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Crise política

Portugueses prontos para eleições antecipadas? "É um show para não nos preocuparmos com os problemas reais"

11 mar, 2025 - 06:00 • Alexandre Abrantes Neves , Marta Pedreira Mixão , Beatriz Martel Garcia (sonorização)

No dia da votação da moção de confiança, a Renascença saiu à rua e encontrou os cidadãos divididos na opinião sobre Luís Montenegro e muito unânimes nas críticas aos responsáveis políticos de hoje.

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Os portugueses estão prontos para ir às urnas? "É um 'show' para não nos preocuparmos com os problemas reais"
Os portugueses estão prontos para ir às urnas? "É um 'show' para não nos preocuparmos com os problemas reais"

Cinco da tarde. O céu está pintado em tons fortes de cinzento, num dos poucos momentos em que a chuva persistente dá uma folga aos resistentes que saem à rua. O estado do tempo é revelador da falta de vontade em voltar às urnas para mais umas legislativas, as terceiras em três anos.

“Acho que vai ser mais um dispêndio de dinheiro que o país não precisa. Não é preferível”. João Silva está sentado numa esplanada numa rua de grande comércio em Carnide. Os óculos que traz na cara vão escurecendo à medida que a claridade vai espreitando, mas isso não o impede de tentar fazer previsões claras do futuro político.

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“Mais cedo ou mais tarde, vai haver problemas novamente. (…) Ou melhoramos as condições dos políticos para exigirmos melhores políticos e para que não haja quadros destes (…) ou estes quadros vão acontecer agora no PS, amanhã no PSD, depois volta a acontecer no PS, depois no PSD.”

O limbo entre estes dois partidos também não é estranho nesta freguesia lisboeta. Tanto em 2022 como em 2024, os resultados das legislativas em Carnide foram praticamente um espelho das votações a nível nacional: no ano passado, a AD sagrou-se vencedora aqui com uma diferença de apenas 354 votos para o PS.

Os prognósticos para este ano não são muito diferentes (“a distância percentual do PS e PSD é insignificante”) e, por isso, as crises políticas sucessivas começam a preocupar. Não tanto a João – que vota quase sempre em branco –, mas mais à amiga Carla, que saiu do Brasil à procura de estabilidade.

“Estou vendo uma figurinha repetida, como a gente fala lá no Brasil”, conta à Renascença, com uns risos nervosos que larga rapidamente, quando se lembra do rodopio político dos últimos anos no Palácio do Planalto. “Está muito ruim no Brasil e acho que, se for por esse caminho aqui, vai entrar num buraco que não tem retorno”.

A miragem desse buraco preocupa todos por aqui, mesmo a quem não quer pensar no assunto a um domingo à tarde: “Política a esta hora?”. Patrícia Esteves recebe-nos com pouca vontade para falar, mas não demora até fazer uma lista para explicar porque não quer voltar às urnas de novo.

Primeiro, aponta a imagem “que damos lá para fora”. Depois, lembra-se das guerras e de Donald Trump “que chegou para complicar tudo”. O caderno de razões é selado com os problemas que sente na pele.

Montenegro ameaça com moção de confiança e passa empresa aos filhos. O essencial da declaração ao país
Montenegro ameaça com moção de confiança e passa empresa aos filhos. O essencial da declaração ao país

“Eles estão todos a brincar connosco. (…) Está-se a fazer um show para as pessoas não se preocuparem com a crise real (…). A classe média está a deixar de existir. Cada vez há mais dificuldades – o acesso à saúde está uma desgraça, a pobreza cada vez maior, a saúde, tudo…”.

É de esquerda “desde sempre” e não sente soluções no dia-a-dia, mas acredita que caminhar para novas eleições só ia atrasar ainda mais as respostas de que precisa. Até porque nem coloca a culpa da crise em Luís Montenegro.

E, se o primeiro-ministro tem lá a empresa e ganha dinheiro, é normal. Também faz parte. Eu não deixo de confiar nele”. Mas esta opinião não é unânime.

