15 set, 2025 - 07:00 • Anabela Góis
Depois de ultrapassado o prazo recomendado para realizarem uma cirurgia, os doentes vão ter de decidir em 48 horas se aceitam ser operados no local que tem disponibilidade, no Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou numa unidade privada. Se recusarem três datas serão excluídos da lista de espera.
Esta é uma das alterações previstas no novo Sistema Nacional de Acesso a Consulta e Cirurgia (SINACC) que esta segunda-feira, dia 15, começa a ser testado no Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa e nas Unidades Locais de Saúde (ULS) de Coimbra e do Alto Ave, em Guimarães.
Nesta fase piloto só estão incluídas as cirurgias. Os testes para a marcação de consultas de especialidade devem arrancar em abril/maio, mas ainda não foi definido onde nem se é possível alargar o acesso a hospitais privados com convenção com o SNS.
Se correr bem será alargado a todo o país daqui a um ano, diz em entrevista à Renascença Joana Mourão, coordenadora do grupo de trabalho do SINACC.
Joana Mourão diz que o novo modelo é mais simples e transparente e tem condições para ser mais eficiente do que o atual.
O novo Sistema Nacional de Acesso a Consulta e Cirurgia começa agora a ser testado no IPO de Lisboa e nas Unidades Locais de Saúde de Coimbra e do Alto Ave, de quantos doentes é que estamos a falar?
Serão os doentes que estiverem inscritos nessa altura. Tendo em conta o histórico destes hospitais, estaremos a falar de aproximadamente 300 a 400 doentes.
Nesta fase, o projeto-piloto abrange apenas a lista de espera para cirurgia?
Sim, a mudança do atual Sistema Integrado de Gestão para Cirurgia (SIGIC) para o SINACC será um percurso faseado porque não há redundâncias e tem de ser feito de forma muito segura. E por isso, vamos começar com as cirurgias, porque são menos dados, para detetarmos eventuais falhas na transição, para que não aconteçam quando alargarmos para as consultas de especialidade, que são muito mais.
E quando é que o novo sistema passa a abranger também consultas de especialidade?
Vamos fazer também um projeto-piloto que deve começar em abril/maio, mas ainda não determinamos em que centros hospitalares. E ainda estamos a avaliar se há condições para externalizar a resposta. Faremos a transição global no país inteiro daqui a um ano.
Nesta fase piloto, o que é que muda para os doentes que aguardam cirurgias no IPO de Lisboa e nas Unidades Locais de Saúde de Coimbra e do Alto Ave?
Não muda nada nem poderia, porque qualquer alteração criaria diferentes acessos a cirurgias a nível nacional. Nesta fase piloto os utentes ainda vão estar sujeitos às regras do SIGIC, ou seja, quando é atingindo o tempo máximo de resposta garantido é emitido um Vale Cirurgia, para poderem ser intervencionados numa unidade com convenção com o SNS.
Mas então o que é diferente durante o projeto-piloto?
Os profissionais vão ter uma visualização diferente das listas e o processo, em si, passa a ter um percurso bastante mais simples. Há também ferramentas para melhorar a gestão e há um melhor registo de diversos procedimentos.
Vão ser também testados os procedimentos, que serão uniformizados a nível nacional, independentemente do local onde o doente estiver, seja no convencionado, ou setor público. Isto relativamente ao agendamento, ao contacto com os doentes e à forma como se gere o processo de faltas.
Todos estes procedimentos estarão uniformizados, ao contrário do que acontece agora, em que cada entidade tem a sua forma de marcar e desmarcar cirurgias. Vamos testar estes procedimentos para verificar se estão conforme, se os profissionais aderem, e não há problemas nos fluxos.
Quando o novo Sistema de Acesso a Consulta e Cirurgia estiver a funcionar em pleno, presumivelmente dentro de um ano, quando o doente ultrapassar o Tempo Máximo de Resposta Garantido (TMRG) o que é que acontece?
O doente recebe uma mensagem com retorno no telemóvel – uma smart SMS - a perguntar se aceita ou não ser externalizado [fazer a cirurgia fora do SNS]. Tem 48 horas para responder ou será contactado telefonicamente. Se consentir, recebe um PIN (que substituiu a Nota de transferência/Vale cirurgia) com o qual poderá marcar a cirurgia nas unidades com disponibilidade para a sua patologia, como já acontece no atual sistema.
Mas também pode – e aqui é que está a novidade - ser contactado por um hospital ou outra unidade de saúde que se propõe resolver o problema.
Passa a haver uma responsabilização do doente
E como é que é feita a marcação da cirurgia?
O que está previsto é que quando um doente é proposto para uma cirurgia, seja contactado por telefone, no mínimo, com 15 dias de antecedência e isto independentemente de ser uma unidade do SNS ou uma unidade privada com convenção.
