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Reportagem

"É lamentável". Imigrantes enfrentam frio nas filas para atendimento nos serviços públicos

16 jan, 2025 - 08:15 • João Cunha

As filas contínuas nos serviços de atendimento a imigrantes continuam e torna-se mais dramático suportar horas de espera, durante a noite, com as baixas temperaturas dos últimos dias.

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É uma das últimas da fila, já formada há algum tempo à porta do Centro Hindu de Lisboa, ao Lumiar, onde funcionam parte dos serviços da AIMA - a Agência para a Integração, Migrações e Asilo.

"Vim tratar da minha residência", explica Ana Carolina, à Renascença, uma jovem brasileira há pouco mais de um ano em Portugal.

"Espero conseguir o meu documento, porque já estou há um ano a tratar disso", diz, confessando que a tecnologia podia ajudar na mais rápida resolução de muitas questões ligadas a estes processos relacionados com imigrantes.

"A tecnologia podia facilitar mais, creio que sim", dando como exemplo algo que considera totalmente incompreensível: pedir documentos em papel a entidades, que depois terá de "carregar" numa página de um serviço estatal que os solicitou.

Centro Hindu, no Lumiar   Foto: João Cunha/RR
Centro Hindu, no Lumiar   Foto: João Cunha/RR
Centro Hindu, no Lumiar   Foto: João Cunha/RR
Centro Hindu, no Lumiar   Foto: João Cunha/RR

"Tinha muito mais sentido ser esse serviço estatal a conseguir esses documentos, em tempo real, sobretudo porque estamos a falar de serviços do estado", refere.

Do outro lado da cidade, na loja do Cidadão do Saldanha, já serão cerca de 150 os utentes em fila, por volta das 07h00. O primeiro, embrulhado em duas mantas, chegou ao início da madrugada. Não fala português, nem sequer inglês, não se percebendo por isso o que ali pretende tratar.

Lá mais para trás, na já imensa fila, duas jovens que se percebe serem estrangeiras. "Somos dinamarquesas", explicam, admitindo que para elas, o frio que se faz sentir, de dois ou três graus centigrados, não as incomoda.

"Estamos habituadas. Ao frio, mas não a estas filas para tratar de documentos", diz uma delas, que bebe um chá quente, comprado numa máquina ali nas proximidades.

A meio da fila, Ester da Silva vai tentar conseguir uma senha nas finanças para proceder à alteração da morada.

"Para conseguir chave móvel, que quero entregar noutro balcão, para conseguir fazer a alteração de morada", explica, enquanto puxa para o pescoço um lenço que tem á cabeça.

É o segundo dia que ali está. "É muito cansativo. Primeira coisa, tem de vir muito cedo, para a fila onde está muita gente e ficar aqui até às nove horas da manhã. É muito cansativo".

Ao lado de Ester, Vitor Silva esfrega as mãos, uma na outra, para as tentar aquecer.

"Estou aqui porque há uma senhora amiga, com alguma idade, que saiu do hospital há pouco tempo, e achei que era oportuno vir guardar o lugar por ela, porque é inadmissível uma senhora com alguma idade vir para aqui às seis da manhã e estar três horas à espera, com uma condição de saúde não muito boa", adianta, acrescentando que na sua opinião ainda há muita coisa a melhorar nos serviços públicos.

"Há muita burocracia e muitas vezes o atendimento não é dos melhores. Muitos nem sequer falam português. As pessoas sentem-se muito perdidas. Mesmo nós, que vivemos cá e que somos portugueses, andamos às aranhas, quanto mais eles. Isto é lamentável".

Também não é o que esperava Pedro Alves, em Portugal há dois anos, e que está no serviço de Finanças da Fontes Pereira de Melo, ao lado do Teatro Villaret.

"Não é o que a gente esperaria, mas não há outra hipótese. Estou aqui para alterar a morada dos meus filhos. Já tentei pelo portal das Finanças, mas informaram-me que devia vir aqui, presencialmente. Disseram-me para estar cá às três da manhã, mas cheguei às cinco e tal e já havia pessoas cá", como o casal que está sentado em cadeiras de campismo, a dormir, embrulhados num monte de mantas para suportar o frio.

"Se eu pudesse estar agora em casa, a dormir, que daqui a pouco tenho de ir trabalhar, seria melhor", remata Pedro, que confessa que esperava que a era digital já tivesse chegado aos serviços públicos.

"Eu trabalho longe, em Vialonga. Se houvesse uma alternativa mais simples, otimizada, facilitaria a minha vida e a de todos".

Há sete anos a residir em Setúbal, Paulo Campos, que está à porta da Conservatória dos Registos Centrais, na Rua Rodrigo da Fonseca, aponta outros problemas.

"Pelo que sei, em Setúbal, a falta de funcionários é imensa. E aqui há funcionários em greve, eu sei porque eu já vim aqui antes. Cheguei um pouco mais tarde e não consegui nada. E pediram-me para voltar noutro dia de manhã. Duas semanas depois, resolvi voltar", refere, sublinhando que "é inaceitável".

Está ali para conseguir um código de acesso a um portal para consultar o seu processo de obtenção de nacionalidade. À hora de abertura de portas conseguiu uma senha e lá esperou, mais algum tempo, até ser atendido.

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  • Alberto
    16 jan, 2025 tadim- braga 09:54
    "É lamentável". Imigrantes enfrentam frio nas filas para atendimento nos serviços públicos?...como assim? todos enfrentamos os frio, seja ir para as filas ou não, por acaso querem aquecimento na rua?...menos, muito menos.
  • Anastácio Lopes
    16 jan, 2025 Lisboa 09:54
    Se é verdade que é desumano e vergonhoso todos estes seres humanos estarem ao frio e á chuva, por causa de uma desorganização do Estado e dos seus serviços, sem responsabilizar dirigente algum por essa falta de organização dos serviços pelos quais são pagos para os saberem dirigir, o que nunca souberam fazer como mais este exemplo disso nos faz prova diariamente, não é menos verdade que semelhantes vergonhas, para os que sabem o que é isso de vergonha, se continuam a passar nos centros de saúde, hospitais e suas urgências, onde semelhantes seres humanos são humilhados e desrespeitados para poderem aceder a um ato médico, tempos de espera estes que continuam a implicar óbitos, pelos quais ninguém responde, pois nem o acesso aos cuidados de saúde primários dos outros sabem respeitar e sobre os quais nada é dito nem vejo a mesma preocupação neste alegada notícia, o que se verifica, num país que continua a ter o Princípio da Igualdade de Tratamento para todos e todas respeitarem, mas que continua a ser letra morta, pois nem ao respeito se sabem dar, pois tanto nuns casos como noutros, são direitos dos cidadãos que estão a ser desrespeitados por quem para isso nunca foi ou será pago pelo erário público português, mas apesar disso, as faltas de vergonha, brio profissional e de honestidade intelectual, impõem-nos estas vergonhas, o que se verificará sempre enquanto os cargos de dirigentes nos Centros de Saúde e hospitais, continuarem a ser ocupados por conveniência política.

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