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O que leva Índia e Paquistão a lutarem por Caxemira? O que pode acontecer a seguir? Uma guerra nuclear?

07 mai, 2025 - 20:45 • Diogo Camilo e Reuters

A Índia lançou ataques a vários alvos no Paquistão, incluindo em Punjab, que é considerado o coração do país. A disputa acontece desde 1947, ainda Índia e Paquistão não eram países, e já escalou por duas vezes para guerra. Agora ambos têm armas nucleares.

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India ataca mesquita de Bilal, na cidade de Muzaffarabad, na parte da Caxemira controlada pelo Paquistão. Foto: Akhtar Soomro/Reuters
India ataca mesquita de Bilal, na cidade de Muzaffarabad, na parte da Caxemira controlada pelo Paquistão. Foto: Akhtar Soomro/Reuters
Uma bandeira da Índia, no cimo de um edifício na Caxemira indiana. Foto: Firdous Nazir/Reuters
Uma bandeira da Índia, no cimo de um edifício na Caxemira indiana. Foto: Firdous Nazir/Reuters

A Índia lançou na terça-feira vários ataques a alvos no Paquistão, incluindo no território disputado de Caxemira, nos quais morreram pelo menos 31 pessoas. A região tem sido palco de tensões que começaram ainda antes dos dois países terem ganhado a independência do Império Britânico, em 1947.

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Hoje, a Caxemira tem uma população de cerca de sete milhões de pessoas, dos quais cerca de 70% são de religião muçulmana.

Há versões diferentes para o que aconteceu nas últimas 24 horas: a Índia defende que os ataques foram a “bases terroristas”, enquanto o Paquistão diz que os ataques indianos atingiram três locais civis, incluindo duas mesquitas.

Porque Índia e Paquistão lutam por Caxemira?

Na altura da independência dos dois países, o território que tem uma maioria muçulmana, era livre para se tornar parte da Índia ou parte do Paquistão.

Embora o marajá Hari Singh tivesse o desejo de tornar a Caxemira independente, o território aliou-se à Índia e provocou um conflito logo no ano de 1947.

Através de um acordo mediado pela ONU dois anos depois, foi estabelecido que a Caxemira seria controlada em parte pelo Paquistão e em parte pela Índia, numa divisão chamada de Linha de Controlo.

Como a Caxemira é rica em minerais como bórax, safira, grafite, mármore, gesso e lítio, a região é estrategicamente importante. Também é cultural e historicamente importante, tanto para o Paquistão quanto para a Índia.

Devido à importância da região e às divergências sobre soberania, foram vários os conflitos ao longo dos anos, com guerras em 1965 e 1999. Pelo meio, houve uma terceira que envolveu os dois países e que levou à criação do Bangladesh, em 1971.

Em 2016, após a morte de 19 soldados indianos no seu lado da Caxemira, a Índia respondeu com ataques a bases militares paquistanesas.

Três anos depois, uma bomba na Caxemira indiana matou mais de 40 militares e a Índia respondeu com ataques aéreos em Balakot, que faz fronteira com a Caxemira - a primeira ação da Índia dentro do Paquistão em quase cinquenta anos, e que levou a retaliação paquistanesa.

Os ataques nunca escalaram porque a Índia aplicou uma enorme campanha de pressão diplomática sobre os EUA, o Reino Unido e o Paquistão, enquanto o Paquistão acedeu aos pedidos para recuar.

Ambos os lados, como potências nucleares (a Índia obteve armas nucleares em 1974 e o Paquistão em 1998), entenderam que uma escalada para uma guerra em larga escala seria incrivelmente arriscado.

Como é o arsenal da Índia e Paquistão?

Para começar, e talvez o mais importante no cenário internacional, ambos os países são potências nucleares: a Índia obteve armas nucleares em 1974 e detém 180 ogivas nucleares, enquanto o Paquistão obteve as suas primeiras armas nucleares em 1998 e possui cerca de 170.

A Índia tem uma política de “não usar primeiro”, o que significa que apenas agirá em retaliação, mas há sinais de que está a reconsiderar esta política desde 2019. O Paquistão nunca declarou esta política e argumenta que armas nucleares táticas são importantes para combater as maiores forças convencionais da Índia.

Enquanto a Índia é vista como sendo a quarta maior nação militar do mundo pela revista Military Watch, com mais de quatro milhões de militares, quase quatro mil tanques, o Paquistão é o nono país com maior arsenal, com quase um milhão de militares e mais de dois mil tanques.

