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Belas “praticamente desapareceu”, Queluz “está igual”. A “superfreguesia” de Sintra vai voltar a dividir-se em duas

17 jan, 2025 - 07:00 • Alexandre Abrantes Neves , Salomé Esteves (infografia)

Os habitantes de Belas dizem ter passado para "segundo plano" com a união das freguesias, já em Queluz as diferenças sentiram-se pouco, mas as ruas "continuam sujas". Doze anos depois, Queluz e Belas voltam a separar-se - para mal dos Bombeiros Voluntários, que temem uma quebra no apoio financeiro.

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Belas “praticamente desapareceu”, Queluz “está igual”. A “superfreguesia” de Sintra vai voltar a dividir-se em duas
Ouça aqui a reportagem da Renascença. Foto: Lara Castro/RR

De um lado, o baralho de cartas, do outro, a pilha de jornais. São melhores amigos na rotina de João Bonifácio, que passa os dias nesta associação de apoio à terceira idade, mesmo no centro de Belas. Nesta manhã, ainda não jogou nenhuma partida de sueca. Ficou preso nas "gordas" de um dos jornais. A expressão “separação de freguesias” traz-lhe más memórias.

“Quando nos juntaram a Queluz, começou o descalabro. Belas não tem nada. Tudo o que Belas tinha desapareceu. Tinha um autocarro que desapareceu, tinha uma camioneta que desapareceu, tinha um carro que desapareceu. A pior coisa foi ainda pôr os velhos a subir aquela rampa para o Monte Arroio, onde fizeram o centro de saúde”, lamenta.

João tem 89 anos e vive em Belas desde que nasceu. Aqui estudou, construiu família, educou os filhos. Fez parte dos bombeiros, passou o primeiro dia da reforma entre estes cafés, passeou os netos por estas ruas. Conhece a freguesia e estas gentes como “a palma da mão” e, por isso, diz-nos: “Os 'velhos' de Belas não podem com Queluz. Passámos nem foi para segundo plano, foi para quarto ou quinto”.

Como forma de comprovar a sua tese, aponta com o dedo para quem está sentado numa mesa ali a dois passos. Manuel Costa, de 81 anos, critica os “oportunistas” que deixaram Belas “reduzido a uma aldeia”. E afirma que a diferença de tratamento – entre Queluz e Belas – se sente no dia-a-dia.

O diretor do Agrupamento Escolas Queluz-Belas alerta que o apoio financeiro dado pela atual União de Freguesias às escolas primárias não é suficiente. Foto: Lara Castro/RR
O diretor do Agrupamento Escolas Queluz-Belas alerta que o apoio financeiro dado pela atual União de Freguesias às escolas primárias não é suficiente. Foto: Lara Castro/RR
Nas ruas de Belas e de Queluz, há ainda muitos sinais do tempo em que as duas freguesias eram separadas. Foto: Lara Castro/RR
Nas ruas de Belas e de Queluz, há ainda muitos sinais do tempo em que as duas freguesias eram separadas. Foto: Lara Castro/RR
Segundo o Censos 2021, a União de Freguesias alberga 52.414 habitantes, a maioria na zona de Queluz - que tem, no entanto, uma área muito menor (três quilómetros quadrados face aos mais de 21 quilómetros quadrados de Belas). Foto: Lara Castro/RR
Segundo o Censos 2021, a União de Freguesias alberga 52.414 habitantes, a maioria na zona de Queluz - que tem, no entanto, uma área muito menor (três quilómetros quadrados face aos mais de 21 quilómetros quadrados de Belas). Foto: Lara Castro/RR

Aqui é os caixotes de lixo tudo cheio. Os caixotes vêm partidos de lá de Queluz para aqui, vamos ver as ruas é só ervas. Em Queluz, não se vê nada daquilo. Acho que isto merecia ser freguesia: sempre foi”, afirma, para logo a seguir bater com o punho na mesa: “Caso arrumado”.

