Spinumviva

Dos solos para os casinos. O que se passa agora com a empresa familiar de Montenegro?

28 fev, 2025 - 21:56 • João Pedro Quesado , Diogo Camilo

No espaço de três anos e meio, a Spinumviva recebeu cerca de 185 mil euros em avenças da Solverde, reacendendo um caso que começou com potenciais conflitos de interesse pela lei dos solos. Entre os clientes da empresa estão outras duas empresas com as quais o primeiro-ministro teve ligações no passado – a Rádio Popular e a Ferpinta.

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Negócios da família Montenegro. "Farei uma avaliação pessoal e política amanhã às 20h00"
Negócios da família Montenegro. "Farei uma avaliação pessoal e política amanhã às 20h00"

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A moção de censura ao Governo da semana passada não foi aprovada, mas o tema da empresa familiar de Luís Montenegro não morreu com o chumbo. Depois de continuar em lume brando durante uma semana, com o socialista Pedro Nuno Santos a avaliar como insistir para obter explicações, a revelação desta sexta-feira, pelo Expresso, de que o grupo Solverde paga 4.500 euros por mês à Spinumviva, deu novo alento à polémica.

Um esclarecimento da família Montenegro veio revelar os atuais clientes da empresa, que incluem a Solverde e outras duas empresas com as quais o agora primeiro-ministro teve ligações no passado – a Rádio Popular e a Ferpinta.

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No Porto, durante a visita de Estado do Presidente francês, Emmanuel Macron, o primeiro-ministro disse que vai fazer “uma avaliação pessoal e política no sábado às 20h00”, depois de uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros.

O que se passa agora?

Segundo o Expresso desta sexta-feira, foi o grupo Solverde, um grupo de casinos e hotéis sediado em Espinho, a revelar ao jornal que paga desde julho de 2021 uma avença mensal à empresa familiar do primeiro-ministro, no valor de 4.500 euros. No total, até ao final do ano passado e no espaço de 41 meses de avenças, a Spinumviva recebeu cerca de 185 mil euros da Solverde.

Estas avenças pagam “serviços especializados de compliance e definição de procedimentos no domínio da proteção de dados pessoais”.

Qual é a relação entre Montenegro e o grupo Solverde?

A relação de Luís Montenegro com o grupo Solverde não é nova. O atual primeiro-ministro trabalhou para a Solverde entre 2018 e 2022 — depois da saída do Parlamento, em 2017, e até ao ano em que foi eleito para a presidência do PSD, depois de já se ter candidatado em 2020.

Nos cerca de cinco anos em que trabalhou para o grupo de casinos, Montenegro foi o representante da Solverde nas negociações com o Estado para a prorrogação do contrato de concessão dos casinos de Espinho e do Algarve — um contrato que termina no final deste ano. O procedimento normal seria o lançamento de um novo concurso para a concessão, que ainda não aconteceu.

De acordo com o “Expresso”, o acordo de consultoria entre a Solverde e a Spinumviva começou em julho de 2021, seis meses depois de a empresa ter sido registada com a morada e número de telemóvel de Luís Montenegro.

Durante os primeiros dez meses de vida da empresa, até maio de 2022, a Solverde pagava ao mesmo tempo esta avença mensal à Spinumviva e uma outra, no valor de 2.500 euros, à sociedade de advogados da qual Montenegro era sócio, a Sousa Pinheiro & Montenegro, que abandonou quando foi eleito presidente do PSD.

Quanto pesam as avenças da Solverde nas contas da Spinumviva?

Olhando para a soma das avenças que a Solverde revelou prestar à empresa familiar de Montenegro, retiramos que a Spinumviva recebeu 54 mil euros, por ano, nos últimos três anos – 2024, 2023 e 2022. No seu primeiro ano de atividade, 2021, a Solverde avançou uma quantia total de 22.500 euros.

