01 fev, 2025 - 01:30 • Susana Madureira Martins
Horas depois de Pedro Nuno Santos ter apresentado o pacote de alterações do PS à lei de estrangeiros, que o líder do PS classificou como uma “solução moderada" e um “contributo positivo de aproximação" ao Governo, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, veio dizer que algumas propostas são “erradas” e outras são “perigosas”, mas deixou nas entrelinhas que nem tudo é mau, deixando antever que pode haver uma base de entendimento.
Para o Governo, o PS aderiu à política de imigração da AD e as sete propostas apresentadas vão no sentido de validar a estratégia do executivo, repetindo, reforçando ou complementando várias das 41 medidas do Plano de Ação apresentado no verão de 2024.
Pedro Nuno Santos, de resto, assumiu abertamente essa aproximação à estratégia do Governo na conferência de imprensa desta sexta-feira, no Parlamento, referindo que o pacote de sete alterações à lei se trata de um “contributo positivo de aproximação” à linha sobre imigração da AD.
Da parte do Governo, há um reconhecimento do “esforço construtivo” do PS nesta área, apesar de considerar que a maioria das medidas apresentadas por Pedro Nuno não seja inovadora ou tenha um impacto reduzido e uma minoria possa ter efeitos problemáticos, como a do reagrupamento familiar.
Entre as propostas dos socialistas está o reforço (...)
Mas, Leitão Amaro não fechou a porta a conversar com o PS e notou que há “quatro propostas boas”, não resistindo, porém, a dar uma bicada a Pedro Nuno: “São quatro ideias do Governo, mas nós estamos disponíveis para olhar para a forma como o PS quer vê-las concretizadas".
Pedro Nuno Santos garante que o PS não adotará a "posição clássica de oposição" em que está contra tudo o que vier do Governo e o executivo pede esclarecimentos dos socialistas, sobretudo sobre três das propostas: A abolição de limites ao reagrupamento familiar, o papel da Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) nos processos de vistos consulares e o acesso direto a autorizações de residência em território nacional por detentores de vistos de trabalho temporário e de estada temporária.
O PS propõe reduzir os prazos de resposta aos pedidos de reagrupamento familiar e assegurar que estes possam ser feitos a todo o momento, eliminando os prazos definidos pela AIMA.
Para o Governo esta é uma das propostas mais problemáticas, já que o entendimento é que acabar com janelas temporais e compressão de prazos inviabiliza a gestão do fluxo migratório, que o executivo alerta que pode ser de várias centenas de milhares de pessoas.
Os socialistas entendem que o reagrupamento familiar, para além de ser um direito importante para os cidadãos estrangeiros, é um instrumento importante de integração, o Governo admite que é uma via importante, mas a agilização implica uma regulação prudente e uma abolição de limites abriria uma nova porta escancarada de imigração.
Com a AIMA a braços com milhares de processos de regularização de imigrantes, o PS propõe o reforço do papel da Agência. Os socialistas sugerem que as empresas que desejem recrutar trabalhadores estrangeiros possam organizar os processos de vistos e autorizações de residência diretamente com a AIMA, que fica encarregue de organizar os pedidos. Os consulados limitam-se a concluir e decidir os processos
Ministro António Leitão Amaro saúda "esforço const(...)
Para o Governo, esta nova intervenção da AIMA nos processos de vistos consulares duplica a burocracia, atrasa e agrava o congestionamento. O entendimento do executivo é que legalmente a proposta do PS não dispensa nenhuma das tarefas de organização, entrevista, instrução e decisão pelos postos consulares e só acrescenta uma nova camada processual.
O Governo contra-argumenta que tem em curso uma racionalização, digitalização e centralização da organização documental na rede consular e esses podem acelerar os processos.
"Com a extinção da manifestação de interesse, há um conjunto de cidadãos estrangeiros que estão a trabalhar em Portugal que deixaram de poder continuar em Portugal a trabalhar, a não ser que regressem ao país de origem para iniciar um novo processo de obtenção de visto ou então passarem mesmo para uma situação de ilegalidade", defende Pedro Nuno Santos.
O PS defende que é preciso proteger os trabalhadores estrangeiros sazonais, mas o Governo alega que estas situações são hoje pouco expressivas e representam cerca de 2 mil vistos por ano, representando 0,6% dos vistos emitidos e uma proporção ínfima das entradas.
O executivo considera a medida como inexpressiva, mas admite, ainda assim, que o mecanismo proposto pelos socialistas pode ser benéfico em casos limitados e dentro de certas condições. O Governo alerta que, caso não sejam asseguradas essas condições regulatórias, nem a efetividade da ocupação laboral, pode comprometer-se o controlo dos fluxos migratórios.
Entre as quatro propostas do PS que são consideradas “boas” pelo Governo está a agilização de processos de concessão de vistos quando empregadores garantam condições de integração aos trabalhadores imigrantes. Entre essas condições estão a habitação, formação profissional e o ensino da língua portuguesa.
O Governo faz notar que se encontra em negociação com as confederações patronais exatamente uma proposta deste tipo, ficando as empresas obrigadas a garantir condições de alojamento aos trabalhadores estrangeiros que recrutam.
Presidente da Câmara de Lisboa ainda não consegue (...)
Pedro Nuno Santos ciente disso mesmo, ao defender a medida, ressalvou que “não pode ser apenas o mercado de trabalho e as empresas a determinarem os fluxos migratórios”.
A outra medida considerada “boa” pelo Governo, mas que ao mesmo tempo é desdenhada, é a do reforço do papel do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) nos vistos para procura de trabalho.
Os socialistas propõem que os vistos para procura de trabalho passem a incluir uma data de agendamento no IEFP nos primeiros 30 dias após a entrada no país, mas o executivo alerta que tal já existe e entende que o PS desconhece os procedimentos que estão em vigor, anunciando uma medida como se fosse inovadora.
O executivo argumenta que os imigrantes que queiram obter um visto para procura de trabalho têm de obter uma declaração de pré-inscrição junto do IEFP e só com esse documento têm acesso ao visto. No caso de não conseguir vínculo laboral durante 120 dias da validade, o visto só poderá ser prorrogado por mais 60 dias se estiver inscrito no IEFP.
Também a valorização da língua portuguesa proposta pelo PS é considerada pelo executivo como uma medida fundamental do Plano de Ação para as Migrações e da política de integração e o Governo garante que já está a ser implementada.
O mesmo acontece, garante o executivo, com a desmaterialização e simplificação de procedimentos proposta pelos socialistas, com possibilidade de apresentação online dos pedidos de vistos e autorizações de residência. A medida está em curso, com vários investimentos na infraestrutura tecnológica e sistemas de informação da AIMA.
Tudo somado, Pedro Nuno tenta a aproximação ao Governo, optando por “soluções moderadas” e tentando secar um território onde o Chega tem tudo para brilhar e o executivo vê nesta intenção um PS a reconhecer erros e uma pesada herança de António Costa. Resta saber se o “esforço construtivo” dos socialistas que o executivo admite que existe chega para um entendimento.