27 jul, 2023 - 00:23 • José Pedro Frazão
Depois de um estudo sobre o mercado imobiliário português, a Fundação Francisco Manuel dos Santos encomendou um relatório com "caminhos concretos" para responder aos desafios da habitação em Portugal.
Dois dos autores - Paulo M.M.Rodrigues e Rita Fradique Lourenço - são economistas do Banco de Portugal, embora assumam as propostas a título individual.
Coube ao terceiro autor, Hugo Almeida Vilares, professor da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, justificar as recomendações de política pública deste grupo de especialistas, à Renascença.
Nas medidas de curto prazo, tendo em conta a gravidade do problema de acessibilidade à habitação, o vosso documento recomenda uma subsidiação a dois níveis: no arrendamento, face à procura habitacional, e para os proprietários , de forma a responder ao aumento das taxas de juro. Em ambos os casos ,significa que, no fundo, o Estado deve abrir os cordões à bolsa para motivar um mercado que só por si ,sem intervenção estatal, revela bastantes assimetrias. Que razões justificam este tipo de intervenção através da subsidiação?
Registámos no nosso estudo que há um agravamento da Acessibilidade à habitação, tanto no arrendamento como na aquisição, desde 2017. É cada vez mais difícil adquirir e arrendar habitação e não só no centro das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, sendo um fenómeno cada vez mais espalhado territorialmente e que abrange grandes partes das áreas metropolitanas.
Sendo cada vez mais difícil o acesso à habitação, e não se perspectivando uma solução para este agravamento de acessibilidade no curto prazo, a recomendação de política que fizemos é a implementação de medidas de médio e longo prazo, ao mesmo tempo que, no curto prazo, se tentam aliviar situações mais graves de acessibilidade. Aí propusemos uma subsidiação a dois níveis. Primeiro focado no arrendamento, ou seja, subsidiar atuais arrendatários que têm necessidade e dificuldade de aceder à habitação. Num segundo plano, para responder ao aumento significativo de taxas de juro que causa uma restrição de liquidez significativa ao orçamento familiar, [propomos] subsidiar os atuais proprietários.
Sabemos que as medidas de subsidiação ao arrendamento não são extremamente eficazes. De acordo com a literatura, contribuem, por exemplo, para aumentos das próprias rendas e, portanto, parte do apoio reverte para senhorios. Mas são as medidas possíveis, no imediato, para tentar conter um agravamento da acessibilidade à habitação, que foi significativamente forte desde 2017.
O vosso estudo inclui uma análise às políticas públicas que têm sido seguidas noutros países. E aqui, por exemplo, concluem que a subsidiação ao arrendamento e à aquisição tem efeitos indesejáveis significativos , dando até o exemplo dos Países Baixos. É uma medida com algum risco?
Certo, por isso advogamos que devem ser medidas de curto prazo. Nas nossas recomendações, reconhecemos que as subsidiações do arrendamento e de atuais proprietários são medidas que têm imperfeições, distorções, que não são fortemente eficazes, mas são as possíveis. Temos a situação dos Países Baixos e também temos evidências no caso francês de que apoios a subsidiação de rendas, gera um aumento dessas rendas mais substancial que o apoio directo ao arrendatário. Estas medidas são as possíveis de serem adotadas no curto prazo para tentar aliviar situações graves de falta de acessibilidade à habitação.
Na nossa recomendação defendemos que deve haver uma estratégia de médio, longo prazo que estruturalmente permita resolver ou pelo menos melhorar o problema da acessibilidade. E enquanto essas medidas de médio e longo prazo, a 3, 5 ou 10 anos, não tiverem um impacto efetivo no mercado, consideramos que, dada a gravidade do momento, é necessário fazer uma intervenção imediata, mesmo que tenha efeitos indesejáveis, conhecidos e significativos.
A possibilidade do decisor público poder forçar um mercado numa direção ou noutra é algo que deve ser estudado. Há vantagens e desvantagens num e noutro regime
Há sempre vários instrumentos na subsidiação. Por exemplo, nos Países Baixos descrevem as deduções fiscais do pagamento de juros e até inclusivamente, a não cobrança do equivalente ao IMT para os jovens na primeira habitação. Que outras medidas fazem parte destas ferramentas possíveis ?