De acordo com as demonstrações financeiras da empresa, consultadas pela Renascença, a faturação da Spinumviva nos primeiros três anos de atividade foi superior a 700 mil euros. Se juntarmos a este valor a estimativa de faturação que Luís Montenegro avançou no debate de moção de censura da semana passada, a faturação aproxima-se dos 900 mil euros no espaço de quatro anos.

Assim, os 184.500 mil euros recebidos em avenças pela Solverde representam qualquer coisa como 20,5% do total de receitas da Spinumviva.

O primeiro ano foi aquele em que a faturação da empresa familiar de Montenegro mais dependeu da Solverde – representou um terço das receitas -, enquanto no ano seguinte, os 54 mil euros recebido representaram apenas 13% da faturação de 2022.

Nesse ano, em que Montenegro se tornou presidente do PSD e deixou a gerência da empresa, foram registados lucros superiores a 300 mil euros – cerca de dois terços dos lucros totais da Spinumviva em toda a sua atividade.

Porque é que isto é relevante?

Luís Montenegro, licenciado em direito pela Universidade Católica Portuguesa, tem uma pós-graduação em direito de proteção de dados. Os serviços da Spinumviva ao grupo Solverde incluem “o exercício da função de encarregado de proteção de dados interno e a implementação integral das exigências do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e da legislação aplicável”.

O atual primeiro-ministro renunciou à gerência a 30 de junho de 2022, e transmitiu a quota que tinha na empresa para a mulher, Carla Montenegro, e para os filhos, Diogo e Hugo Montenegro, em 11 de agosto de 2022.

Hugo Montenegro, de 23 anos, esteve um ano em Direito na Universidade Católica do Porto, até abandonar o curso para tirar uma licenciatura em Administração de Empresas na Católica Porto Business School (CPBS), que concluiu em 2024, quando já era sócio-gerente da Spinumviva.

Carla Montenegro, com formação académica como educadora de infância e em Ciências da Educação, fez toda a sua carreira numa Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) em bairros desfavorecidos de Espinho. Diogo Montenegro, que completou 20 anos na passada semana, está ainda na universidade.

Quem presta agora os serviços?

Com a notícia desta sexta-feira, a própria Spinumviva veio revelar informação sobre si mesma. Em comunicado assinado por Hugo Montenegro, a empresa revela que os nomes e currículos de dois “colaboradores” da empresa. Ambos têm ligação à área da proteção de dados e trabalham com a empresa desde 2022.

Inês Patrícia, advogada, tem uma pós-graduação em Direito e Tecnologia desde novembro de 2021. A área de atuação como advogada envolve processos de direito digital, e é responsável pelo aconselhamento jurídico sobre, entre outras coisas, “acordos de proteção de dados” e “avaliações de impacto sobre a proteção de dados”, assim como é “encarregada da proteção de dados”.

André Costa, jurista, completou o mestrado em Direito e Informática em 2016 e desenvolve a atividade na “área de privacidade e proteção de dados”, e atua na Spinumviva como “consultor nas matérias de proteção de dados pessoais”.

Segundo o perfil de LinkedIn, André Costa trabalhou como jurista na empresa LAN Communication, LDA durante mais de dois anos.

As demonstrações financeiras, consultadas pela Renascença, revelam que a empresa familiar de Montenegro tinha dois colaboradores registados no ano de 2022 – e apenas um deles a tempo integral. Em 2023, o número de colaboradores duplicou para quatro, com um deles em regime de part-time.

Nesses anos, em que a Spinumviva registou faturação superior a 650 mil euros e acumulou lucros de 430 mil euros, foram pagos 135 mil euros em prestações de serviço.

O que disse Montenegro sobre isto?

O tema do grupo Solverde já tinha sido levantado por Pedro Nuno Santos na semana passada, no debate da moção de censura.

Nessa altura, Montenegro disse que “não é preciso qualquer conflito de interesses que possa dimanar de uma relação profissional ou contratual”.

