Reportagem Renascença

Uma rua em Braga com sabor a Brasil. “Pão de queijo? Claro. Eu te ensino, vizinha”

27 mai, 2025 - 17:00 • Isabel Pacheco

No Dia Mundial do Vizinho, visitámos quem vive lado a lado com a maior comunidade brasileira em Portugal. Em Braga, trocam-se receitas e vive-se à boleia da alegria de quem chega do outro do Atlântico. Quem já lá mora garante que a cidade ganhou outro ritmo que se espelha também nas relações de vizinhança.

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Dia Mundial do Vizinho Isabel Pacheco
Ouça aqui a reportagem. Na imagem, José Roberto prepara a caixa de salgadinhos.

Na caixa registadora de um supermercado na rua Padre António Vieira, em S. Vitor, Braga, uma das ruas mais brasileiras da cidade, José Roberto prepara a caixa de salgadinhos.

Ainda é de manhã. O stock não há-de sobreviver por muito mais tempo. “Sai muito”, diz José, ao mesmo tempo que elenca o cardápio do dia. “Há esfiha de frango com catupiry e carne, bolo de aipim, que vocês falam mandioca. Esse daqui é com goiabada. E Titanic de presunto e mozarela”.

“Eu que faço”, atira orgulhoso o brasileiro que, em 2022, mudou-se para Braga com a mulher, a filha e os três netos. Enquanto isso, a filha, Daniela dá a cara pelo espaço comercial que, apesar de vender quase exclusivamente produtos de terras de Vera Cruz, é tão português como brasileiro.

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“Os meus clientes? Deve ser em torno de 60 por cento brasileiros e 40 portugueses”, aponta Daniela Priotti que destaca a farinha chamada “flocão” como o produto mais procurado pelo bairro que já “tem sabor a Brasil”.

Depois, há “os temperos”, acrescenta. “Eles (portugueses) procuram para fazer novos pratos e incrementar a culinária portuguesa.”


“A minha vizinha de porta é uma senhora portuguesa e é a melhor amiga da minha mãe”, conta Daniela quando lhe perguntamos pela relação com os vizinhos. “Elas passeiam e fazem culinárias juntas. Já passamos até Natal juntos”, sublinha a brasileira.

São “gostos e texturas” que já se entranharam nos hábitos de quem vive no bairro onde se fala português com sotaque e se misturam culturas, sobretudo, à mesa. Sempre, ou quase sempre, no bom espírito de vizinhança.

“A minha vizinha de porta é uma senhora portuguesa e é a melhor amiga da minha mãe”, conta Daniela quando lhe perguntamos pela relação com os vizinhos. “Elas passeiam e fazem culinária juntas. Já passamos até Natal juntos”, sublinha a brasileira que pede para imaginarmos uma consoada com “uma mesa farta com todos os pratos portugueses e brasileiros”.

Ali ao lado, poucos metros do supermercado, na praça do Bocage encontramos Sara. É uma das moradoras do bairro. A jovem portuguesa reconhece que a alegria dos emigrantes brasileiros “traz uma maior conetividade" entre vizinhos. “Acabamos por aprender coisas novas também”, acrescenta Sara que encara como “positiva” a multiculturalidade daquela zona residencial. “São pessoas bem-educadas, ordenadas, portanto, não vejo nada de mal”.

Adriane Alves é uma dessas vizinhas. A psicóloga chegou a Braga, vinda de Goiás, há 13 anos. Fala de uma “vizinhança perfeita” numa cidade que já chama de “casa”.

“Há muito acolhimento. Os vizinhos são maravilhosos”, diz com um sorriso que se eleva quando lhe perguntamos se já ensinou alguma coisa à vizinhança. “Pão de queijo”, diz sem hesitar. “Minha vizinha perguntou: 'Você sabe fazer pão de queijo?' Falei: 'É claro. Eu te ensino, vizinha.'”

Antes de se instalar em Braga, Cristiane Esquerdo viveu dois anos numa aldeia em Vila Verde. Hoje, a jovem mãe fala dos antigos vizinhos como quem fala de afetos.

“Quando cheguei na aldeia, a minha vizinha de 85 anos foi bater na minha porta com um ramalhete de flores para me receber”, recorda emocionada Cristiane. “Foi sempre bem acolhedor. De vez ou outra chegava na porta de casa e tinha alguma sacola com fruta ou legumes. Foi uma experiência muito boa, mesmo. Afetuosa.”

“Vizinhos? São mais do que família”

Ao virar da esquina, no fim da rua, chegamos ao café “Cubano”. O nome engana até porque ao que percebemos não há cubanos por aqui. A proprietária, que também é a cozinheira, fala connosco enquanto prepara o almoço. É portuguesa, mas, grande parte da clientela é brasileira, mas já com gosto português.

“Gostam muito dos nossos produtos. Vendemos muito mais álcool. Gostam muito do nosso queijo com presunto e tostinha. Depois, uma cervejinha muito geladinha. É o que eles gostam”, resume.

É ao canto do café que encontramos Maria de Jesus, Conceição e Lurdes. São vizinhas e amigas. Garantem que a vizinhança ainda é o que era. Por vezes “mais do que família”.

“Vizinhos? São uma maravilha. Dou-me bem com todos”, diz Maria de Jesus. “São mais do que família. Quando há um problema a quem recorremos? Aos vizinhos”, acrescenta Lurdes até ser interrompida por Conceição. “Até lhe digo: há brasileiros que quando me vêm carregada com as sacas das compras perguntam logo se preciso de ajuda”, conta.

“Vizinhos? São uma maravilha. Dou-me bem com todos”, diz Maria de Jesus. “São mais do que família. Quando há um problema a quem recorremos? Aos vizinhos”, acrescenta Lurdes

“Há sempre uma porta aberta para a vizinhança”

Estima-se que sejam cinco mil os brasileiros a viver em S. Vitor. As contas, embora não sejam precisas, são do presidente da junta daquela que é maior freguesia do concelho e que alberga, no total, “mais de uma centena de nacionalidades”.

O pico da chegada de migrantes aconteceu nos últimos dois anos. Hoje, o autarca Ricardo Silva fala uma freguesia diferente. “A freguesia vive um pulsar internacional. Já não é estranho irmos na rua e ouvirmos falar estrangeiro”, descreve o autarca. Alerta, no entanto, para “o risco de tornar algumas zonas em guetos” devido a esta situação.

“Há áreas com alta densidade populacional com forte presença, sobretudo, da comunidade brasileira. E não queremos que esta transformação seja para pior, mas melhor”, diz Ricardo Silva. “Isso faz-se obviamente, não com a inclusão, mas por saber integrar”, defende.

Se serão 5 mil os brasileiros a residir em S. Vitor, no concelho de Braga serão 20 mil, “talvez, um pouco mais”, calcula Alexandra Gomide da Associação União — Apoio de Integração à Comunidade Brasileira (UAI). A organização foi fundada por Alexandra em 2016 quando chegou a Portugal. Nove anos depois, a responsável garante que a diferença é notória. “Braga hoje é outra cidade.”

“Os brasileiros são naturalmente consumistas. É o estilo de vida americano. Estão sempre inseridos no comércio, seja a trabalhar ou a consumir”, detalha Alexandra Gomide. “O brasileiro dá muita vida à cidade. Isso percebe-se”, atira, garantindo que o ritmo e o estilo não são muito diferentes quando se fala de vizinhos.

“Os brasileiros que já vivem há mais tempo em Braga já estão tão inseridos na comunidade. Nos prédios já são todos amigos. Há sempre uma porta aberta para a vizinhança”, remata.

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