Montenegro "manchado", mas também Marcelo

A lógica é simples. Antes de ser primeiro-ministro, “tinha a empresa, tudo bem”. Depois de tomar posse, “está em exclusividade, devia ter fechado primeiro a empresa e depois era primeiro-ministro”. A polémica é clara como a água para Pedro Santos, que não tem medo das eleições: “Venham elas”. Até porque, acredita, Luís Montenegro não vai dar oportunidade para um volte-face – mesmo estando a partir em desvantagem.

“Bem, as avenças… Isso nem vale a pena falar. Não é só uma. Se calhar, são várias. A gente não sabe.”

Não sabe ele nem Rita Pereira. E o problema está precisamente aí: “Parece que não temos direito a perceber o que se passa. Se há escrutínio para todos os partidos, tem de haver para o primeiro-ministro”, assinala, quando se cruza com a Renascença à porta de um grande centro comercial, também em Carnide.

Deviam sair à rua e ver o que o país precisa. Não confio em nenhuma classe política

Entre estas centenas de lojas, vão passando muitas e muitos que param para falar por poucos segundos e para dizer que “perderam a confiança”, que Montenegro sai com a “imagem manchada” e que “infelizmente” o país está mergulhado, de novo, em instabilidade. Mas nenhum é tão duro como Luís Dias.

Até devia pedir desculpa aos portugueses. Não está a fazer um bom trabalho ao país. (…) Pensam que são mais espertos do que os outros todos”. A pausa que faz na paragem de autocarro fá-lo refletir em voz alta sobre todos os intervenientes da crise política, até os menos óbvios.

“Acho que o Presidente da República também não está a fazer um bom papel. (…) Está a livrar a água do capote. Eleições, para ele, é mais fácil. Podia ter chamado o primeiro-ministro e os principais líderes da oposição para uma conversa franca, aberta e onde esclarecem tudo.”

Antes é que "os políticos eram bons"

Muitos não querem, poucos acham que a solução é a ideal, mas todos já estão conformados com a ideia de voltar antecipadamente às urnas mais uma vez. E, para Luís, o pior nem vai ser a fragmentação depois das eleições.

“Vai ser uma campanha muito, muito suja. Vão só grunhir uns contra os outros, uns a culpar os outros. (…) Portugal já teve bons políticos, já não [tem]”.

De acordo com a Sondagem das Sondagens da Renascença, se as eleições fossem hoje, a Aliança Democrática (AD) ganharia de novo e com votação reforçada, mas sem maioria absoluta.

Nas ruas de Carnide, as previsões são semelhantes. Quase todos concordam que “é muito provável” que seja a AD a vencer, mas que vai ter de ceder porque maioria absoluta “é impossível”. Pelo meio, ainda se ouve falar de outros partidos – “tenho muito medo dos extremos que estão por aí a crescer” – e também da abstenção, que não deve descer, “porque as pessoas estão cansadas”.

O cansaço nota-se, principalmente, nas vozes mais jovens que, seja qual for o desfecho, já escreveram o final da história em Portugal. “A minha visão de futuro é sempre emigrar”, confessa Mariana Pimentel, de 22 anos. Apesar de não acompanhar a realidade política, arrisca-se a deixar um conselho aos protagonistas desta crise: “Deviam sair à rua e ver o que o país precisa. Não confio em nenhuma classe política”.

Governo apresenta moção de confiança. Eleições? "Não é desejável, mas será um mal necessário"
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O problema pode ser dos políticos… ou dos tempos, como acredita Patrícia Esteves, sentada na mesma esplanada com que abrimos este texto. Da adolescência, lembra-se do carisma de Mário Soares, Cavaco Silva ou Francisco Sá Carneiro – tudo características que já não encontra atualmente, quando faz “zapping” pelos canais de televisão.

Lutavam mesmo por um mundo melhor. Hoje em dia, é o tacho e o mediatismo. Não tivemos de lutar, temos tudo adquirido.”

É uma “falta de seriedade” que Patrícia encontra de forma transversal e que, se calhar, explica as palavras de um rapaz, com menos de dez anos, que nos rouba o microfone por uns segundos e a quem perguntamos se quer eleições. "Não. (…) Não tenho muito a ver com política”.

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