16 jun, 2023 - 00:01 • Diogo Camilo
Na ilha da Madeira, entre o Estreito e o Arco da Calheta, fica a grande surpresa do Ranking das Escolas de 2022.
Numa tabela dominada por colégios, em que as escolas privadas ocupam os lugares cimeiros nas principais disciplinas, há uma só exceção: a Escola Básica e Secundária com Pré-escolar da Calheta, onde a média de Matemática foi de quase 17 valores - uma subida de mais de seis valores, que a coloca como a 8.ª melhor escola do país no exame.
Nas cinco disciplinas em que foram realizados mais de 10 mil exames no ensino secundário (Matemática A, Português, Biologia e Geologia, Física e Química e Economia A), o Top 10 também é exclusivamente ocupado por colégios que estão entre os 25 melhores lugares do Ranking das Escolas da Renascença.
A “ovelha negra”, por seu lado, ocupa apenas o 135.º lugar do Ranking das Escolas e até ficou abaixo do resultado do ano anterior na média das oito principais disciplinas, quando foi a 93.ª classificada. A média então foi de 12,9, acima dos 11,9 nos rankings de 2022.
Como é que uma escola pública da Madeira consegue ser uma das melhores do país numa prova tão concorrida, num ano em que a própria escola baixa no ranking? Com “alunos de ouro”, é a resposta do professor que os acompanhou, Leonel Oliveira.
“No meio em que nós vivemos, termos um aluno a entrar no Instituto Superior Técnico, em Engenharia Aeroespacial, não é comum. Tivemos, salvo erro, cinco alunos que entraram em Medicina. Portanto, é um grupo de ouro”, diz à Renascença.
“Não foi feito nada de muito diferente em relação a outros anos”, assegura, por sua vez, o diretor do Agrupamento de Escolas da Calheta, Bernardo Gouveia, que aponta algo que pode ser uma mais valia na proximidade entre professor e alunos.
“O professor é sempre importante, e temos o princípio de continuidade pedagógica”, uma política da escola que passa por o docente acompanhar a mesma turma desde o 10.º ano até ao 12.º ano.
Na aula de apresentação de início do ensino secundário, o professor Leonel pediu a estes “diamantes em bruto” que traçassem um objetivo para a caminhada de três anos. Para o docente, esta segurança de saberem quem será o professor no próximo ano é “muito vantajosa” para os alunos.
“No 11.º ano já conheciam a minha maneira de trabalhar, já conheciam a forma como eu fazia os instrumentos de avaliação, já sabiam o rigor e a exigência que eu colocava nas minhas aulas. É muito mais fácil assim.”
O professor Leonel conta o caso de uma aluna de uma destas duas turmas que “teve 12 valores no 10.º ano, 14 no 11.º e acabou o 12.º com 18 ou 19, salvo erro".
"Foi uma evolução que foi sendo construída ao longo de três anos”, explica, uma verdadeira “caminhada”, como lhe chama.
Professor na Calheta há nove anos, Leonel Oliveira já tinha sido responsável pelo melhor resultado da escola no exame de Matemática A até então: em 2019, as turmas de Ciências e Tecnologias que lecionou conseguiram uma média de 12,5 no exame - que, ainda assim, fica a quase quatro valores e meio de distância cos quase 17 valores deste ano.
Por comparação, a segunda melhor escola pública a Matemática em 2022 ficou a um valor de distância (a Escola Básica e Secundária de Ínfias, em Vizela), enquanto a segunda melhor escola da Madeira no exame ficou a quatro valores de distância - a Escola Secundária Jaime Moniz, no Funchal, com média de 12,9.
E as notas que estes 22 alunos da Calheta conseguiram impressionam: o pior resultado da escola no exame de Matemática A foi um 11,9 - igual à média nacional; o segundo pior foi acima de 14 e entre os resultados estão ainda um 19,5 e um 20.
O caminho, contudo, não foi fácil. “Foram alunos que passaram pelo isolamento da Covid-19, que até passaram por uma licença parental minha, e mesmo assim conseguiram atingir estes resultados. Estavam, de facto, preocupados em aprender. Estavam preocupados com o resultado, mas a sua primeira preocupação era aprender e a partir daí o resultado iria aparecer mais dia, menos dia. Foi o que aconteceu.”
Na escola estudam cerca de 300 alunos no ensino secundário, distribuídos por quatro turmas por cada ano. “Geralmente, 95% dos alunos são colocados no Ensino Superior, e este ano não foi exceção”, adianta o diretor, Bernardo Gouveia.
A sua explicação para os resultados deste ano a Matemática? Os alunos. “É uma situação que tem a ver especialmente com o grupo de alunos que nós tivemos. Há um esforço enorme por parte dos professores e do alunos para obter o melhor resultado possíveis.”
No ano passado, a secundária tinha ficado na história do Ranking das Escolas 2021 por ter sido apenas uma das três escolas que viu a sua média subir em relação ao ano de pandemia, contrariando a queda geral das médias, após um ano de inflação das notas.
Ao exame de Matemática foram apenas 20 alunos - e por isso a escola não entrou nas contas da Renascença. Mas se estivesse no ranking da disciplina, ficaria fora das 200 melhores: a média foi de apenas 10,5 valores.
Com estes resultados, Matemática foi mesmo a 2.ª pior disciplina da escola nos exames de secundário de 2021, entre disciplinas com 10 ou mais provas realizadas. Usando o mesmo critério, e comparando com os 17 de média a Matemática, mais nenhuma outra disciplina chega perto em 2022: a que se aproxima mais é Física e Química, com pouco mais de 12 valores de média.
Um ano depois, Leonel Oliveira ainda mantém contacto com os "alunos de ouro" através de um grupo de Whatsapp; enviam-lhe dúvidas das cadeiras de faculdade relacionadas com Matemática, mas também voltam à Escola Básica e Secundária da Calheta, para darem palestras sobre o seu testemunho no ensino secundário aos “diamantes em bruto” a quem o professor agora dá aulas.