31 mar, 2025 - 18:39 • João Pedro Quesado
Donald Trump “não estava a brincar” de cada vez que referiu a possibilidade de se candidatar a um terceiro mandato como Presidente dos Estados Unidos da América (EUA). O aviso foi deixado pelo próprio este domingo, numa entrevista à NBC News, em que alegou haver “métodos” para contornar a Constituição do país.
Trump já mencionou várias vezes a possibilidade de um terceiro mandato, normalmente através de insinuações, como dizer que não tem “a certeza” de que não se possa candidatar novamente, como fez em fevereiro, ou ao dizer que a “honra” de ser Presidente dos EUA se pode prolongar por “três vezes, ou quatro”.
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Certo é que não é novidade: recuando à campanha das eleições de 2020, é possível ouvir Trump a pedir aos apoiantes que peçam “mais 12 anos” em vez dos tradicionais quatro referentes a um segundo mandato. Em 2019, no Twitter, já tinha apontado que a vontade popular poderia ser de Trump passar mais de oito anos como Presidente.
Este domingo, o 45.º e 47.º Presidente dos EUA começou por mentir novamente sobre os índices de aprovação – alegando serem de 70% nas “sondagens verdadeiras”, quando a maioria das sondagens já aponta que pelo menos 50% dos norte-americanos lhe dá nota negativa – para afirmar que “muita gente gostaria” que se candidatasse a um terceiro mandato.
“Bem, há planos. Há, não são planos. Há métodos”, disse Trump à jornalista Kristen Welker, questionado sobre formas de desempenhar um terceiro mandato na Casa Branca. Além de admitir uma troca com JD Vance, o atual vice-presidente, Trump evitou revelar mais, sublinhando ser “demasiado cedo” neste mandato “para pensar nisso”.
A 22.ª emenda da Constituição dos EUA impede esta possibilidade. O texto diz que “nenhuma pessoa deve ser eleita para o cargo de Presidente mais do que duas vezes, e nenhuma pessoa que tenha desempenhado o cargo de Presidente, ou agido como Presidente, por mais de dois anos de um mandato para o qual outra pessoa foi eleita Presidente, deve ser eleita para o cargo de Presidente mais que uma vez”.
Esta emenda foi introduzida em 1947 e entrou em vigor em 1951, e surgiu depois de Franklin Delano Roosevelt, o Presidente responsável pelo combate à Grande Depressão através do “New Deal” e que liderou os EUA durante a maioria da Segunda Guerra Mundial, ter sido eleito em quatro eleições consecutivas: 1932, 1936, 1940 e 1944.
Emissora foi fundada em 1942 para combater a propa(...)
Essa série de quatro eleições consecutivas para a Presidência quebrou a tradição de dois mandatos estabelecida pelos fundadores dos EUA George Washington e Thomas Jefferson, o primeiro e terceiro Presidente. Roosevelt acabou por falecer em 1945, nem três meses depois de iniciar o quarto mandato, quando o debate sobre alterar a Constituição para impedir formalmente um terceiro mandato já estava em marcha, segundo o National Constitution Center.
A possibilidade admitida por Donald Trump na entrevista à NBC News é simples, e não é uma novidade. Ela consiste em ser JD Vance a candidatar-se a Presidente nas eleições de 2028, com Trump como candidato a vice-presidente. Depois de tomar posse como Presidente (no caso de vencer), JD Vance demitir-se-ia, fazendo Donald Trump voltar ao topo do ramo executivo do Governo dos EUA, segundo a sucessão estabelecida na Constituição.
Contudo, essa é apenas uma hipótese não-provada, baseada no facto de o texto da 22.ª emenda referir a eleição para um terceiro mandato, e não o desempenho das funções de Presidente pela terceira vez. Mas é uma imitação do que Vladimir Putin fez com Dmitry Medvedev, quando este assumiu a presidência da Rússia entre 2008 e 2012 e Putin foi primeiro-ministro, contornando a proibição de desempenhar um terceiro mandato consecutivo como Presidente.
O Presidente norte-americano, Donald Trump, pediu (...)
O controlo que Trump tem procurado exercer sobre o sistema judicial, pedindo até a impugnação de um juiz federal depois deste ter bloqueado voos de deportação, não é alheio aos receios dos Democratas sobre estas possibilidades se tornarem realidade. Nem o facto de Donald Trump não ter aceitado pacificamente a derrota eleitoral de 2020, incitando uma tentativa de golpe a 6 de janeiro de 2021.
Há ainda outro obstáculo constitucional. A 12.º emenda à Constituição, de 1804, alterou o funcionamento do afamado Colégio Eleitoral e introduziu, na última frase do texto, uma condição.
“Nenhuma pessoa constitucionalmente inelegível para o cargo de Presidente deve ser elegível para o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos”, afirma a Constituição desde então.
Essa cláusula bloqueia, efetivamente, que Donald Trump seja candidato a vice-presidente, já que não cumpre o critério estabelecido pela 22.ª emenda.
O atual Presidente caracterizou de "trampa" as acu(...)
A única forma de contornar esta condição é através de uma decisão favorável na justiça – como fez o Supremo Tribunal em 2024, quando estendeu a imunidade presidencial a todos os “atos oficiais” de um Presidente, e deu imunidade absoluta nos campos onde a autoridade presidencial é absoluta e não está sujeito a regulação pelo Congresso. Essa decisão efetivamente ilibou Trump das acusações de interferência eleitoral nas eleições de 2020.
Há ainda sugestões, entre os conservadores norte-americanos, de que os limites da 22.ª emenda apenas se aplicam a presidentes que desempenharam dois mandatos consecutivos – uma teoria particularmente útil para abrir caminho para Donald Trump e, ao mesmo tempo, fechar as portas a um regresso de Barack Obama, que as sondagens mais recentes apontam continuar popular com 59% dos norte-americanos.
Se a Rússia eliminou da própria Constituição, em 2020, o impedimento aos três mandatos consecutivos de um Presidente (permitindo que Putin se candidatasse em 2024 e que seja Presidente até 2036), os Estados Unidos também podem.
Um deputado republicano na Câmara dos Representantes, Andy Ogles (do Tennessee), introduziu em janeiro uma resolução onde pede uma emenda constitucional para permitir que um Presidente o possa ser durante três mandatos, desde que não-consecutivos.
A ideia, apoiada pelo “Projeto do Terceiro Mandato”, junta-se às outras dezenas de tentativas de revogação da 22.ª emenda desde que foi ratificada. Mas ainda não foi votada, e enfrenta mínimos altos para ser aprovada: uma maioria de dois terços na Câmara dos Representantes e no Senado (longe das estreitas maiorias absolutas detidas pelos republicanos), e três quartos dos Estados (38 em 50).