É muito importante que este agendamento seja feito o mais depressa possível, no máximo em 48 horas, porque não vamos alocar um tempo de bloco para um doente que não consegue ir. Se não aceitar a primeira data tem direito a mais duas propostas, mas se não concordar com nenhuma, é avisado que será retirado da lista. Passa a haver uma responsabilização do doente.
E esse contacto vai ser testado agora nesta fase?
O contacto com o doente sim, mas apenas para os agendamentos no SNS. Ao contrário do que acontece no sistema atual, aqui há uma responsabilização da entidade e também do doente, portanto, tem de haver prova do contacto feito.
Todas as unidades de saúde envolvidas vão ter de disponibilizar um número de telefone e um email exclusivamente para informações sobre as cirurgias.
E no agendamento das cirurgias os médicos deixam de poder fazer pré-inscrições?
Exatamente. Até agora os médicos podiam, por exemplo, fazer a pré-inscrição de um doente com a data de hoje e a inscrição só daqui a dois ou três meses mantendo a data anterior. Isso acabou: a inscrição é feita na data em que o doente entra para a lista. Parece que é um pequeno pormenor, mas ajuda muito na ordenação da lista. Atualmente – imagine - o doente considerava que tinha 200 pessoas à frente e na semana seguinte, afinal, eram 400 porque havia estes tais doentes, pré-inscritos, que não estavam visíveis.
O doente vai poder acompanhar a sua evolução na lista na aplicação SNS24 no telemóvel ou no portal do SNS24
E como é que o doente acompanha a sua situação?
O doente vai poder acompanhar a sua evolução na lista na aplicação SNS24 no telemóvel ou no portal do SNS24. Com o seu número de inscrição na LIC (lista de inscritos para cirurgia) consegue ver quantos doentes estão à sua frente.
Isto não pode ser testado agora porque a ordenação nacional só pode ser feita quando tivermos todos os doentes efetivamente localizados.
Este novo modelo implicou a alteração dos tempos máximos de resposta garantidos. Isso já está pronto?
Os tempos máximos – que já tinham sido definidos – sairão em simultâneo com a publicação do decreto e das portarias do SINACC. Reduzimos as atuais quatro prioridades para apenas duas – prioritário ou não prioritário - o que também vai simplificar a gestão das listas e está em conformidade com as normas clínicas mais atuais.
E os doentes oncológicos? São sempre prioritários?
Sim, são todos considerados prioritários, como é óbvio. Para gestão da lista, sempre que tenho dois doentes prioritários - porque há patologias que não são malignas, mas são prioritárias - quando estou a fazer o agendamento há uma regra que que diz que deve ser dada preferência ao oncológico, em detrimento do doente não oncológico, desde que tenham o mesmo tempo de espera. Caso contrário, os doentes oncológicos prioritários, ficariam eternamente à espera. É importante que estas normas sejam simples e transparentes.
Esperamos que, pelo menos, traga mais eficiência ao sistema. Desde logo, ao diminuir as possibilidades de os doentes faltarem às cirurgias
Acredita que, com este sistema, as listas de espera vão escoar mais rapidamente?
Nós esperamos que, pelo menos, traga mais eficiência ao sistema porque há uma série de processos que vão permitir que se reduza essa ineficiência. Desde logo, ao diminuir as possibilidades de os doentes faltarem às cirurgias, o que atualmente acontece com alguma frequência. Este indicador será analisado indiretamente: o número de cancelamentos de cirurgias, no próprio dia, dá-nos logo uma ideia se há maior eficiência ou não.
Os hospitais que tenham menos recursos humanos podem ter mais problemas nesta gestão
O novo SINACC vai depender muito do funcionamento de cada ULS, não há aqui o risco de haver desigualdades regionais?
Há, de facto, porque está tudo muito dependente da gestão local de cada ULS. Os hospitais que tenham menos recursos humanos podem ter mais problemas nesta gestão, mas contamos com a Direção Executiva do SNS para diminuir a diferença dos acessos entre doentes dos diversos locais do país.
E como é que isto se controla ou se evita esta discrepância regional?
Ao haver a centralização dos dados, quem está a coordenar vai ter a capacidade de verificar o que é que está melhor num sítio e pior noutro e pode fazer programas, que podem ser específicos, para diminuir as iniquidades. Por isso é que eu digo que a produção adicional de cirurgias vai ser dependente e deve ser ajustada às necessidades de cada ULS.
Todas estas alterações vão implicar muita formação. Já começou?
No dia 11 foi feita a primeira formação para os gabinetes de formação de todas as ULS e IPO. A formação será muito baseada em e-learning com tutoria à distância. Na prática serão dadas pequenas lições em que a passagem para o nível seguinte fica dependente da aprovação na anterior.
E essa formação é para quem?
É para todos os médicos que inscrevem doentes em cirurgia, todos os técnicos administrativos que lidam com a ferramenta de todas as ULS. Para além disso, temos também os gestores de cada unidade que ficarão a gerir isto com uma formação específica. É um grande desafio: são milhares de pessoas.