“Sou amigo dos acionistas” da Solverde. Montenegro já tinha recusado conflito de interesses
“Sou amigo dos acionistas” da Solverde. Montenegro já tinha recusado conflito de interesses

“Sou amigo pessoal dos acionistas dessas empresas, por isso estarei sempre inibido e imponho-me inibição total de intervir em qualquer decisão que impacto com essa empresa em particular, e com todas aquelas com quem estiver ligado por relações familiares ou de amizade ou razões profissionais”, continuou depois o primeiro-ministro.

Montenegro beneficia do atual contrato?

O assunto continua por esclarecer definitivamente, mas se olharmos para o que já se sabia na semana passada, sim.

Isto porque Luís Montenegro está casado em comunhão de bens adquiridos com Carla Montenegro, a principal sócia da Spinumviva – o que significa que o primeiro-ministro beneficia de eventuais proveitos dos negócios.

Isso parece ser comprovado pela declaração de património e rendimentos de Luís Montenegro, de 19 de dezembro de 2024, que mostra que o primeiro-ministro tinha uma participação de 70% na Spinumviva, no valor de 4.200 euros – a soma das quotas de Montenegro (3.750 euros) e da mulher (750 euros), à qual foram subtraídos 150 euros para cada um dos dois filhos, Diogo e Hugo Montenegro, devido à transmissão de quotas que Luís Montenegro fez a 11 de agosto de 2022, depois da renúncia a 30 de junho.

Além disso, o Código Civil determina, no artigo 1714.º, que a venda de quotas entre membros do mesmo casal que tenham comunhão de bens adquiridos é nula.

Que outros clientes tem a Spinumviva?

Além da Solverde, a empresa da família de Montenegro são a Rádio Popular, o Colégio Luso Internacional do Porto, a Ferpinta, empresa da área do aço, e Lopes Barata, do ramo farmacêutico, entre outras atividades.

No comunicado enviado por Hugo Montenegro, é dito que “a relação contratual entre a Spinumviva, Lda e cada um dos seus clientes teve início numa altura em que o Senhor Dr. Luís Montenegro era sócio e gerente desta sociedade, mas não tinha qualquer atividade política”.

Segundo a declaração de Luís Montenegro junto da Entidade para a Transparência, consultada pela Renascença, o agora primeiro-ministro foi presidente da Assembleia Geral tanto da Rádio Popular como da Ferpinta até ter assumido o cargo de presidente do PSD, em julho de 2022.

Montenegro assumiu o cargo na Rádio Popular a 30 de maio de 2015 e o mesmo cargo na Ferpinta a 1 de janeiro de 2017.

Como tudo começou?

O caso começou a 15 de fevereiro, com uma notícia do “Correio de Manhã” em que se afirmava que a família de Luís Montenegro tem uma empresa imobiliária.

Isto devia-se ao objeto social muito abrangente da empresa, que inclui, segundo a certidão permanente da empresa, a “consultoria de gestão, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos (inclui públicos) em matérias muito diversas”, como “o comércio e a gestão de bens imóveis, próprios e de terceiros, incluindo a aquisição para revenda, arrendamento e outras formas de exploração económica”.

O problema, então, era o potencial benefício que a empresa pode ter em resultado das alterações à lei dos solos, promovidas pelo Governo no final de dezembro. Essa alteração permite a reclassificação de solos rústicos para solo urbano, desde que para fins de habitação ou conexos. A reclassificação necessita da aprovação da assembleia municipal, e tem de ser promovida pela câmara municipal.

As alterações entraram em vigor a 29 de janeiro, com outras alterações aprovadas esta sexta-feira, no Parlamento — condicionando a reclassificação para habitação com “arrendamento acessível” ou “a custos controlados”, obrigando a fazer prova de fontes de financiamento e viabilidade económica, e inscrevendo o critério da contiguidade territorial (não permitindo a construção aleatória em terrenos rústicos).

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  • Maria
    01 mar, 2025 Palmela 12:32
    Os melhores a quando da formacao da geringonca" ganiam dizendo que tinham ganho perdendo! Entretanto aproveitaram estes 8 anos pra governar a vidinha e nao quizeram saber de mais nada!

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