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entrevista a Vania Baldi

"Há muita desinformação de extrema-direita" nas campanhas eleitorais em Portugal

22 jan, 2025 - 23:32 • Sandra Afonso

Em "O Direito de Não Ser Desinformado", o investigador Vania Baldi alerta para a falta de literacia mediática em Portugal e explica como surgem os fenómenos desinformativos, que chegam a afastar a audiência dos media convencionais. O professor do ISCTE critica ainda o excesso de opinião nos media e aponta o papel que podem ter as políticas públicas para garantir o direito à informação.

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"Há muita desinformação de extrema-direita" nas campanhas eleitorais em Portugal
Ouça a entrevista ao investigador Vania Baldi

“Existe muita desinformação com agenda política”, defende Vania Baldi, coordenador e um dos autores de “O Direito de Não Ser Desinformado - Media, fact-checking e literacias em Portugal" (Almedina).

Em entrevista à Renascença, o professor do ISCTE-IUL fala do problema da literacia mediática, entre quem faz e quem consome informação.

Explica ainda como surgem os fenómenos desinformativos, que estão a condicionar a vida política e social, e que chegam a afastar a audiência dos media convencionais.

Vários estudos indicam que em Portugal aumenta a desinformação, sobretudo durante as campanhas eleitorais, em sites, blogues e perfis nas redes sociais, ligados à extrema-direita. Sublinha que a reduzida atenção e a velocidade de decisão nas redes sociais “permite a muitos conteúdos circular e propagarem-se sem serem escrutinados”.

Vania Baldi critica ainda o excesso de opinião nos media, a “tendência dos meios convencionais para criar os contextos pelos quais são chamadas pessoas a opinar sobre opiniões de outros, que opinam sobre outras opiniões”. Diz que “perdemos o hábito de refletir sobre factos”.

A informação é concebida como uma mercadoria e, “havendo poucos recursos, a competição é de todos contra todos”, explica. Na luta pelas audiências “muitas vezes descuida-se a seriedade, a sobriedade, o aspeto jornalístico e informativo”, alerta. Aqui as políticas públicas podem e devem ter um papel, com apoio financeiro e não só. “É fundamental para o funcionamento da democracia”, conclui.


O que entende por "Direito de não ser desinformado"?

(Risos) É uma expressão que faz pensar em algo da área do Direito. Na realidade, é uma expressão da filósofa Hannah Arendt, que dizia que "o direito é ter direito a direitos". Nesse sentido, é uma forma de dizer que ser bem informado permite exercer outros direitos e, naturalmente, cumprir deveres. E como cidadãos, todos somos, de alguma forma, obrigados também a respeitar e cumprir. Portanto, é como dizer que a informação correta, a informação honesta, permite exercer a cidadania.

E esta informação correta e honesta, como diz, que é um direito constitucional, acha que está a ser cumprida neste momento?

Eu diria que não é só neste momento. No livro, há uma parte também dedicada à génese do problema da desinformação. É algo que vem de longe.

A questão que se levanta é que há, cada vez mais, uma confusão entre esferas informativas de opinião, de funcionalidades ligadas ao exercício da comunicação, quando é que é comunicação institucional, quando é comunicação política e quando é propaganda. É algo que se tem vindo a confundir, a tornar cada vez mais promíscuo, por várias razões, a primeira das quais os conflitos de interesses, razão pela qual a informação é também concebida como uma mercadoria.

Essa é uma das explicações para os fenómenos desinformativos que condicionam neste momento a nossa vida? Vida política e vida social?

Também, porque podemos dizer que a informação nem sempre cumpre o seu papel de ofício democrático, quando é idealizada, empacotada, apresentada de uma maneira que tem que ser, em primeiro lugar, cativante e apelativa. Até a informação que tem fundamento pode ser já, de alguma forma, espetacularizada, porque não deixa de ser também uma mercadoria.

Depois temos outras razões onde a noção de informação extravasa para a da desinformação, que remetem para outros conflitos e outros contextos, sempre políticos, comerciais e também geopolíticos. Porque, cada vez mais, a desinformação é uma maneira de tentar condicionar a opinião pública, exercer pressão nas agendas políticas e mediáticas para criar o caos, a instabilidade, dúvidas, desconfiança, descontentamento ou até afastamento da participação política.

Esta análise que apresenta é transversal a todo e qualquer meio de divulgação ou são fenómenos que estão mais concentrados em determinados meios e em determinadas formas de comunicação?

Os aspetos desinformativos, hoje em dia, têm a sua matriz no âmbito dos contextos digitais e das redes sociais online. Depois, começam a circular e a tornar-se também protagonistas do debate público e, portanto, da agenda mediática mainstream, convencional, porque conseguem ganhar destaque.

Nos media?

Nos media convencionais, sim. Até a Rádio Renascença pode acabar por comentar ou debater uma notícia que sabe ser falsa, mas conseguiu criar ruído, um boato que levantou alvoroço. E acaba por falar de uma coisa que se sabe ser falsa, mas, mesmo assim, fala do fenómeno.

Mesmo que seja para contextualizar o fenómeno e repôr a verdade?