No geral, a Índia é considerada uma potência militar com uma força militar maior e mais moderna, enquanto o Paquistão tem uma força menor e mais ágil, focada principalmente em atividades defensivas e secretas.

Embora nenhum dos dois países tenha usado armas nucleares em conflitos, são sempre levantadas preocupações de que essa norma possa ser violada.

A preocupação é que, mesmo que ocorresse uma pequena troca nuclear entre os dois países, isso poderia matar até 20 milhões de pessoas numa questão de dias.

O que aconteceu nos últimos anos?

Em agosto de 2019, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, revogou o estatuto semi-autónomo da Caxemira, com o pretexto de integrar melhor a região, com o estado a ser reorganizado em dois territórios - algo a que o Paquistão se opôs.

A violência diminuiu nos anos recentes, de acordo com autoridades indianas, com menos ataques em larga escala e aumento da chegada de turistas, mas continuam a ser relatados assassinatos de civis e forças de segurança.

Em 2024, nas primeiras eleições locais indianas desde a revogação da autonomia da Caxemira indiana, vários autarcas pediram uma restauração parcial do artigo da constituição indiana que dá um estatuto especial à região da Caxemira.

O que levou a esta ofensiva e o que aconteceu depois?

Estes ataques da Índia aconteceram em retaliação a um atentado de 22 de abril, na Caxemira indiana, que mataram 26 pessoas, a maioria deles turistas.

Este ataque foi cometido por agressores islamitas, mas a Índia aproveitou-o para atribuir culpas ao Paquistão, que negou categoricamente o envolvimento.

O ataque foi um dos mais mortíferos contra civis na região de Caxemira em décadas e fez aumentar drasticamente as tensões entre os vizinhos com armas nucleares.

Em retaliação, depois do ataque da última noite, o Paquistão disse ter abatido aviões de combate indianos, o que a Índia desmentiu.

Embora o Governo paquistanês não tenha comunicado o número exato de alvos abatidos, os meios de comunicação social locais, citando fontes da Defesa, anunciaram o abate de três aviões Rafale, um SU-30 e um MIG-29. Outras fontes paquistanesas referiram igualmente o abate de dois aviões indianos e de um drone.

As afirmações foram refutadas por fontes oficiais do outro lado da fronteira. Fontes indianas afirmaram que não se perdeu qualquer avião da Força Aérea do país durante a operação e rejeitaram as declarações paquistanesas, denunciando serem propaganda sem fundamento.

O que acontece a seguir?

A questão é se a calma prevalecerá desta vez. Os ataques da Índia, parte da Operação Sinhoor, foram recebidos com grande aprovação por diversas correntes políticas na Índia, com os partidos de oposição a terem expressado o seu apoio à operação.

Este apoio dá alento a Modi, num momento em que a popularidade tem vindo a cair, depois de um resultado decepcionante nas eleições de 2024, em que perderam 63 das 543 do parlamento e ficaram longe da maioria.

O Paquistão também pode ter motivos para responder com mais força ao recente ataque da Índia do que no passado. O poderoso exército paquistanês frequentemente alimenta o medo de um conflito com a Índia para justificar o seu enorme orçamento militar. Independentemente do resultado, precisa de um sucesso para vender ao seu público doméstico.

O Paquistão tem sido liderado por militares há décadas, o que também o torna mais propenso a envolver-se em conflitos. Apesar dos períodos de governo civil, os militares sempre mostraram bastante poder e, ao contrário da Índia (onde há um papel mais amplo para um ministro civil da defesa), os militares paquistaneses têm mais influência sobre as políticas nuclear e de segurança.

Tanto os regimes militares como as autocracias multipartidárias podem ver o conflito como uma forma de ganhar legitimidade, principalmente se ambos os regimes acharem que o seu apoio político está a diminuir.

Esta escalada mais recente também é significativa porque é a primeira vez no conflito da Caxemira que a Índia ataca o Punjab, que é considerado o coração do Paquistão. O Paquistão enfrentará pressão interna para responder, acertar as contas e restaurar a dissuasão.

Ambos os lados têm-se mostrado determinados a não perder um centímetro de território. A questão é a rapidez com que a pressão diplomática pode funcionar. Nem a Índia nem o Paquistão estão envolvidos em diálogos sobre segurança e não há mecanismos bilaterais de gestão de crises em vigor.

Para complicar ainda mais a situação, o papel dos EUA como gestores de crises no sul da Ásia diminuiu. Sob Donald Trump, não se pode contar com Washington. Tudo isso torna a desescalada deste conflito muito mais difícil.

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