Aí falamos no âmbito de subsidiação a futuros proprietários. Temos a subsidiação a quem já adquiriu habitação e já tem um empréstimo à habitação e aquela que se dirige a quem vai eventualmente adquirir habitação com recurso a créditos. Nas nossas recomendações, apontamos para um apoio aos atuais proprietários e não tanto um apoio aos futuros proprietários. A base dessa ideia é um conjunto de estudos que nos indicam que apoiar futuros proprietários leva a um aumento mais significativo dos preços da habitação.
Por exemplo, o caso inglês é paradigmático disso. Eles abandonaram um programa extremamente dispendioso, o “Help to Buy” , porque chegaram à conclusão que o apoio não tinha um efeito significativo e levava a aumentos de preços. Em França também concluíram que o impacto desse tipo de programas era reduzido. E nos Países Baixos a conclusão do estudo do Fundo Monetário Internacional vai na direção de contribuir decisivamente para o aumento do endividamento, algo que é problemático a médio e longo prazo.
Nas nossas recomendações, focamo-nos em apoiar a acessibilidade à habitação e, portanto, apoiar quem já está no mercado, tanto do ponto de vista de arrendamento como do ponto de vista dos proprietários, devido aos problemas de liquidez gerados pelo aumento da taxa de juro.
A base de apoio de política pública no imediato deve estar focada no arrendamento. Temos que garantir que, enquanto não conseguirmos transitoriamente atenuar os graves problemas de acessibilidade que se começam a registar em Portugal, as famílias têm acesso a uma habitação e conseguem efetivamente suportar as rendas que estão implícitas nos contratos.
Há um conjunto de medidas em relação aos atuais proprietários que têm vindo a ser tomadas em vários países e também em Portugal, como nos cálculos em relação à taxa de esforço ou a possibilidade de estender ou prolongar as maturidades de alguns empréstimos. Como é que se consegue, por exemplo, contornar esta dependência excessiva que há no mercado português em relação à taxa variável ? A política pública pode agir, em contexto de mercado, ao ponto de forçar a banca a providenciar mais taxas fixas em vez de variáveis ?
É uma excelente questão. O ideal é que cada família analise o caso concreto para si e tome uma decisão. As taxas variáveis têm maior volatilidade e colocam-se na predisposição de situações como a atual, de aumento significativo de taxas de juro que causa restrições fortes da liquidez no orçamento das famílias, enquanto que as taxas fixas ou processos de taxa mista, dão uma estabilidade e previsibilidade maiores ao orçamento familiar, porque este não é afetado por variações da prestação do crédito hipotecário.
A possibilidade do decisor público poder forçar um mercado numa direção ou noutra é algo que deve ser estudado. Há vantagens e desvantagens num e noutro regime. Por exemplo, a taxa variável foi benéfica durante vários anos num contexto de taxas de juro baixas. Se contratar uma taxa fixa a 30 anos e, daqui a uns anos, a taxa de juro voltar a descer, provavelmente terá perdas nesse processo.
Há autonomizações que podem ser feitas e isso merece uma reflexão cuidada. Nós apontamos na direção de refletir a situação dos atuais proprietários para evitar problemas de liquidez. No que diz respeito aos contratos de crédito, é importante fazer uma reflexão cuidada das implicações, tanto do ponto de vista macro prudencial para os bancos, como do ponto de vista das famílias, e acompanhar a situação.
Tivemos um instrumento que existiu durante a pandemia e há já algumas lições sobre os seus impactos. É o caso das moratórias, que são também uma possibilidade que existe noutros países em relação aos pagamentos das prestações. No caso português, durante a pandemia as moratórias não redundaram em grandes problemas de incumprimentos. Foi um processo aparentementemente controlado. Se correu assim, tendo em conta a excepcionalidade em relação às taxas de juro, não é um mecanismo que pode ser repetido ?
Pode ser equacionado e acaba por de alguma forma providenciar uma medida alternativa relativamente a uma subsidiação direta. Terá sempre impacto do ponto de vista macro prudencial para os bancos. Convém ponderar alterações aos contratos vigentes relativamente ao sistema financeiro e às famílias, face à dimensão dos seus impactos. Apontamos sem dúvida como recomendação que se deve ter em atenção os atuais proprietários, particularmente os que estão a sofrer problemas de liquidez significativa, para que se possam adaptar. Aqui há uma questão de tempo, houve uma subida muito rápida de taxa de juro que alterou significativamente as prestações num espaço muito curto de tempo, o que pode criar problemas significativos. Convém ganhar aqui algum tempo para que as famílias se ajustem efectivamente à nova realidade.