Mesmo que seja para contextualizar o fenómeno, naturalmente é bom explicar as razões pelas quais esta notícia falsa foi criada e foi divulgada. Mas, muitas vezes, o propósito para quem cria essas notícias falsas é criar ruído, é conseguir alguma visibilidade.

E esse objetivo está a ser conseguido.

Muitas vezes é conseguido. Não há dúvidas que deve ser constantemente monitorizado, feito um fact-checking [verificação de informação], desmentido. O problema é quando algumas questões que são falsas, continuam a criar debates, não sobre a falsidade, mas sobre a questão.

Acabamos por falar de pseudo-eventos, porque o evento não existe mas, mesmo assim, damos visibilidade a uma coisa que poderia ser abordada a partir de outra perspectiva. É aquela pela qual se pode logo classificar a falsidade, a intenção ou a motivação que está por trás de uma tentativa de inquinar o espaço público, o debate público.

Há também excesso de opinião nos media?

O perigo é quando o debate público às vezes parece que precisa, para chamar a atenção, de notícias extravagantes para dinamizar colóquios ou preencher horas de programas televisivos ou radiofónicos. Ou seja, existe também uma tendência dos meios convencionais, para criar os contextos pelos quais são chamadas pessoas a opinar sobre opiniões de outros que opinam sobre outras opiniões.

Perdemos o hábito de falarmos dos factos, porque, no fundo, parece que a esfera mediática tem uma grande parte da sua agenda dedicada a comentários de comentários, ou a previsões, ou a especulações sobre cenários futuros. É como se tivéssemos a perder o hábito de refletir sobre factos.

É a desordem informacional de que fala no livro?

A desordem informacional é quando se cria, de uma forma voluntária ou involuntária, um clima em que não se sabe se é possível confiar numa notícia que está a circular ou em discussão. Ou uma dimensão tal de abundância informacional que cria também uma desordem, porque é difícil distinguir notícias verídicas de outras talvez menos fiáveis.

A desordem informacional é quando se cria aquela desordem cognitiva de que falava antes, onde nos deparamos com notícias que recebem muita visibilidade nas redes sociais. São notícias que muitas vezes puxam pela emoção, pelo aspeto mais irracional, pelos sentimentos mais primários e aí cria-se uma dimensão de incerteza que é muito propícia à propagação da desinformação e a outra atitude, também muito estudada, que é evitar notícias.

A desinformação ganha terreno, não só porque cria caos, incerteza, desconfiança, mas também porque cria afastamento das notícias que podem ser em si boas, fiáveis, mas é tal o caos que se evitam até as notícias mainstream, verificadas.

Estes dados reforçam a importância do fact-checking. Que balanço faz desta nova tendência, nomeadamente em Portugal?

Sabemos, por vários estudos, que Portugal é ainda um país onde a desinformação existe, mas ainda não atingiu os níveis de outros países. Contudo, já verificámos que, nomeadamente em períodos de campanhas eleitorais, mas não só, há muita desinformação oriunda de sites, blogs, redes sociais, perfis das redes sociais ligados à extrema-direita.

O fact-checking é necessário, mesmo com algum atraso, porque a notícia já circula, já foi partilhada. Mas é importante termos provas das notícias não fundamentadas, de quais eram, para onde é que circularam, qual é o rastreio desta desinformação.

Este processo de validação de informação é suficiente?

Precisamos de literacia, de literacia mediática, e de entender que é necessário associar a literacia mediática à literacia cívica, política, cidadã, porque toda a desinformação assenta no intuito de criar caos na vida pública, na vida política.

Pode existir desinformação apenas pelo gozo de partilhar notícias falsas, mas existe muita desinformação com intuito, que tem por trás uma agenda política. Nesse sentido, temos que ser capazes de reconhecer, através da literacia mediática, se algo é fiável ou não, mas também entender quais são as estratégias políticas, ideológicas que estão por trás.

Diria que falta literacia mediática entre quem faz e quem consome informação?

Sim, naturalmente. É uma tarefa constante, inesgotável, porque os meios, os instrumentos, as plataformas para as quais as comunicações são criadas, distribuídas, consumidas, editadas, estão constantemente em evolução.

Temos que estar sempre a par com a evolução do processo infocomunicacional no geral, porque qualquer processo infocomunicacional e qualquer plataforma também implica a possibilidade, o risco de um processo desinformativo, de um caos informacional. Não é só por parte de quem trabalha na área da comunicação, como também de quem consome a comunicação.

Temos dados que nos dizem que nas redes sociais, por exemplo, temos uma atenção reduzida ao mínimo, de poucos segundos. Partilhamos informações em dois segundos e meio. Lemos o título e partilhamos, votamos "posts" que não lemos. Há uma velocidade, uma superficialidade, uma negligência na maneira de lidar com conteúdos digitais que também permite a muitos conteúdos circular e propagarem-se sem serem escrutinados.

A crise no jornalismo e nas empresas de media também contribui para esta falta de literacia mediática? A luta pelas audiências ameaça o conteúdo?

