27 out, 2025 - 08:50 • Liliana Carona
À entrada do Lar de Alcambar da Santa Casa da Misericórdia, no concelho de Arruda dos Vinhos, a acabar de acender mais um cigarro, está uma das primeiras mulheres agentes da PSP em Portugal. Durante os 39 anos de carreira, Ercília Louro passou apenas uma multa e foi a um homem que, ao vê-la de farda, lhe atirou um piropo.
Tinha então 28 anos e trabalhava na Divisão de Trânsito de Santa Marta, em Lisboa. O caso terminou na esquadra por desacato à autoridade. “Havia sempre aqueles que gostavam e os que não gostavam... Eu ia na Avenida da Liberdade, e vem um senhor no passeio, e, quando se foi aproximando, mandou-me um piropo, (que prefiro não reproduzir). Eu parei e levei-o para a esquadra, por desacato à autoridade”.
Hoje, com 81 anos, recorda que fez parte da primeira centena de mulheres a ingressar na PSP, no ano de 1972. Um recorte de jornal do "Diário de Notícias" com o aviso de que a PSP procurava mulheres foi ter lhe às mãos pelo marido e nem pensou duas vezes.
"Vinha no jornal, o pedido para mulheres polícia, no "Diário de Notícias", e eu pensei nem é tarde nem é cedo. Inscrevi-me, chamaram-me passado três meses e em março de 72 já estava a jurar bandeira frente aos Jerónimos", conta com visível satisfação.
Ercília Louro acreditava que ser agente da PSP tinha tudo a ver consigo: “achei que era um emprego que tinha muito a ver comigo, sempre gostei dessa área do trânsito, fascinava-me”, relembra, salientando que, ainda antes de entrar para a PSP, com 22 anos e o ensino básico, já tinha carta de condução. Todavia, Ercília conta pelos dedos de uma mão as vezes em que saiu à rua em serviço, nomeadamente a conduzir.
“No princípio andei três meses na rua, mas depois fiquei num gabinete sozinha a atender telefones, andava pouco na rua, mas fomos todas bem recebidas, mais do que eu imaginara, talvez por medo ou por ser novidade”, desabafa.
A antiga agente da PSP fez cursos de defesa pessoal e judo e andou de saia no primeiro ano (era a única farda). Teve de pedir autorização à Câmara de Lisboa para se mudar de Arruda dos Vinhos para a capital.
O salário mensal não chegava a três contos e, apesar das diferenças para os tempos atuais, Ercília, a viver no Lar da Santa Casa de Misericórdia de Arruda dos Vinhos, resume que foi profundamente feliz como agente da PSP e deixa um conselho às jovens mulheres: “Que não tenham medo. A mulher não é menos que o homem, nem na escrita, nem no falar, nem no saber muitas coisas como eles".
"Senti-me livre”, conclui.
Consultando o Arquivo Nacional da Torre do Tombo, é possível ver fotos dos treinos e as aulas do Curso de Polícia, além do dia juramento de bandeira destas primeiras mulheres polícia, frente aos Mosteiro dos Jerónimos, onde se observa Ercília Louro.
A investigadora Susana Durão no artigo “A vez das mulheres na polícia portuguesa (1970-2015)” clarifica que “esta integração de mulheres na polícia visou, fundamentalmente, preencher alguns quadros administrativos e libertar os colegas do sexo masculino para funções policiais. Era necessário fazer face a algumas carências de pessoal, resultantes em parte da partida de homens para a guerra nas colónias.
As poucas mulheres a quem foram distribuídas tarefas de policiamento e patrulhamento estavam colocadas nas áreas do trânsito e na vigilância de mulheres e crianças, exclusivamente em regime diurno. Na revista Polícia Portuguesa de 1972, a guarda L. escrevia (por detrás de seu anonimato): "Muitos perguntam, aonde estão as mulheres polícias? Têm razão para o fazer. Percorre-se Lisboa a qualquer hora e quase não se vê nenhuma. Somos um mito e não uma realidade”, pode ler-se.
A primeira turma de polícia feminina em Portugal foi a primeira Escola de Alistadas de Senhoras, que ocorreu em 1971/1972, na PSP, com 108 mulheres ingressando no quadro policial.
A Polícia de Segurança Pública (PSP) é a força policial mais antiga do país e a sua origem remonta à fundação da Polícia Cívica de Lisboa e Porto, em 1867.