E, portanto, no curto prazo, parece-nos que é possível adotar [o controlo de rendas] sabendo que este tipo de política tem efeitos significativamente perversos se perdurar no tempo
Faz sentido bonificar as famílias que estão já com grande esforço na percentagem acima do indexante, por exemplo, de 3% ?
A calibração concreta tem que ser vista no caso específico. A bonificação da taxa de juro é uma subsidiação aos atuais proprietários. A percentagem deve ser analisada no caso concreto e deve ser ponderada. Mas, sim, vai na direção daquilo que nós sugerimos enquanto recomendação de política pública.
A descida de taxas de juro será eventualmente lenta. Há uma expectativa de uma normalização num espaço de até 3 anos. Podemos balizar de alguma forma o que é verdadeiramente de curto prazo, tendo em conta que as taxas de juro podem ter uma descida mais lenta do que a velocidade com que subiram ?
Sem dúvida que a situação, em termos de política monetária, tem sempre um grau de incerteza. Não consigo dizer e é difícil que alguém lhe diga com certeza qual vai ser a evolução futura das taxas de juro. O fundamento das medidas de curto prazo que recomendamos é fundamentalmente o agravamento da acessibilidade à habitação, que ocorre não necessariamente pela subida das taxas de juro. Todos os nossos cálculos usaram a taxa de juro média do Eurosistema desde a sua criação. São cerca de 20 anos de taxas de juro e não é esta subida em concreto que nos orienta. E mesmo utilizando uma taxa de juro média, assistiu-se a um agravamento muito substancial nas dificuldades de aceder à habitação.
Convém rever a duração das decisões à medida que vamos caminhando, mas a estratégia que recomendamos é ganhar tempo no curto prazo para que as medidas comecem a ter impacto e comecem a chegar ao mercado e comecem a fazer com que o agravamento da acessibilidade seja revertido.
Não vai acontecer de hoje para amanhã. Para ganharmos tempo para que medidas de médio e longo prazo tenham efeito, precisamos de evitar situações graves de acessibilidade. Recomendamos que se subsidie o arrendamento para garantir que as famílias tenham habitação e que se subsidiem os custos dos atuais proprietários que estão em dificuldades de liquidez com essa prestação mensal do crédito hipotecário.
É uma estratégia mais global, um olhar para o mercado de forma estrutural. É verdade que tivemos uma subida significativa das taxas de juro, mas o nível nem é invulgar face ao histórico do eurosistema. Tivemos taxas de juro superiores antes de 2008. Não é garantido que as taxas de juro vão baixar ou vão subir. O grande mecanismo que está por detrás da nossa preocupação é efetivamente a dinâmica de preço que tem depreciado imenso a capacidade de acessibilidade das famílias.
Recomendam um certo controlo de rendas mas mostram preocupação em relação a esta medida. Em que é que se baseia para encontrar um pouco mais de prós do que contras na medida, sendo que estão a falar sempre de uma intervenção cirúrgica de curto prazo ?
A ideia é o horizonte temporal. Consideramos que controlos de rendas de médio longo prazo têm efeitos - que descrevemos no estudo - que são distorcionários, que diminuem e deprimem o próprio mercado e que acabam, eventualmente, por apoiar grupos populacionais que não estavam no objetivo central da política inicialmente adotada e que acabam por colocar em causa a própria manutenção do parque habitacional com impactos futuros de degradação incluindo da própria estrutura de mercado. Por isso, focamo-nos no curto prazo na adoção deste tipo de medidas.
Houve uma grande evolução dos preços, particularmente desde 2017, que foi significativa e exuberante e, portanto, gerou ganhos de capital aos investidores. Se aplicarmos esta medida num horizonte temporal, limita os ganhos potenciais, mas mantém uma taxa de retorno para os senhorios que é aceitável e que permite que o mercado não comece imediatamente a reduzir-se com redirecionamento de casas do arrendamento, por exemplo, para o mercado de venda.
Estudo
Estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos apo(...)
Baseamo-nos também em estudos internacionais. Por exemplo, no caso de Barcelona, foram implementadas medidas de controlo de rendas sobre o seu aumento que, inclusivamente, abarcavam vários contratos para a mesma habitação. Os estudos permitem chegar à conclusão de que as rendas diminuíram cerca de 6% com à introdução deste tipo de medidas e que houve um impacto nulo no número de habitações disponíveis. E, portanto, no curto prazo, parece-nos que é possível adotar [o controlo de rendas] sabendo que este tipo de política tem efeitos significativamente perversos se perdurar no tempo.