Queluz com os problemas “na mesma”

Na outra banda da freguesia, a história é outra: aqui, mal se sentiram os efeitos da união de freguesias, aprovada em 2013 com a chamada Lei Relvas.

“Não me lembro de nada, para mim foi tudo igual. Não afetou a minha vida, está tudo na mesma”, conta à Renascença, Maria Ferreira, que sempre teve casa em Queluz, umas ruas acima do parque onde a apanhamos. As diferenças não existiram, mas mesmo assim apoia a divisão que está na calha: “Isto é uma coisa muito grande, uma superfreguesia. São pessoas diferentes, outros hábitos. As pessoas sentem que fazem parte ou de Belas ou de Queluz”.

É o caso de Susana Ferreira. Não vive em Queluz, mas é por aqui que trabalha há mais de uma década. Lembra-se do anúncio da alteração em 2013 – mas diz que nada mudou. Já ouviu falar do passo atrás que o parlamento se prepara para aprovar – e também duvida que alguma coisa vá mudar. “Queluz não pertence a outra câmara. Isto é só o desenho de uma linha”, desvaloriza.

Com ou sem linha, a “esperança” de Susana para as próximas autárquicas é que as ruas se tornem mais limpas, “especialmente perto da estação”. E não é a única a pedi-lo.

Mariana Sousa chegou de Loulé em setembro e, até agora, dá nota negativa ao que vê e ouve fora de casa. Conta à Renascença que não há dia em que não repare na sujidade nas ruas, não acorde a meio da noite com o barulho na rua ou não passe por zonas mal iluminadas. “Parece que não apostam em nada. Está tudo mal em Queluz”, resume.

Bombeiros com receio, escolas com esperança

Nos Bombeiros Voluntários de Belas (BVB), o anúncio quase certo da divisão de freguesias fez soar a campainha de emergência. Se nada tivesse mudado em 2013, o presidente da associação BVB, António Gualdino Ribeiro, acredita que teriam caído por terra muitos dos avanços conseguidos nos últimos anos.

“Há uma série de serviços que nós fazemos para a junta: transportes de água, serviços de emergência, serviços de festividades. São fruto de um protocolo que está assinado e de onde advém uma verba à volta de 3 mil euros ou mais anualmente e que não sabemos como vai ser agora. Com a freguesia anterior, não havia. A freguesia de Belas é muito mais pequena e, não havendo tanta verba, poderá não ter condições financeiras para apoiar os bombeiros”, antecipa.

Entre Queluz e Belas, o agrupamento de escolas reúne, entre jardim de infância, ensino básico e secundário, nove estabelecimentos de ensino, que albergam milhares de alunos. Por lei, a junta de freguesia é obrigada a fornecer material de limpeza às escolas primárias e aos jardins de infância. E isso nem sempre tem corrido bem.

“Nos últimos dois anos não correu assim tão bem quanto isso, porque a verba que nós temos recebido não cobre toda a despesa que fazemos. Estamos a falar de diferenças de 300 ou 400 euros por ano, não é especialmente significativo, apesar de tudo”, relata à Renascença o diretor, António de Oliveira Duarte.

O responsável pelo agrupamento prevê, contudo, um “impacto neutro” da desagregação das freguesias na comunidade educativa – a proximidade geográfica vai continuar a ser o critério primordial na distribuição dos alunos pelas escolas e, ao contrário de muitos outros agrupamentos, os fundos para as atividades extracurriculares aqui “dependem unicamente” da Câmara Municipal de Sintra.

Os primeiros tempos serão, ainda assim, de ajustes na divisão de despesas asseguradas pela juntas (que deve ser “proporcional” ao número de alunos e de escolas), mas a esperança é que o “bom espírito de colaboração” continue.

“Em algumas situações, em que temos precisado de apoio, têm colaborado connosco. Nós também, quando a junta precisa – e já precisou, em tempos, de salas – nós disponibilizámos as salas. As coisas têm corrido bem aqui e eu não vejo que, pela desagregação de freguesias, venham a correr melhor ou pior”, remata.

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