12 fev, 2025 - 19:20 • Filipa Ribeiro , Diogo Camilo , Anabela Góis
A ministra foi esta quarta-feira ao Parlamento dizer que há menos 200 mil portugueses sem médico de família do que havia no ano passado, e que em janeiro do ano passado eram quase 1,9 milhões de portugueses nesta situação, mas os números oficiais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) são diferentes.
Segundo os números do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde, consultados pela Renascença, em janeiro de 2024 estavam 1.647.700 pessoas sem médico de família atribuído - menos cerca de 250 mil do que disse Ana Paula Martins na Comissão de Saúde na Assembleia da República.
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A ministra avançou ainda um número de quase 1,7 milhões de portugueses sem médico de família no final deste mês de janeiro. No portal do SNS, os números de janeiro só ficarão disponíveis no final deste mês, mas a confirmarem-se, significariam uma subida de 165 mil pessoas nesta situação ao relação aos números divulgados no último mês de 2024.
As declarações confusas da ministra significariam também que Portugal tem hoje mais utentes sem médico de família do que quando o Governo iniciou funções. O executivo de Luís Montenegro, com Ana Paula Martins na pasta da Saúde, tomou posse em abril do ano passado e, em março, o país tinha 1.539.222 utentes sem médico de família atribuído.
Se os números que a ministra avançou no Parlamento forem verdade - cerca de 1,7 milhões nesta situação -, são quase mais 150 mil portugueses sem médico de família com o novo Governo.
A Renascença tentou obter explicações por parte do gabinete de Ana Paula Martins sobre as discrepâncias dos números, mas não recebeu resposta.
Os números avançados pela ministra da Saúde são confusos, mas não precisavam de ser. Se janeiro deste ano seguir a trajetória de 2024, as notícias são boas. Isto porque, em dezembro do ano passado, o número de portugueses sem médico de família atribuído foi o mais baixo desde dezembro de 2022.
No último mês para o qual são conhecidos números, eram 1.522.545 portugueses nesta situação. Para encontrar um número mais baixo, é preciso recuar dois anos, encontrando 1 milhão e 494 mil portugueses sem médico de família.
A diferença que a ministra referiu, de menos 200 mil portugueses sem médico de família no espaço de um ano, é mesmo verdade. Se compararmos dezembro de 2023 e dezembro de 2024, há hoje menos 202 mil pessoas nesta situação.
O pico de portugueses sem médico de família aconteceu em maio de 2023, segundo os números do Portal da Transparência do SNS, quando haviam 1.757.747 portugueses sem médico de família atribuído - cerca de 16,6% dos inscritos no sistema de informação de Cuidados de Saúde Primários.
Neste momento, com 1,52 milhões nesta situação em dezembro do ano passado, a percentagem está nos 14,5% dos 10,5 milhões de portugueses inscritos no sistema de informação do SNS.
Saúde
Janeiro terminou com 1.686.920 pessoas sem médico (...)
Em declarações à Renascença, o deputado do PS João Paulo Correia conclui que, com esta confusão nos números, o Governo continua longe de cumprir a promessa de colocar a saúde familiar como prioridade.
"Este número diz-nos que, por um lado, o Governo está muito longe de cumprir a promessa do primeiro-ministro de que, até ao final deste ano, iria eliminar a lista de utentes sem médico de família e que, ao mesmo tempo, este número só não é superior porque o Governo limpou das listas de inscritos os imigrantes residentes em Portugal que não procuram cuidados primários de saúde ao longo destes anos", afirma o socialista.
João Paulo Correia diz mesmo que o Governo foi "apanhado numa promessa que não consegue cumprir" e que os números avançados pela ministra são "números que ninguém conhece".
Já o vice-presidente da Associação de Médicos de Medicina Geral e Familiar, António Luz Pereira, confirma à Renascença que o número máximo de utentes que se conhece sem médico de família foi de 1 milhão e 700 mil - e nunca perto de 1,9 milhões como avançou a ministra.
O responsável da APMGF admite que os 200 mil utentes que passaram a ter médico de família resultam das contratações que foram feitas nos dois últimos concursos, sendo que o balanço entre os que saíram do SNS – por reforma ou porque foram para o setor privado - e os que entraram terá rondado uma centena.
Os números foram avançados por Ana Paula Martins esta quarta-feira, durante audição na Comissão de Saúde no Parlamento, na qual mostrou-se preocupada com uma situação que considera ser o grande "gargalo" do SNS.
“Todos os dias quer eu, quer as secretárias de Estado, tentamos encontrar soluções para ver se chegamos mais longe” defendeu a ministra.