No exemplo alemão, em 2015, foi introduzido um controlo do aumento de rendas que, por acaso, não afetava mais do que um contrato na mesma habitação, ou seja, controlava-se o aumento de rendas em determinado contrato, mas se surgisse um novo contrato na mesma habitação, já não havia controlo. O que aconteceu foi que as vendas diminuíram 5%, mas, passado um ano, o efeito desapareceu, porque o mercado reagiu e passou a fazer contratos de mais curta duração e conseguiu evitar que os controlos de rendas fossem efectivos.
Este tipo de políticas públicas pode, no curto prazo, anular o crescimento das rendas sem deprimir o número de habitações disponíveis no mercado. Mas, à medida que vamos para o médio e longo prazo, começa a ter efeitos negativos que ultrapassam as eventuais vantagens que poderia ter no curto prazo. E aqui estamos a falar de controlos dos aumentos das rendas terrenas e não de fixação de rendas, que teria um efeito significativamente pior e mais imediato e que, na nossa ótica de recomendação, é de evitar.
Em matéria de alojamento local recomendam que as intervenções que existam nas restrições em particular, sejam muito cirúrgicas também do ponto de vista geográfico, quase ao nível da freguesia.
Efectivamente o alojamento local pode contribuir para a gentrificação turística, ou seja, tornar bairros e freguesias fundamentalmente turísticas e sem habitantes permanentes. Isso é, naturalmente, deve ser evitado. O alojamento local contribui para um aumento de 15 a 17% dos preços, na aquisição e nas rendas nesses locais . Mas também temos que ser sensíveis ao facto de haver realidades muito diversas. Por exemplo, em Lisboa, a temos, a Baixa, a Avenida da Liberdade, a Estrela, Arroios, têm uma percentagem muito significativa do parque habitacional alocada ao alojamento local. Mas temos também outras freguesias como Benfica, Beato ou Lumiar, onde a penetração do alojamento local é muito mais baixa.
Advogamos a adoção de medidas numa estratégia local que garanta que a atividade do alojamento local esteja harmoniosamente dispersa no espaço e que as unidades de maior valor acrescentado possam perdurar, não deprimindo a atividade turística que é relevante enquanto atividade econômica e que é geradora de emprego e que, portanto, se possa gerar um equilíbrio.
Achamos que é mais fácil atingir esse equilíbrio e a calibração deve ser feita entre onde eventualmente podemos ter mais e menos restrições e para onde direcionar este investimento, se houver uma estratégia municipal, local ou intermunicipal de abordagem ao alojamento local.
Porque não defendem as restrições à aquisição e ao arrendamento por estrangeiros?
Essa é uma excelente questão. Nos estrangeiros, grande parte da procura direcionada para Portugal é feita por cidadãos europeus, que têm direitos adquiridos para comprar e arrendar habitação em Portugal.
Olhámos para a dimensão dos programas que existem, por exemplo, de Vistos Gold, dos próprios nómadas digitais e dos residentes não habituais. Chegámos à conclusão que, além do valor acrescentado que estes profissionais podem trazer à atividade económica do país, o impacto de “remover” estes cidadãos é limitado. Estamos a falar de cerca de dez mil Vistos Gold em 10 anos, que representaram um investimento de cerca de 0.2% do PIB, enquanto que, em 2022 o investimento imobiliário em Portugal foi de 13 %.
Nem sequer podemos remover esta procura externa dado o nosso enquadramento internacional, nomeadamente ao nível da União Europeia. Por um lado, não resolve o problema da acessibilidade em Portugal e, por outro lado, em grande medida, nem sequer era exequível. Direcionar estratégias e políticas de habitação nesse sentido não seria significativo em termos de acessibilidade à habitação em Portugal.
O parque habitacional público devia dar uma resposta aos primeiros 10 a 15% por cento da população em termos de rendimentos e, hoje em dia, não dá
Vamos às medidas propostas para o médio prazo. Uma delas é a limitação do parque habitacional, com a definição de áreas de expansão habitacional no seio das áreas metropolitanas. Estão no fundo a pedir que no planeamento, seja Planos Directores Municipais ou Planos regionais, sejam claramente definidas as áreas de expansão das cidades de uma forma muito criteriosa ?
