05 jul, 2025 - 12:22 • Reuters
O Reino Unido pretende alargar o rastreio neonatal para incluir o sequenciamento completo do genoma de todos os bebés nascidos no país até 2030, numa iniciativa do Serviço Nacional de Saúde (NHS) destinada a “prever e prevenir doenças”. A medida ampliaria significativamente o atual teste do pezinho, que atualmente deteta nove doenças genéticas raras, passando a rastrear centenas de riscos genéticos potenciais.
À primeira vista, a proposta parece uma vitória para a saúde pública: identificar problemas mais cedo, intervir rapidamente e salvar vidas. No entanto, especialistas alertam que o rastreio genético em larga escala comporta riscos reais — sobretudo se os resultados forem mal interpretados ou comunicados de forma deficiente.
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O novo plano tem por base um projeto-piloto do NHS que já sequenciou o genoma de 100 mil recém-nascidos em Inglaterra, com o objetivo de identificar mais de 200 doenças genéticas. Contudo, os resultados obtidos não oferecem diagnósticos claros, mas sim estimativas de risco — e isso pode ser facilmente mal compreendido.
Um resultado genético pode indicar uma probabilidade aumentada (ou reduzida) de uma criança vir a desenvolver determinada doença no futuro. Mas risco não é certeza. Se os pais — ou até os profissionais de saúde — confundirem esta nuance, as consequências podem ser sérias.
Há receios de que algumas famílias passem a encarar crianças sinalizadas como "em risco" como doentes em potência. Em casos extremos, pode assumir-se que a criança “tem o gene” e acabará inevitavelmente por adoecer. Esta perceção pode influenciar profundamente a forma como a criança é educada, acompanhada clinicamente e como se vê a si própria.
Estudos mostram que, embora algumas pessoas compreendam corretamente as pontuações de risco, muitas têm dificuldade em lidar com este tipo de informação estatística. Expressões como “risco elevado” ou “provável” são frequentemente interpretadas de forma mais alarmista do que o pretendido — até mesmo por médicos. Na área da genómica, a linha entre “pode adoecer” e “vai adoecer” é, muitas vezes, ténue.
A comunicação pública também tem contribuído para a confusão. Termos como “diagnóstico antes dos sintomas” ou “ultrapassar a doença” são usados pelas autoridades britânicas, mas alimentam expectativas irrealistas e minimizam a incerteza associada aos dados genéticos.
O risco de falsos positivos é uma preocupação central. Testes genéticos são mais fiáveis quando direcionados a pessoas com sintomas ou antecedentes familiares. Em populações saudáveis, como é o caso da maioria dos recém-nascidos, os falsos positivos podem ser mais numerosos do que os resultados corretos — um fenómeno estatístico bem conhecido desde a pandemia de Covid-19.
Nestes casos, as famílias podem ser informadas de que os seus filhos estão em risco quando, na realidade, não estão. Isso pode desencadear uma sequência de exames, consultas e tratamentos desnecessários, com custos físicos, psicológicos e financeiros. Já se verificaram situações semelhantes em rastreios para Alzheimer, que, fora dos contextos clínicos adequados, geram falsos positivos em dois terços dos casos.
A solução não passa por abandonar o uso de dados genómicos, que têm um enorme potencial, sobretudo em contextos clínicos ou de investigação. Mas, para que o rastreio neonatal universal seja seguro e eficaz, é necessário garantir:
A promessa do genoma completo é inegável. Mas a sua aplicação generalizada exige prudência, transparência e um investimento sério em comunicação e cuidados. Sem estas salvaguardas, o Reino Unido arrisca-se a transformar bebés saudáveis em pacientes à espera de uma doença que pode nunca surgir.