16 abr, 2025 - 18:23 • Alexandre Abrantes Neves , Beatriz Martel Garcia (sonorização)
No espaço de um ano, a Europa “tem de conseguir pôr cá fora” o novo desenho do mercado de energia que vai “certamente reduzir em 20%” o valor das faturas de eletricidade.
O apelo é deixado por João Torres, diretor-geral da EDP, no podcast da Renascença/EuranetPlus “Isto não é só Europa”. Para o antigo presidente da Associação Portuguesa de Energia, os consumidores não podem esperar mais e é importante que sintam rapidamente na carteira os benefícios do investimento feito pela União Europeia em energias renováveis.
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Nos últimos anos, os agentes do setor têm alertado que as faturas da luz ainda não distinguem o consumo entre fontes renováveis e não-renováveis, o que acaba por prejudicar as famílias ao final do mês.
“Temos um mercado com horas com renováveis a custo zero, portanto, não suscita investimento. E, por outro lado, o gás fixa o preço durante um conjunto de horas, que também não se justifica. Nesta altura, não está ninguém satisfeito. A aposta de Portugal nas renováveis foi feita há muitos anos, primeiro com as eólicas, e agora com o solar descentralizado”, esclarece João Torres.
Dúvidas Públicas
Há muito interesse em produzir energia renovável e(...)
O problema já foi assumido pela ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, mas a regulamentação tem de vir de Bruxelas. E, para o antigo presidente da Associação Portuguesa de Energia, isso deve acontecer o quanto antes.
"Eu diria que tem de se conseguir que, no prazo de um ano, esteja aí, porque os documentos estão preparados, o consenso está criado. É evidente que haverá sempre, à última da hora, de aparecer um país a colocar uma pedra na engrenagem. (...) Mas há uma descida, que pode ser uma descida significativa. De 20%, certamente. Vai chegar o dia em que vamos ter esse benefício, claramente, na fatura", prevê.
O objetivo da UE, sublinha João Torres, tem de ser de garantir um “acesso a energia, a custos justos e com equidade”, sem que o investimento necessário para a transição energética prejudique os consumidores.
Por isso – e quando questionado sobre os alertas da Entidade Reguladora da Energia para uma possível subida na fatura da luz devido a modernizações impostas pela E-Redes –, João Torres desvaloriza e relembra que já há formas de travar estes aumentos.
“É preciso que o regulador monitorize muito bem. Não pode chegar alguém e dizer: ‘Eu vou fazer aqui esta unidade industrial’ e depois a unidade industrial não aparece. Não aparece o consumo esperado que pode ajudar a descer o custo unitário. Mas há estruturas, em particular da regulação, para acompanhar tudo isso. E é nisso que temos de confiar”, assinala.
Segundo números da Comissão Europeia, Portugal é o país na UE (a par com Espanha) com a maior taxa de pobreza energética – em 2023, cerca de dois milhões de pessoas (20,8% da população) reportaram dificuldades em manter a casa aquecida.
Preocupado com este cenário, o executivo comunitário lançou já um pacote de medidas que, entre outros objetivos, se propõe a reduzir os custos da eletricidade para as populações e garantir uma poupança de 2,5 mil milhões de euros para as famílias até 2040.
No plano, incluem-se medidas como a redução de burocracia na emissão de licenças para renováveis e a promoção de soluções de eficiência energética, que pretendem requalificar os edifícios e equilibrar a temperatura dentro de casa.
Para Marisa Matias, deputada do Bloco de Esquerda, estes apoios são positivos, mas ainda não são suficientes - e até se podem tornar contraproducentes se forem aplicados de forma isolada.
As pessoas, muitas vezes, nem sequer se candidatam, porque já sabem que vão ter de investir e depois têm de esperar mais tempo para o subsídio.
“Essas medidas, do meu ponto de vista, têm de ser acompanhadas de outras. Se não houver regulação, pode haver um efeito do aumento dos preços das casas e, por isso, excluir muitas das pessoas que mais precisam e agravar a situação de quem já está em situação de pobreza”, alerta.
Em Portugal, o Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis (PAES), lançado ainda pelo anterior governo do PS, continua atrasado, com milhares de famílias ainda à espera do reembolso do valor que gastaram na substituição de janelas e na instalação de painéis solares. Segundo dados enviados pelo ministério do Ambiente e Energia à Renascença, o governo mantém o compromisso de avaliar todas as candidaturas até maio, apesar de atualmente estarem pendentes mais de 21 mil.
Na leitura de Marisa Matias, este é um exemplo da “falta de política energética de futuro” do executivo, que se pauta apenas por “medidas paliativas, como o apoio a eletrodomésticos e para reduzir o custo da botija de gás. João Torres alinha-se, em parte, com esta perspetiva – e lamenta que a eficiência energética continue a ser o “parente pobre” nas políticas públicas.
“As pessoas, muitas vezes, nem sequer se candidatam, porque já sabem que vão ter de investir e depois têm de esperar mais tempo para o subsídio. É preciso que o Estado seja mais ágil, nesta que é uma componente do Estado social, que queremos que seja otimizado, para dirigir os apoios às pessoas certas. (...) Mas estamos demasiado focados no curto prazo e na questão específica das botijas de gás”, critica.
Também no campo da energia, os partidos prometem para as legislativas de maio melhorar o acesso das populações à eletricidade – no caso do programa eleitoral do PS, Pedro Nuno Santos elegeu como uma das principais medidas a redução do IVA na eletricidade para a taxa mínima de 6% em todas as casas.
As críticas não demoraram a aparecer – por um lado, a AD a carimbar a medida como "irresponsável" e, por outro, os partidos à esquerda a criticarem a proposta como insuficiente.
Marisa Matias insiste no alargamento da tarifa social para além dos atuais 800 mil beneficiários e num endurecimento da carga fiscal sobre as distribuidoras e produtoras de energia - a ideia, diz, é taxar os “lucros caídos do céu, [alcançados] nos piores anos do acesso à energia por parte da população europeia”, depois de rebentar a guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022.
Para a indústria, esta não é a solução. João Torres, que terminou este mês o mandato como presidente da Associação Portuguesa de Energia, alerta que nada garante que o dinheiro arrecadado em mais impostos seja direcionado para o setor – e relembra até que, na atualidade, a taxa social é suportada pelas companhias e não pelo Orçamento do Estado.
“Não temos essa garantia. Nada nos garante que mais uma taxa não seja para construir mais um Estado de futebol. E eu vou ao futebol regularmente”, ironiza.