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Conferência "Imigração: O desafio da proximidade"

Baixos salários e reconhecimento de diplomas são desafios dos imigrantes no mercado de trabalho

10 mar, 2025 - 13:00 • João Malheiro

A perceção de racismo e discurso de ódio tem aumentado e é outro entrave que os imigrantes enfrentam para conseguirem entrar no mercado de trabalho. Transição do SEF para a AIMA deixou problemas por resolver.

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Baixos salários, dificuldade no reconhecimento de diplomas académicos e preconceito são alguns dos desafios que os imigrantes mais enfrentam no mercado de trabalho. Foi um dos pontos-chave do primeiro debate da Conferência "Imigração: o desafio da proximidade", promovida pela Renascença, em parceria com a Câmara de Vila Nova de Gaia, esta segunda-feira.

Tendo como mote a imigração e as fontes de riqueza que pode gerar, o diretor científico do Observatório das Migrações aponta que o fluxo de potencial rejuvenescimento da população ativa, com a chegada de imigrantes, "tem de ter um benefício no aumento da produtividade do trabalho". É um "desafio sistémico" que não implica apenas alterar algumas peças, mas todo o método de como olhar para o mercado de trabalho.

"Alterar agências como o IEFP que se tem de adaptar a esta nova mão de obra", exemplifica.

No entanto, Pedro Góis avisa que "se continuarmos com salários de entrada tão baixos, não vamos conseguir reter" a mão de obra imigrante. E, se Portugal ficar sem este tipo de trabalhadores, "há setores que entram em crise imediatamente", como a agricultura ou a construção.

"A resposta tem de estar num pacto geral da Concertação Social. Temos de olhar para as necessidades destas pessoas", acrescenta.

Já Cynthia de Pala, vice-presidente da Casa do Brasil em Lisboa, alerta que há muita mão de obra qualificada que enfrenta dificuldades de integração no mercado de trabalho "por questões que ultrapassam as próprias empresas". É o caso do reconhecimento de diplomas estrangeiros, um processo que nas Faculdades portuguesas é "demorado e penoso".

Uma visão corroborada por Tito Campos e Matos, vice-presidente da Direção Executiva do Conselho Português para os Refugiados, que lamenta que não estejam criados "os mecanismos para reconhecer os cursos superiores" quer de imigrantes, quer de refugiados. E Pedro Góis realça, ainda, que a maioria das universidades portuguesas "não têm capacidade para responder aos pedidos" de reconhecimento de diplomas que lhes chegam atualmente.

E Pedro Góis coloca em foco um setor da sociedade que deve dar resposta a estes problemas: os sindicatos. Para o especialista, os sindicatos "são os grandes ausentes" da discussão da vaga migratória.

"Os direitos laborais destes imigrantes não estão a ser acautelados", diz.

Há maior perceção e queixas de racismo

O diretor científico do Observatório das Migrações refere que a integração de imigrantes "estendeu-se por todo o território" e há uma transição a acontecer na sociedade portuguesa. Já há muita mão de obra imigrante, em termos económicos percebe-se os contributos, contudo ainda falta fazer a "interiorização da diferença" - que é segmentada e distinta entre diferentes grupos de imigrantes.

Para Pedro Góis, não é necessário leis, mas sim "um pacto social", através da prática cotidiana. "Não é uma imposição, tem que ser por vontade própria", defende.

O especialista dá o exemplo das escolas, em que as crianças "integram-se imediatamente", contudo "os docentes têm mais dificuldades", até porque os currículos mantêm-se "muito estanques". Tito Campos e Matos sublinha, igualmente, que muitos refugiados "não dominam o português e o acesso À aprendizagem da língua é muito reduzido".

Por sua vez, Cynthia de Paula indica que há uma "maior perceção de racismo e xenofobia" e que há mais queixas contra discurso de ódio, especialmente devido às redes sociais e a uma maior associação entre a política de imigração e a política de segurança. A especialista esclarece que o racismo "ultrapassa classes sociais" e é outro desafio à entrada de imigrantes no mercado de trabalho, nomeadamente, em cargos mais elevado nas empresas.

Durante breves momentos, o debate foi interrompido por uma intervenção vinda da audiência em protesto contra a imigração, numa altura em que o painel não estava aberto a perguntas do público. Numa reação imediata, Pedro Góis afirmou que, "quer as vozes da plateia estejam todas a favor ou todas contra", o mundo mudou e já nada vai parar esta nova realidade.

"Não vejo um outro caminho possível, para lá da integração de quem chegue. Isto não é um momento. Isto começou e nunca mais vai parar. O desafio vai continuar permanentemente", destaca.

Ficou muito por fazer na política de integração

Durante o debate, os participantes apontaram a transição do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para a Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) como um processo complexo que ainda hoje deixa consequências. Cynthia de Paula realça que, desde 2015, Portugal "não preparou os serviços públicos para garantir atendimento a pessoas imigrantes".

A também conselheira, em representação da comunidade brasileira, no Conselho Nacional para as Migrações e Asilo refere que a reforma do SEF e a criação da AIMA foi feita "sem reflexão da sociedade civil e participação da comunidade migratória".

Tito Campos e Matos concorda que, apesar de ter sido feito um esforço inicial para acolher pessoas, "em termos políticas de integração não foi feito o que podia ter sido feito". O especialista apela na aposta de uma "integração que permita às pessoas porem-se ao serviço do país, com o conhecimento e competência que têm".

"Ainda hoje existem problemas na forma como são analisados processos de asilo. A transição do SEF para a AIMA foi muito complexo e ainda há um caminho a percorrer", avisa, realçando que este caso é um exemplo de como a sociedade civil "não é tida e achada" em processos de decisão política.

Para o vice-presidente da Direção Executiva do Conselho Português para os Refugiados, as políticas públicas "têm de se coordenar com os setores privados e sociais" e é necessário um "cultura de parceria e de compromisso" entre a sociedade civil, o Governo e os partidos da oposição.

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