Ciência e Educação

Ataque de Trump às universidades é "oportunidade para Portugal reaver talento"

23 mai, 2025 - 17:26 • Redação

Perante os cortes no financiamento da investigação científica e de universidades nos Estados Unidos, Portugal e a Europa lançam programas para atrair e reter investigadores qualificados.

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Nas recentes políticas para a ciência da Administração Trump, como a proibição de alunos estrangeiros em Harvard, a Europa vê uma oportunidade de atrair talento a uma escala global.

Numa altura em que o Governo norte-americano corta apoios à investigação científica, países e universidades europeias lançam programas de financiamento direcionados a cientistas e académicos de “excelência”. Portugal está atento a esta oportunidade de recrutamento de talento.

Há muito que os Estados Unidos são vistos como um “íman” para os melhores investigadores. No geral, os orçamentos e salários são maiores. E por isso, durante décadas, a Europa viu os seus cérebros “remar” para o outro lado do Atlântico. Agora, tendo em conta a perda de atratividade dos Estados Unidos na área da ciência, o "Velho Continente" está a tentar inverter esse fluxo.

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Portugal também pode sair beneficiado. Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP), considera que esta é uma oportunidade para o país reter e captar talento não só do outro lado de Atlântico, mas a uma escala global.

"Do ponto de vista de um país como Portugal - que tem perdido talento nacional (...) - esta é uma oportunidade para reaver algum desse talento. Não é tanto atrair investigadores radicados nos Estados Unidos, é atrair investigadores de alta qualidade, que agora já não colocam os Estados Unidos entre os seus destinos de preferência e podem considerar outros, nomeadamente a Europa e Portugal", explicou à Renascença.

O reitor da Universidade de Aveiro diz haver "boa vontade" por parte das universidades portuguesas em acolher investigadores qualificados que queiram vir para o nosso país. Alerta, contudo, para as "fragilidades ao nível das carreiras e do financiamento" do sistema científico nacional, sublinhando que o lançamento de programas para cientistas estrangeiros deve ser feito sem "prejuízo de esforços" para as faculdades. É necessário conseguir "financiamento adicional", que pode vir da União Europeia, por exemplo.

Em maio, abriram as candidaturas para a NOVA Medical Global Talent Iniciative, um programa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa que “visa atrair investigadores internacionais de excelência para Portugal”. Conta com um financiamento inicial de dois milhões de euros.

Em declarações à agência Lusa, Helena Canhão, diretora da universidade, disse que o programa é lançado tendo em conta a situação dos Estados Unidos, mas que está aberto a profissionais qualificados de várias origens.

“Sabemos que há descontentamento nos Estados Unidos em relação a algumas linhas de investigação, nomeadamente na área da saúde e que alguns desses cientistas – alguns até podem ser portugueses ou europeus, não necessariamente americanos, - podem estar interessados em vir trabalhar para a Europa e para Portugal”, explicou.

A reitora considera que esta é uma "oportunidade de nós mostrarmos liderança nesse movimento de tração, de retenção de talento, trazendo para Portugal pessoas que podem ajudar na investigação, na melhoria da saúde e na afirmação de Portugal como um polo de atração de cientistas e de médicos internacionais que se distingam nas áreas e que podem ajudar o nosso país e população".

O financiamento do programa, que conta com o apoio do Haddad NOVA Medical Innovation Centre, paga o salário dos investigadores "durante três anos", assim como apoios ao "alojamento durante seis meses”. No entanto, para o programa “ser sustentável” serão necessários “outros apoios”.

“Choose Europe”, a estratégia da Comissão Europeia

“Escolham a Europa” - este é o apelo feito pela Comissão Europeia a investigadores e cientistas internacionais.

No início de maio, a presidente do Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentou o programa “Choose Europe” (em português, "Escolher a Europa"), que inclui um novo pacote de 500 milhões de euros para 2025-2027, “a fim de fazer da Europa um polo de atração para os investigadores”.

O anúncio foi feito durante a Conferência Europeia para a Ciência, depois de alguns países terem apelado à ação do executivo comunitário. O evento foi organizado pela União Europeia e pelo governo francês na Universidade de Sorbonne, em Paris.

Von der Leyen quer duplicar as bolsas para investigadores deslocados, facilitar a sua entrada no continente e consagrar a liberdade de investigação científica numa lei chamada Lei do Espaço Europeu de Investigação. “A primeira prioridade é garantir que a ciência na Europa continue a ser livre e aberta”, declarou durante o discurso na universidade francesa.

A médio e longo prazo, o objetivo é que os Estados-membros invistam 3% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em investigação e desenvolvimento até 2030.

Sem nunca referir o nome dos Estados Unidos, a presidente da Comissão Europeia disse que “à medida que as ameaças aumentam em todo o mundo, (...) a Europa deve continuar a ser a pátria da liberdade académica e científica". Lamentou ainda que o “papel da ciência no mundo de hoje” seja questionado.

O que está a acontecer nos Estados Unidos?

