24 jan, 2025 - 06:30 • Miguel Marques Ribeiro
A nova lei dos solos vai ter uma influência “mínima” no preço de mercado, garante um estudo da Universidade de Coimbra. O decreto-lei que vai ser votado esta sexta-feira na Assembleia da República pretende baixar o preço das casas em 20%.
No entanto, a pesquisa realizada pelo Departamento de Arquitetura da Universidade de Coimbra conclui que apenas as famílias com maiores rendimentos vão poder comprar as casas que cheguem ao mercado quando a lei começar a ser aplicada. Em quase metade dos municípios de Portugal, só um em cada cinco habitantes seriam capazes de pagar uma habitação colocada no mercado a “valor moderado”.
Ou seja, “o mercado continuará, mais ou menos, a funcionar como já estava”, sublinha o arquiteto Nuno Travasso, que conduziu a pesquisa.
O Decreto-lei 117/2024 autoriza os municípios a reclassificar como solo urbano terrenos até agora destinados a uso rústico, com o objetivo de aumentar o número de habitações no mercado. Uma condição deve ser cumprida: que 70% da área total reclassificada “se destine a habitação pública, ou a habitação de valor moderado”, diz a lei.
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Desta forma, os promotores privados que venham a beneficiar da reclassificação dos solos não podem praticar os preços que entenderem. Vão ter de se balizar pelo "valor moderado", que não pode exceder “o valor da mediana (…) para o território nacional”, ou, caso esta condição não se cumpra, o que pode suceder naqueles locais onde os preços das casas são particularmente elevados, ser superior a 125% do valor da mediana concelhia “até ao máximo de 225 % do valor da mediana nacional”.
Ao impor este limite, o executivo espera que os preços das habitações comecem a baixar, mas as conclusões do estudo intitulado “Quem consegue pagar uma habitação de ‘valor moderado’?” vão noutro sentido. Nuno Travasso fez uma análise comparativa entre o conceito de “valor moderado” e a capacidade financeira das famílias residentes em Portugal.
Em quase metade dos municípios, só 20% dos habitantes seriam capazes de pagar uma habitação colocada no mercado a “valor moderado”, sem ultrapassar a taxa de esforço fixada nos 35% do rendimento mensal no Programa do Arrendamento Acessível.
Nos principais centros urbanos esse indicador é mesmo inferior: “No Porto são 14% das famílias, em Lisboa 16% das famílias. E quando chegamos ao Algarve estamos a falar de valores sempre abaixo dos 10%, 5%”.
Desta forma, conclui o investigador da Universidade de Coimbra, a nova lei dos solos “basicamente não altera nada. Mantém-se tudo como está”, com a habitação a ser acessível apenas à camada da população com maiores rendimentos.
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Para uma família com rendimentos medianos, a compra de uma casa disponibilizada no mercado a valor moderado implicaria taxas de esforço entre o “muito elevado e o proibitivo” (entre os 50% e os 164% do rendimento).
No Porto essa taxa é de 129% e em Lisboa de 116%, o que significa que as famílias teriam mesmo de “gastar mais do que o seu salário só para pagar o crédito”.
Na sua pesquisa, Nuno Travasso tomou como exemplo a aquisição de um apartamento com 90m2 por um casal jovem, com rendimento correspondente à mediana do município, através de um crédito a 100%, garantia pública para crédito jovem, por 35 anos, com taxa variável, Euribor a 6 meses, e prestação reduzida. Consultou os dados mais recentes do INE e cruzou a informação.
“Não se percebe muito bem qual é o interesse público que estará a justificar a introdução deste conceito na legislação”, reforça o arquiteto, até porque se “abre um espaço na legislação que acaba por legitimar ou até fomentar um conjunto de apoios e de incentivos para um regime que que na prática, reproduz o mercado que já existia”.
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Em causa, pode estar também uma subida de preços dos terrenos rústicos, devido à “criação de expectativas nos proprietários dos terrenos rústicos. Isto faz subir o preço nas áreas rústicas do solo e isso também vai ter impactos negativos na produção agrícola. Portanto, os agricultores que queiram arrendar ou comprar a terrenos para a produção agrícola florestal também vão ter maior dificuldade”.
Para o investigador o caminho para resolver a crise da habitação não passa por ampliar os perímetros urbanos, mas sim, por trazer para o mercado os solos e fogos que existem e estão subaproveitados.
“Temos 720 mil casas vazias. Ou pelo menos era assim em 2021. Só nas duas áreas metropolitanas são 235 mil. Portanto, temos aí muitas casas vazias e temos muito terrenos à espera.”
Segundo este académico, seria preciso desenvolver uma política fiscal e de incentivos adequada "para que de facto se incentive os proprietários a colocar os seus solos no mercado. Porque neste momento, quem não faz nada simplesmente está a ganhar dinheiro todos os dias”, conclui.
Em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, o ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, deu alguns exemplos de preços de casas após a, eventual, aprovação das alterações à lei dos solos.
"Por exemplo, com esta lei, um T2 novo com 80 m² em Sintra pode custar 210 mil euros. Em Aveiro, vai pagar 198 mil euros. Em Setúbal, 192 mil euros. No Barreiro, 177 mil euros. Em Gondomar, 162 mil euros. Em Viana do Castelo, 141 mil euros. Em Guimarães, 133 mil euros", elencou Castro Almeida.