No contexto informativo, vender significa audiências. Por um lado, temos a pressão do mercado, das receitas publicitárias que desafia o trabalho jornalístico a manter um equilíbrio constante entre uma deontologia profissional e a necessidade do marketing, o marketing da atenção. Por outro lado, é necessário investir constantemente em formação dos jornalistas.

São os jornalistas que reivindicam a necessidade de ter formação, de fazer constantemente atualizações dos seus estudos, porque este contexto está em constante evolução. Muitas vezes, por causa da pressa, da falta de recursos, as redações jornalísticas, as editoras, investem pouco neste âmbito ou utilizam os recursos que têm de tal forma que estes não conseguem dar o seu melhor.

Fala-se muito na literatura sobre este fenómeno, a uberização do jornalismo. Remete para a ideia que o jornalista é cada vez mais alguém com um trabalho precário, que o seu valor é pouco reconhecido e, por isso, precisa de trabalhar em multitasking. Muitas vezes é preciso imitar o modelo informativo das redes sociais para conseguirem o clique, visibilidade.

Isso tudo faz mal à comunicação, à comunicação social. É uma das razões pelas quais também as audiências depois migram dos jornais, das televisões, das rádios para as redes sociais. Porque, se o modelo é parecido, acaba por haver pouca distinção.

O Governo pode ter aqui algum papel?

As políticas públicas poderiam ter sem dúvida um papel. Em primeiro lugar, para dar maior dignidade ao trabalho dos jornalistas. O desafio é dar maior legitimidade às profissões e instituições que trabalham para cumprir um dever que permite à cidadania exercer os seus direitos.

O direito de não ser desinformado é um direito fundamental e deveriam ser as instituições públicas a promoverem esta política. Através de ajudas de várias naturezas, podem ser económicas para os grupos editoriais que trabalham com informação, mas também exigir às editoras uma reflexão sobre a sua maneira de conceber a comunicação e a informação, que não pode ser só a guerra constante pela atenção.

Sei que, havendo poucos recursos, a competição é de todos contra todos. Muitas vezes descuida-se a seriedade, a sobriedade, o aspeto jornalístico e informativo. Mas deveríamos voltar a recuperar este papel, porque é fundamental para o funcionamento da democracia.

Este é um compromisso com o "novo consenso social" que defende no livro?

Sim, de alguma forma, temos de voltar a trabalhar para que o conhecimento, a cultura, os factos, as análises, sejam valorizadas pelo que trazem para a utilidade social. Não deve favorecer um grupo em detrimento de outro. Não deve ser aproveitado para tentar monetizar.

Deve voltar a ser um pilar, porque se nós herdamos, no século passado, instituições democráticas, direitos, o cumprimento de deveres, uma maneira de comunicar mais civilizada, foi porque reconhecíamos a estas instituições um papel. É importante que se volte a construir à volta destas instituições mediáticas, políticas, científicas, que se volte a projetar valor nestas instituições.

Estas instituições devem também ser capazes de conquistar este reconhecimento. Para tal, devem voltar a investir, não só economicamente, mas também culturalmente, adotar outra linguagem. Já verificámos que a linguagem do ódio é a que mais rende nos media, nas redes sociais, é a que dá mais visibilidade, dá mais partilhas. Mas assim estamos a minar os poços através dos quais nos alimentamos. É um perigo.

Se queremos construir uma sociedade, uma democracia mais adulta, temos que começar a abandonar este caminho, que aparentemente nos traz, no curto prazo, alguns benefícios, mas, no médio longo prazo, cria uma sociedade onde todos desconfiam de todos.

Comentários
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  • Leitor
    28 jan, 2025 Lisboa 06:17
    Sobre extremas. Não li o livro, só a a entrevista. Nela o investigador não diz que não há desinformação de extrema esquerda, mas que é a extrema direita que mais fomenta e usa a desinformação contra o sistema prevalecente, democrático. A propósito, a extrema esquerda também combate o sistema democrático, usando-o com outras armas que não vêm agora ao tema, mas em que a propaganda toma o lugar da desinformação.
  • António Candeias
    25 jan, 2025 Leiria 12:18
    E da desinformação ou da lavagem cerebral ao cidadão tanto pelos governos, políticos de todos os quadrantes não é desinformação? Impor como a EU fez para que os cidadãos so tenham a informação que a EU quer que tenhamos o que chama a isso? Senhores investigadores vão todos encherem-se de pulgas.
  • Jose Carlos Fonseca
    23 jan, 2025 Maia 12:59
    Pseudo investigadores que caiem do céu.
  • Alberto Sequeira
    23 jan, 2025 Mirandela 12:43
    Então e da extrema esquerda não há? Tenham vergonha uns e outros… quem é este tipo que fez este estudo? De que extrema é? Não façam das pessoas idiotas! Ajudem mas é as pessoas pois quando as pessoas estiverem mais mal vai ser bonito!
  • Maria
    23 jan, 2025 Palmela 11:32
    O que e desinformacao de extrema direita?
  • ze
    23 jan, 2025 aldeia 09:07
    Há extrema direita em Portugal?não é proibida pela constituição? e não haverá também extrema esquerda?

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