Os alarmes começaram a soar na Europa quando a Administração norte-americana, liderada pelo Presidente Donald Trump, cortou o financiamento federal a universidades e institutos de investigação em milhares de milhões de dólares.

O caso mais paradigmático é a Universidade Harvard. O governo dos EUA já cancelou cerca de 2,7 dos 9 mil milhões de dólares do orçamento federal destinados à universidade, impediu a instituição de matricular alunos estrangeiros e ameaça acabar com a isenção fiscal de que beneficia.

O executivo acusa Harvard e outras universidades, como a Universidade de Columbia, de antissemitismo e discriminação racial, na sequência dos protestos estudantis pró-palestinianos de 2023 e 2024. Além disto, Donald Trump diz querer lutar contra o que considera ser a tendência liberal dos campus universitários de elite.

Harvard, a universidade mais antiga e rica do país, recusou ceder às pressões do governo norte-americano, que enviou uma carta a várias instituições de ensino superior, exigindo mudanças nos seus critérios de admissão, currículo académico e práticas de contratação, sob pena do bloqueio do financiamento federal.

No final de abril, Harvard processou a Administração Trump, evocando a 1.ª emenda da Constituição, que garante a liberdade de expressão. No comunicado que dava conta do processo judicial, Alan M. Garber, presidente da universidade, responde às acusações e admite que existem “preocupações válidas sobre o aumento do antissemitismo", que está a tentar combater.

Fala, no entanto, de um “controlo impróprio e sem precedentes” sobre as instituições de ensino superior. “Nenhum governo – independentemente do partido que estiver no poder – deve ditar o que as universidades privadas podem ensinar, quem podem contratar e admitir e que áreas de estudo e pesquisa podem seguir”, lê-se ainda.

Os cortes no financiamento da investigação e desenvolvimento não se ficam pelos Estados Unidos. Em Portugal, também foram cancelados apoios a algumas universidades, incluídas no programa “American Corner” (Espaço Americano), como a Faculdade de Letras da Universidade do Porto e o Instituto Superior Técnico. O programa concedia ajuda financeira a iniciativas universitárias.

A continuação do programa estava dependente da resposta a um questionário com 36 perguntas sobre temas como ideologia de género, ligações a partidos comunistas, à China e a grupo terroristas e ainda sobre financiamentos com origem em países como a Rússia, Cuba ou o Irão.

Nos Estados Unidos, a Administração Trump também despediu funcionários de reconhecidos centros de investigação científica, incluindo a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, a Fundação Nacional de Ciência, os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças e os Institutos Nacionais de Saúde.

Perante o cenário de desinvestimento na ciência, muitos investigadores e cientistas norte-americanos ponderam sair do país. Num inquérito realizado pela Revista Nature em março, 1.200 dos 1.600 inquiridos (ou seja, cerca de 75%) responderam afirmativamente à pergunta "É um investigador norte-americano que está a pensar em deixar o país após as interrupções na ciência causadas pela Administração Trump?".

Apesar dos salários e dos orçamentos mais baixos em comparação com os EUA, a Europa e o Canadá estão entre os destinos de preferência.

Desde França ao resto da Europa

De acordo com o jornal The New York Times, para além do programa da União Europeia, o Presidente francês, Emmanuel Macron, comprometeu-se com um investimento de perto de 100 milhões de euros para atrair investigadores norte-americanos.

As universidades francesas também estão a contribuir com o seu próprio dinheiro. A Universidade de Aix-Marseille disse que iria gastar 14,8 milhões de euros para abrir 15 vagas para investigadores internacionais.

Já em Espanha, Dina Morant, ministra da Ciência, Inovação e Universidades, informou que o governo iria disponibilizar um montante adicional de 45 milhões de euros para acolher cientistas “desprezados ou subvalorizados pela Administração Trump".

A Catalunha, no nordeste de Espanha, também anunciou um programa de cerca de 30 milhões de euros para atrair investigadores oriundos dos EUA que “podem ver a sua liberdade académica restringida”.

No norte da Europa, Johan Pehrson, ministro da Educação da Suécia, organizou no mês passado uma reunião com responsáveis de nove universidades para discutir formas de captar talento. “Aos académicos e cientistas americanos: Precisamos de vocês!”, escreveu na rede social X. Contudo, não falou de financiamento.

“A liberdade académica está sob pressão dos Estados Unidos da América", afirmou Jonas Gahr Store, primeiro-ministro da Noruega. O governo disponibilizou 100 milhões de coroas (o equivalente a cerca de 8,4 milhões de euros) para financiar investigadores norte-americanos experientes e outros profissionais internacionais no próximo ano.

Ainda de acordo com o jornal The New York Times, no Reino Unido, o governo do Partido Trabalhista está a planear investir quase 50 milhões de libras (quase 58,2 milhões de euros) no mesmo âmbito.

No Canadá, a University Health Network, em Toronto, e outras fundações disponibilizaram 30 milhões de dólares canadianos (18,9 milhões de euros) para recrutar 100 jovens cientistas internacionais.

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