28 mar, 2025 - 23:01 • Marisa Gonçalves
Entre o passo e o compasso do relógio, muita história já correu sobre a mudança da hora, com avanços e recuos, sempre em torno de uma questão essencial: a atividade física que tem de ser acompanhada pela luz do dia. Em causa está a qualidade de vida e, em concreto, das horas de sono. Na madrugada de sábado para domingo, os relógios avançam 60 minutos.
Vários estudos têm sido feitos e todos apontam para uma associação entre a mudança do horário e uma consequente alteração no tempo de descanso, confirma Gustavo Tato Borges, médico e especialista em saúde pública.
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“As questões mais comuns têm a ver com alterações do padrão de sono, com insónias, com maior irritabilidade, menor capacidade de concentração nos dias seguintes à mudança do horário. Em especial quando se trata da mudança para o horário do Verão, em que dormimos menos uma hora e que faz com que haja essas alterações e essas são claras e óbvias”, refere à Renascença.
Outra relação direta verifica-se quanto aos efeitos na saúde metal. A transição duas vezes por ano, entre o horário padrão e o horário de verão, muda as horas em que somos expostos à luz do sol. Tal facto tem implicações no ritmo circadiano, ou seja, o ritmo natural do próprio corpo que dura as 24 horas do dia e que regula os principais processos biológicos.
Gustavo Tato Borges diz que a situação pode complicar-se na mudança para o horário de Inverno.
“Temos também menor exposição solar, não só todos os dias, mas também porque a concentração da exposição solar é feita durante a manhã, o que leva também a um aumento do risco de situações depressivas e, nomeadamente, tentativas de suicídio. Essas alterações do ritmo circadiano e da exposição solar acabam por afetar-nos de uma forma bastante global, o que faz com que quando mudamos, em especial para a hora de Inverno, os efeitos na saúde mental são mais propensos”, explica.
Apesar de não haver certezas em absoluto, Gustavo Tato Borges aponta ainda para o risco de o desfasamento em relação ao tempo solar poder provocar uma subida de casos de enfarte.
“Há aqui também alguma evidência de um aumento do risco de ataques cardíacos, enfartes agudos de miocárdio e do aumento de acidentes vasculares cerebrais nos dias a seguir à mudança para o horário de Verão. Estes dados, apesar de não serem totalmente cabais, no sentido de dizer que a mudança da hora traz prejuízos para a saúde, mostram que, acima de tudo, não há vantagem nesta fase em manter esta esta alteração de horários entre o Inverno e o Verão porque os benefícios que temos de uma maior exposição solar, também de podermos aproveitar mais o final do dia, e também até poupar alguma energia relativamente à necessidade ou não de utilizar a luz elétrica em casa, tem também toda esta disrupção daquilo que é o padrão de funcionamento normal do nosso ritmo circadiano”, sustenta.
A hora legal voltará depois a mudar a 26 de outubr(...)
Nestas declarações à Renascença, o especialista em saúde pública defende que deve pôr-se fim à mudança da hora.
Em 2018, após pressão de alguns países, a Comissão Europeia promoveu uma consulta pública sobre o tema. A maioria dos europeus defendeu a abolição da prática anual de alterar os relógios, incluindo 85% de cidadãos nacionais. No entanto, a Comissão Europeia acabou por não aprovar os resultados do inquérito e nada mudou.
Ainda assim, Portugal já conheceu um tempo em que foi adotada a permanência da hora de Verão durante todo o ano. A medida vigorou entre 1992 e 1995 sob o governo de Cavaco Silva. Os relógios estiveram alinhados com o horário da Europa Central, circunstância que fez com que, por exemplo, no pico do Inverno, o sol nascesse apenas perto das 09h00. Foi uma má experiência, recorda o astrónomo Rui Agostinho.
