no 51.º estado norte-americano. Foram impostas taxas de 25% sobre as importações da maioria dos produtos canadianos.
Como resposta, os canadianos começaram a cancelar férias e viagens a sul da fronteira e a banir certos produtos de origem norte-americana dos supermercados. É o caso das bebidas alcoólicas que várias províncias, como Ontário (a mais populosa), decidiram banir.
“Dado que as marcas americanas deixarão de estar disponíveis no catálogo da Liquid Control Board of Ontario (LCBO), o grossista exclusivo [de bebidas alcoólicas], outros retalhistas, bares e restaurantes da província deixarão de poder reabastecer-se de produtos americanos”, afirmou Doug Ford, político responsável pela província de Ontário.
Canadá
Em resposta à novas tarifas impostas por Donald Tr(...)
Por outro lado, alguns canadianos estão a mudar os hábitos de compras de supermercado, apostando em produtos produzidos no próprio país. Foram criadas uma série de aplicações móveis, como a “Buy Beaver: Canadian Scanner”, “Maple Scan: Buy Canadian”, que ajudam os consumidores a identificar a origem dos artigos.
“Não há nada que eu possa fazer em relação a este pântano em que nos encontramos politicamente com o regime do lado”, disse Ken Lima-Coelho, residente em Calgary, à Reuters. “Mas posso mudar a pasta de dentes que costumo comprar... E isso dá-nos algo para fazer enquanto esperamos que os nossos líderes políticos e empresariais resolvam isto.”
Mike Davies, de 64 anos, residente na Colômbia Britânica, decidiu ainda criar um grupo de Facebook para apelar ao boicote dos artigos norte-americanos. Cancelou não só a Netflix, como também a viagem que tinha planeado à Carolina do Norte, para visitar um amigo. “Não vamos de todo à América”, disse à Reuters.
O número de canadianos a viajar de carro para os Estados Unidos caiu 23% em relação a fevereiro de 2024, indicam dados da Statistics Canada.
O movimento de boicote também é visível na Europa, antiga aliada económica dos Estados Unidos da América. Contudo, rapidamente passou a ser olhada como adversária, com a entrada em vigor, a 12 de março, de tarifas de 25% sobre as importações de aço e alumínio. Além da União Europeia, a medida também afeta o Canadá, a China, a Austrália e o Brasil.
Uma vez que o aço e o alumínio são bens de investimento, as mudanças nas tarifas vão ter impacto nas indústrias da “construção, equipamentos, automóveis”, entre outras, defende o economista João Duque à Renascença. E podem assim influenciar os preços da habitação.
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Os europeus não ficaram indiferentes às novas taxas. Começando pelo norte do continente, na Suécia, foram criados os grupos de Facebook “Boykot varer fra USA” e “Bojkotta varor fra USA”, que promovem a rejeição dos produtos norte-americanos e permitem a partilha de alternativas locais. Atualmente, contam com cerca de 90 e 82 mil seguidores, respetivamente.
Na Dinamarca, a indignação relativamente à ameaça de Trump de tomar controlo sobre a região autónoma da Gronelândia levou o grupo Salling, a maior cadeia de supermercados do país, a pôr uma estrela preta nas etiquetas dos produtos produzidos na Europa, incentivando a sua venda.
“Recentemente, recebemos uma série de pedidos de clientes que pretendem comprar produtos de marcas europeias.”, escreveu no LinkedIn o CEO da Salling, Anders Hagh, embora tenha referido que os produtos dos EUA continuarão nas prateleiras.
As tentativas de boicote estendem-se ao resto da Europa, a países como França e Inglaterra, onde proliferam grupos online que visam “fazer frente” às medidas de Donald Trump.
Contudo, também surgem alertas quanto ao impacto negativo que os boicotes podem ter na Europa, já que muitas marcas norte-americanas, como a Coca-Cola, têm instalações de fabrico no Velho Continente.
O economista João Duque considera que estes movimentos podem levar a uma “situação de quebra de vendas" que, por sua vez, "leva ao encerramento de linhas de produção e ao aumento do desemprego nas unidades industriais”. “São os europeus a ferir os europeus”, continuou.
