26 ago, 2025 - 17:10 • Cristina Nascimento
O reitor da Universidade do Porto, António de Sousa Pereira, considera que a quebra registada este ano nas candidaturas e colocações no ensino superior resulta de “uma concorrência de várias causas”, destacando a reintrodução dos exames nacionais no cálculo da nota de acesso e os efeitos da pandemia na preparação dos alunos.
“Uma das causas certamente significativa é a introdução dos exames nacionais no cálculo da nota de acesso ao ensino superior, que foi algo que esteve suspenso durante os anos da pandemia e que agora foi reintroduzido”, afirmou, recordando que o exame nacional de português levou a cerca de 15 mil reprovações.
Em entrevista à Renascença, o reitor explica que a pandemia afetou de forma particular os estudantes que agora ingressam no ensino superior, pois “são os estudantes que tiveram o 8.º e o 9.º ano em plena pandemia e que não tiveram aulas presenciais nem exames”, situação que explica défices em competências básicas.
O responsável rejeita que os custos com alojamento tenham sido o fator determinante da quebra, salientando que “as maiores reduções ocorreram no interior, onde o alojamento é mais barato”, enquanto em Lisboa e no Porto “a diminuição foi menor”.
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Quanto à Universidade do Porto, a instituição registou uma descida pouco expressiva. “Tivemos uma diminuição de 0,9%, portanto penso que é das reduções menos significativas a nível nacional. Temos a nota média de acesso mais alta do país e o número de candidatos por vaga mais alto do país”, sublinhou.
Para o futuro, defende uma revisão urgente do sistema de bolsas. “Para poder ter uma bolsa de estudo máxima é preciso ter uma situação praticamente de insolvência pessoal. Nós na Universidade do Porto, com 55 mil estudantes, temos apenas um número que se conta pelos dedos das duas mãos a receber a bolsa máxima”, criticou.
O reitor defende ainda que Portugal precisa de combinar apoios sociais mais robustos com novos mecanismos de financiamento, de modo a garantir que nenhum aluno abandone o ensino superior por razões económicas.
Este ano verifica-se uma queda abrupta das candidaturas e colocações no Ensino Superior, mas, se retirarmos os anos em que as regras de acesso foram adaptadas por causa da pandemia, esta queda deixa de ser significativa. As regras de acesso justificam esta quebra?
Eu acho que provavelmente estaremos perante uma situação em que existe a concorrência de várias causas, sendo que uma das causas certamente significativa é a introdução dos exames nacionais no cálculo da nota de acesso ao ensino superior, que foi algo que esteve suspenso durante os anos da pandemia e que agora foi reintroduzido. Aquilo que aconteceu foi que tivemos realmente um resultado desastroso no exame de português e isso deve merecer alguma atenção.
Gostaria de colocar duas perspetivas. A primeira é em abstrato: sou um acérrimo defensor da existência de provas nacionais. Nós não podemos passar a vida a criticar o ensino secundário e dizer que é uma tragédia porque os professores não podem reprovar, porque os alunos passam automaticamente, mesmo sem saber, e depois vir defender um sistema em que queremos que eles entrem no ensino superior sem qualquer tipo de exame independente.
Por outro lado, a existência dos exames nacionais é um fator de moderação que permite equilibrar as diferenças nos critérios de avaliação que existem entre as várias escolas.
Aquilo que aconteceu foi que tivemos realmente um resultado desastroso no exame de português e isso deve merecer alguma atenção.
Eu diria que, numa situação de cruzeiro, se não houver exames nacionais, naturalmente que, nos cursos que exigem notas mais elevadas e mais concorrenciais, vão entrar os estudantes que vêm das escolas que conhecemos por inflacionar notas, sobretudo a estudantes que têm elevada capacidade económica para frequentar essas escolas.
Portanto, quando se diz que os exames nacionais impedem os estudantes mais desfavorecidos de entrar no ensino superior, eu diria que, pelo contrário, garantem que os estudantes de excelência, sem grande capacidade financeira e que não puderam frequentar escolas de elite, tenham aí uma oportunidade de mostrar o seu mérito e conseguir ombrear com aqueles que têm elevada capacidade económica, podendo aceder a cursos de elevada competitividade.
Dito isto, acho que este ano foi uma situação muito peculiar.
Porquê?