Sim, pretendemos que haja uma reflexão ao nível das áreas metropolitanas e intermunicipal, para definir prioridades de expansão que garantam um planeamento harmonioso do território, que garanta um desenvolvimento sustentável da construção, alicerçado numa política de transportes que crie novas centralidades nas áreas metropolitanas e que, portanto, desbloqueiem território que permita aumentar a oferta habitacional e assim diminuir preços e rendas.
Há um exemplo no estrangeiro que possa citar como um bom exemplo ?
Há vários exemplos de expansão habitacional em várias cidades. Por exemplo, isso aconteceu em Londres. Em Madrid, há projetos de expansão habitacional, para tentar efetivamente criar novas áreas. Mas podemos não ir para fora e focar-nos em Lisboa, se pensarmos, por exemplo, no fenómeno da Parque Expo, que não existia enquanto parque habitacional. Foi possível ,através de um planeamento integrado, com provisão de serviços públicos e de rede de transportes efectiva, que se criasse uma nova centralidade em Lisboa e que aquela freguesia tivesse um rejuvenescimento significativo. Ou seja, é possível refletir áreas de expansão nas próprias cidades para conseguir aumentar o parque habitacional disponível e efetivamente capaz de ser arrendado e de ser adquirido pela população.
E o que defendem ao nível do parque habitacional público em Portugal? É residual, muito pequeno.
Sim, o parque habitacional público em Portugal é pequeno em comparação com os dados europeus. Estamos a falar de cerca de 2,5% do parque habitacional que, até de acordo com estudos internacionais da própria Comissão Europeia, direciona-se fundamentalmente a situações de emergência, da alteração de condições de vida e situações de emergência social imediata e também aos agregados familiares de menores rendimentos nos primeiros percentis na distribuição de rendimentos.
O parque habitacional público devia dar uma resposta aos primeiros 10 a 15% por cento da população em termos de rendimentos e, hoje em dia, não dá. Temos um parque habitacional público que não garante uma resposta aos casos mais extremos de pobreza e, portanto, deve ser aumentado, procurando garantir coesão social e territorial.
É interessante que o parque habitacional público não se centre num bairro inteiro, mas que possa ser disperso pelas cidades e pelas áreas metropolitanas de forma relativamente harmoniosa, para garantir que, em situações de emergência social, o Estado consiga dar uma resposta efectiva .
Hoje em dia há dificuldades devido a um parque habitacional público muito reduzido. E [é desejável] ao mesmo tempo que essa resposta não contribua, por exemplo, para a guetização das cidades, que é algo que devemos evitar. É um percurso que se tem que fazer. O Estado tem que identificar edifícios que já tem e que possam ser preparados para serem parte do parque habitacional, [identificar] que terrenos tem onde pode promover construção de habitação. Mas que o faça de uma forma integrada na cidade e que gere uma malha urbana harmoniosa.
Uma das propostas de médio prazo é “repensar a fiscalidade” a vários níveis, nomeadamente da construção na reabilitação urbana e falam em vários impostos. As reformas fiscais são sempre bastante sensíveis e não existem todos os anos. Quais são os pontos centrais em que se deve centrar essa reforma fiscal a favor da habitação em Portugal?
Em primeiro lugar, é bom que não haja reformas fiscais todos os anos. Esse é um dos primeiros pontos que recomendamos. Deve ser feita uma análise cuidada dos diferentes impostos e taxas que existem num processo que vai desde a ideia de construção, fazer o pedido de informação prévia, avançar para o licenciamento, fazer a construção, etc, até à aquisição da habitação por alguém.
É paradigmático que nos últimos 5 a 6 anos tenha havido um grande crescimento dos preços da habitação e das rendas e, portanto, as taxas de imposto aplicadas e até mesmo as isenções que existiam - por exemplo, ao nível do IMT - passaram a ter menos pressão. E, portanto, os impostos aumentaram muito de valor. Por exemplo, a proporção que é entregue ao Estado numa entrada para aquisição de uma habitação é cada vez maior. Advogamos que isso deve ser repensado, reequilibrado e feito com estabilidade, fomentando o investimento, evitando excessivas restrições entre nova construção e reabilitação.
O objetivo deve ser a promoção do aumento do parque habitacional, seja por reabilitação - que é extremamente útil porque desbloqueia habitações ao mercado e aumenta a qualidade habitacional e a qualidade de vida das pessoas – seja também através de nova construção que, como sabemos , tem estado em mínimos históricos nos últimos anos.