Por outro lado, o economista explica que “se os consumidores, em vez de pegarem em latas de Coca-Cola, pegarem em refrigerantes alternativos produzidos localmente”, as fábricas europeias vão crescer e ter a "necessidade de empregar mais pessoas, que podem ser reencaminhadas de um lado para o outro”. Contudo, acrescenta que “muitas vezes, a fábrica alternativa não é onde se desempregam as pessoas" e "não é no dia a seguir que se empregam aqueles que ficam na rua”, o que causa “grandes inconvenientes do ponto de vista humano”.
Como possível solução, sugere “identificar de uma forma muito fina quais são os produtos que são importados (dos EUA)”, desincentivando a sua compra, tal como fez o grupo de supermercados Salling da Dinamarca.
Por enquanto, a queda abrupta nas vendas da Tesla (desde o início de 2025) é a consequência mais visível dos boicotes internacionais. O alvo é Elon Musk, o fundador da marca, dono da rede social X, um aliado de Donald Trump que apoiou a recandidatura à presidência norte-americana com centenas de milhões de dólares.
Na Alemanha, as vendas caíram 76% em relação a fevereiro de 2024, segundo dados citados pela Reuters. Na mesma linha, a queda foi de 55% em Itália, 48% na Noruega e Dinamarca, 45% em França, 42% na Suécia, 24% nos Países Baixos e 10% em Espanha.
Após a tomada de posse, Musk tornou-se chefe do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), responsável por fazer cortes na administração pública norte- americana. Na prática, estes cortes têm estado a resultar em em despedimentos em larga escala, alguns deles contestados em tribunal.
O valor das ações da Tesla caiu quase um terço desde que Trump tomou posse, embora esteja mais alto do que há um ano. E isso levou o Presidente dos EUA a exibir, a 11 de março, o Tesla que decidiu comprar, à frente da Casa Branca, em apoio à empresa de Elon Musk.
E o que fazem os críticos de Musk que já conduziam um Tesla? Surgiu uma vaga de autocolantes colados na parte de trás dos automóveis. O que dizem? "Comprei este Tesla antes do Elon ficar maluco."
Em Portugal, falando de boicotes, “o exemplo mais evidente é a Tesla”, afirmou João Duque. Segundo os dados de fevereiro da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), a queda nas vendas da Tesla foi de 52,6%. Foram vendidos 547 carros em fevereiro deste ano, contra os 1.155 de fevereiro de 2024.
No passado dia 9 de março, Lisboa foi um dos 50 locais onde foi convocada uma manifestação contra Elon Musk, a par de cidades nos Estados Unidos, no Reino Unido e em Espanha.
Cerca de uma dezena de pessoas concentraram-se junto ao stand da fabricante automóvel norte-americana, no El Corte Inglés, mostrando cartazes com frases como “Estados Unidos. Um Governo sem dois dedos de testa”, “Go to Siberia! Have fun!” (“Vai para a Sibéria! Diverte-te!”) ou “Project 2025: Get these lunatics out of the White House” (“Projeto 2025: Tirem estes lunáticos da Casa Branca”).
Contactada pela Renascença, a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) disse ainda não ter recebido reclamações dos consumidores em relação às tarifas impostas pelos Estados Unidos, pelo que, de momento, não tem posicionamento em relação ao tema.
Donald Trump ameaçou também a União Europeia com tarifas de 200% sobre o champanhe, os vinhos e outras bebidas alcoólicas, caso os 27 não recuem na taxa de 50% sobre o whisky norte-americano.
"Mercado dos Estados Unidos é o quinto maior merca(...)
Esta medida pode ter um forte impacto na economia portuguesa, dado que os Estados Unidos são o segundo maior mercado de exportação de vinho. Segundos os dados da ViniPortugal, a associação interprofissional do vinho, o mercado dos EUA representa 102 milhões de euros em exportações.
“A virem a ser implementadas as tarifas aos vinhos, sobretudo na ordem de grandeza de que se fala, as nossas exportações seriam fortemente penalizadas, trazendo muitos problemas ao nosso setor vitivinícola”, disse o presidente da ViniPortugal, Frederico Falcão, à Lusa.