Porque os estudantes que este ano estão a entrar na universidade são os que tiveram o 8.º e o 9.º anos em plena pandemia, sem aulas presenciais nem exames. Provavelmente esta geração tem alguns défices de conhecimento – explicáveis pela pandemia, que afetou todos, mas que atingiu de forma particular esta geração em idade crítica. São esses estudantes que, agora no exame nacional, mostram que não conseguiram adquirir algumas competências básicas, nomeadamente de leitura e de língua portuguesa.
O exame de português, que teve cerca de 15 mil estudantes com classificação negativa, não era particularmente difícil. Mas estes alunos têm justificação: viveram uma fase crítica sem aulas presenciais e sem exames. Portanto, o que me parece é que haverá tendência para a normalização nos próximos anos, sendo que há outros fatores que também concorrem para este cenário.
Os estudantes que este ano estão a entrar na universidade são os que tiveram o 8.º e o 9.º anos em plena pandemia, sem aulas presenciais nem exames. Provavelmente esta geração tem alguns défices de conhecimento.
Tais como?
O primeiro fator é a demografia: o número de estudantes no ensino secundário vai inevitavelmente diminuir, não havendo já os mesmos contingentes de jovens de há uns anos.
O outro fator é que, muito estimulado pelo próprio PRR, foram criados cursos em várias áreas e instituições que agora não têm capacidade de atração. Provavelmente será preciso repensar a oferta formativa e questionar se faz sentido manter cursos sem qualquer procura.
Tivemos uma situação preocupante: 40 cursos sem nenhum candidato. Isto é estranhíssimo e significa que provavelmente não deveriam existir ou então têm de ser acompanhados por políticas a montante que motivem os estudantes a seguir essas vias de aprendizagem e formação.
Em suma, não há uma explicação única, há várias. A situação, no meu entender, tenderá para uma certa normalização à medida que os próximos dois ou três anos passem e que os efeitos da pandemia fiquem para trás. Mas será preciso pensar seriamente a rede e a oferta formativa existente, avaliar se faz sentido mantê-la nos locais onde está, porque, quando comparamos o número de vagas existentes hoje com as de 2019, ele é muito maior, sendo que o número de estudantes não aumentou tanto assim.
Tivemos uma situação preocupante: 40 cursos sem nenhum candidato. Isto é estranhíssimo e significa que provavelmente não deveriam existir.
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Refere que a situação atual resulta de vários fatores, mas não referiu, por exemplo, questões económicas ou as questões de alojamento, que muitos apontam como fatores que podem justificar a diminuição de candidaturas. No seu entender, estas duas questões contribuem de forma particular ou considera que o impacto é residual?
Se essa fosse uma questão primordial, as cidades onde se teria sentido mais o efeito da diminuição da procura seriam Lisboa, Porto, Braga e Coimbra — onde o alojamento é mais caro. Ora, são precisamente essas as cidades onde a diminuição da procura foi menor. Lisboa e Porto têm um número de candidatos por vaga muito superior à média nacional.
Portanto, embora existam situações que devem ser estudadas e que exigem apoios sociais, não me parece que este tenha sido o fator decisivo. Se fosse, veríamos mais alunos a deslocar-se para o interior, onde o alojamento é barato. Mas foi no interior que houve menos alunos a concorrer e a maior redução.
Certamente estaremos a exigir sacrifícios extra a muitas famílias e é importante criar mecanismos no âmbito da ação social para aliviar esse esforço e acho que é importante não deixarmos fugir nenhum destes estudantes que entraram, temos de os manter dentro do sistema.
Se essa [custo da habitação] fosse uma questão primordial, as cidades onde se teria sentido mais o efeito da diminuição da procura seriam Lisboa, Porto, Braga e Coimbra — onde o alojamento é mais caro. Ora, são precisamente essas as cidades onde a diminuição da procura foi menor.
Relativamente às regras de acesso, deixou claro que é favorável à manutenção dos exames nacionais. Ainda assim, considera que há margem para rever as regras de acesso ou a fórmula tal como está não deve ser alterada?
Eu acho que o peso das provas nacionais na nota de acesso está bem ponderado. O que poderá ser necessário nos próximos anos, atendendo a que lidamos com estudantes que viveram o ensino secundário em pandemia, é calibrar os exames para evitar razias como a deste ano, com 15 mil negativas a português.
Mas, sendo isso verdade, também é verdade que não podemos aspirar a ter um país inovador e competitivo sem algum grau de exigência. Portanto, é preciso balancear. Estou convencido de que no próximo ano a situação já irá melhorar e tenderá a normalizar-se, à medida que os efeitos da pandemia se esbatem.