“O grande problema que foi criado esticou-se durante quatro meses, novembro, dezembro, janeiro e fevereiro. Durante estes quatros meses, a hora de nascimento do sol varia, mas durante quase um mês inteiro o sol nascia próximo das 09h00. O que aconteceu? As escolas começam às 08h00 e as pessoas levantavam os filhos para ir para a escola e para apanhar transportes pelas 07h00, quando ainda estavam estrelas no céu e era de noite para conduzir. Havia outro problema, as escolas estavam frias e nas primeiras horas da manhã, até o sol aparecer, iniciar-se a atividade, ou poder ter as salas mais quentes com a luz a entrar pelas janelas, já as aulas tinham começado e o rendimento escolar era paupérrimo”, declara o astrónomo à Renascença.
No Verão, acontecia que o sol se punha perto ou depois das 23h00, o que provocava também alterações no tempo de descanso.
“Quando se iniciava a noite escura, aquela ocasião em que já não há luz no céu e apetece repousar, isso acontecia já perto das 00h30. Até aí havia luz no céu, uma boa temperatura, e as pessoas com mais atividade não querem efetivamente entrar em repouso. O preço paga-se no dia a seguir porque a pessoa fica na sua atividade até tarde e no dia a seguir tem de começar a trabalhar”, conta.
Em Portugal, o órgão consultivo do Governo sobre o regime de hora legal é a Comissão Permanente da Hora. Enquanto ainda era diretor do Observatório Astronómico de Lisboa, em 2018, Rui Agostinho elaborou um relatório sobre o impacto da hora de Verão a pedido do Governo da altura, liderado por António Costa, e concluiu que deve manter-se a situação atual.
Os especialistas, citados pela agência noticiosa E(...)
“Durante o Inverno, a hora UTC (Tempo Universal Condensado, um padrão internacional de tempo equivalente à Hora Média em Greenwich – GMT) é aquela que melhor relaciona a hora do relógio com a hora solar. Não está perfeitamente sincronizada, mas o desvio é pequeno. Em média, ronda cerca de 40 minutos, apenas. Ao chegar ao Verão, ganha-se qualquer coisa porque, se não fosse mudada a hora, teríamos o sol a nascer quando o relógio estivesse a indicar 5h00, mas aí não existe atividade em abundância. Assim, quando o sol nasce, o relógio marca as 06h00 e a partir daí já há atividade e as pessoas chegam ao final do dia ainda com luz até às 19h00 ou 20h00”, afirma.
Rui Agostinho diz ainda que não são significativos os benefícios da poupança energética com o fim da mudança da hora.
O também professor do Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa aponta apenas uma nota negativa no atual regime horário.
“Só há um senão. Foi introduzido pela Europa na definição da hora de Verão e deveríamos regredir. É que a tradição do espaço europeu era fazer a saída da hora do Verão no final de setembro, em vez de fazer no final de outubro. Isso é muito tardio, mas os acordos com a Inglaterra levaram todo o resto do continente europeu a aceitar a norma e a tradição inglesa fazendo a saída da hora de Verão em outubro. Faz as pessoas sentirem muito a transição da sexta-feira anterior de trabalho para a segunda-feira a seguir”, defende.
Rui Agostinho lembra que Portugal já passou por todas as experiências possíveis e entende que a mudança da hora, duas vezes por ano, continua a ser a melhor solução.
“A população portuguesa, desde que começou a ter a hora ajustada pelos fusos horários, que é algo que só acontece com a República, antes disso Portugal tinha uma hora solar, e o historial desde 1912 até aos dias de hoje mostra que o povo português já experimentou uma variedade de regimes imensa. Também houve a experiência de fazer o (UTC)+1 durante todo o ano, sem hora de Verão, como há quem ainda defenda. O país passou por isso entre 1967 e 1975, mas quando veio o 25 de abril esse regime foi abandonado. Portanto, a decisão que hoje temos, no caso português, está cimentada em mais de um século de milhões de pessoas a viverem em vários mesmos horários”, sublinha.
A hora legal de Portugal continental é regulada por uma diretiva (lei comunitária) que define que os relógios devem avançar 60 minutos, à 1h00 UTC (Tempo Universal Coordenado) do último domingo de março e retroceder esses mesmos 60 minutos à 1h00 UTC (ou 2h00 em Portugal Continental) no último domingo de outubro.
Portugal vai entrar no horário de Verão neste fim de semana. Na madrugada de sábado para domingo, os relógios adiantam uma hora.