Relativamente à Universidade do Porto em particular, na sua instituição houve quebra de candidatos? É uma situação que o preocupa?
Na Universidade do Porto tivemos uma diminuição de apenas 0,9%, uma das reduções menos significativas a nível nacional. Temos a nota média de acesso mais alta do país e o maior número de candidatos por vaga.
Dos 59 cursos, em 37 fomos a primeira escolha a nível nacional e tivemos a nota mais alta de colocação. Não é uma situação particularmente preocupante. Pelo contrário, foi bastante favorável e neste cenário de diminuição do número de alunos colocados é uma diminuição irrelevante e, no caso do Porto, é tranquila.
A Universidade do Porto recebe, regra geral, os melhores estudantes do país, o que nos deixa orgulhosos, embora com muita responsabilidade.
Mas compreendo que para outras instituições universitárias que tiveram quebras de estudantes colocados da ordem dos 20% ou para os politécnicos ou instituições que tiveram 40 e tal por cento de redução de colocados face ao ano anterior, compreendo que estejam numa situação em que tentem arranjar respostas, mas terão que ser respostas balanceadas e que não são fáceis, no imediato.
Ensino Superior
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Uma vez iniciado o novo ciclo de ensino superior para milhares de alunos, que medidas de apoio considera mais urgentes para garantir que esses alunos se mantenham no ensino superior?
Eu acho que neste momento é urgente rever o sistema de bolsas que funciona com indexantes e capitações muito baixos. Precisamos aumentar muito o número de estudantes beneficiários de bolsas de estudo. Hoje, para obter a bolsa máxima, é preciso ter uma situação de quase insolvência pessoal.
Na Universidade do Porto, com 55 mil estudantes, o número dos que recebem a bolsa máxima conta-se pelos dedos das duas mãos. Isto é um pouco incompreensível.
Temos de atualizar os valores das bolsas, os valores que são pagos como complementos de alojamento e temos que o fazer urgentemente, porque esta geração que entrou é uma geração que está muito bem preparada, são bons e não podemos deixá-los fugir.
Temos de ter mecanismos de apoio social que mantenham os estudantes dentro da universidade ou do politécnico, com condições de dignidade que lhes permita desenvolver o seu percurso formativo e desenvolver em pleno as suas capacidades. Isso passa por ter mecanismos de ação social mais ágeis, de banda mais larga, e por ter mecanismos que assegurem complementos de alojamento que estejam em linha com aquilo que são os preços praticados no mercado nas várias zonas do país.
Os preços variam muito de zona para zona, portanto não pode haver um sistema único, mas pode ser calibrado em função das diferentes regiões.
É urgente rever o sistema de bolsas que funciona com indexantes e capitações muito baixos. Precisamos aumentar muito o número de estudantes beneficiários de bolsas de estudo.
E acha que há abertura política e orçamental para isso?
Tem havido abertura, tem havido complementos, mas acho que neste momento era urgente rever as capitações por forma a aumentar o número de estudantes que beneficiam de bolsas de estudo.
Penso que o governo já pediu um estudo para rever o sistema de ação social, mas era urgente que isso acontecesse e que fossem implementados novos mecanismos de ação social e eventualmente também que fossem criados outro tipo de mecanismos.
Hoje em dia há muitos jovens que, mesmo sendo oriundos de famílias com capacidade económica, eventualmente gostariam de se libertar das amarras familiares.
Isto é uma coisa que acontece em praticamente todo o mundo, em que é fácil obter empréstimos bancários que só começam a ser pagos quando a pessoa começa a trabalhar e quando começa a ganhar acima de certo nível salarial. Nós, em Portugal, ainda não temos muito essa tradição, mas acho que temos de jogar em todos os tabuleiros. Temos de jogar na ação social, mas também temos de jogar no capítulo de obtenção de apoio financeiro, seja através de uma agência estatal, seja através da banca, mediante acordos.
Temos de trabalhar todas essas variáveis no sentido de garantir que conseguimos realmente formar uma geração que seja capaz de garantir a inovação no país e que seja capaz de garantir que nós damos o salto de um país que atualmente vive da prestação de serviços para um país que vive da inovação e da produção de produtos de alto valor acrescentado, que seja um país moderno e competitivo à escala mundial.