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Entrevista Renascença

Nuno Garoupa: "Ou há bloco central ou a AD entende-se com o Chega"

11 mar, 2025 - 06:15 • Tomás Anjinho Chagas , Lara Castro (vídeo)

Professor universitário radicado nos Estados Unidos critica o Presidente da República por ter aberto o "precedente" e estar obrigado dissolver o parlamento e considera que Luís Montenegro "é um político facilitador". O académico defende que haver eleições todos os anos "é aberrante" e propõe um bloco central com dez grandes medidas para um governo que dure quatro anos.

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Entrevista a Nuno Garoupa
Entrevista a Nuno Garoupa

Nuno Garoupa, professor universitário de direito na Universidade George Mason, no estado de Virgínia, nos Estados Unidos, acredita que o PS e o PSD devem entender-se para evitar que o país ande constantemente mergulhado em eleições.

Em entrevista à Renascença, concedida do outro lado do oceano atlântico, o académico atribui responsabilidades ao presidente da República - no dia em que a Assembleia da República vai votar a moção de confiança apresentada pelo Governo - por ter aberto um precedente que o obriga a dissolver o Parlamento cada vez que um primeiro-ministro cai.

Nuno Garoupa lamenta a forma como Luís Montenegro "subestimou" o caso da Spinumviva, que está na origem desta crise, e classifica o primeiro-ministro como "no mínimo, um político facilitador".


Oiça aqui a entrevista a Nuno Garoupa, ou leia-a aqui em baixo.



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Como é que olha para estes episódios a um oceano de distância?

A questão que se coloca, no curtíssimo prazo, em cima da mesa, é se essa moção de confiança passa ou não passa. No momento em que estamos a conversar tudo indica que vai chumbar, mas também há alguns sinais de que ainda pode haver aqui alguma reviravolta por parte do Partido Socialista. Mesmo que o governo continue em funções, penso que vamos continuar em crise política. Há uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as atividades do primeiro-ministro e da sua entidade empresarial e, evidentemente, isso tem consequências, temos o governo mais minoritário de sempre e, ainda haveria o Orçamento do Estado.

Também podemos dizer que a crise não é desinserida de um processo de desgaste e fragmentação do sistema partidário que estamos a viver desde 2019. Há aqui uma questão de curto prazo, Luís Montenegro e as acusações, os esclarecimentos que faltam ou não faltam. Desde 2019 que estamos com uma média de eleições de dois anos e dez anos. Isto configura uma situação de crise do sistema partidário e que não é tão diferente o que está a passar na Madeira.

Disse que havia realmente apreciações diferentes em relação a quem é o culpado desta crise. Do seu ponto de vista, é uma crise que parte do coração do governo, Luís Montenegro, ou, com a distância que tem, não partilha dessa opinião?

Há responsabilidades. Uma responsabilidade, é a má gestão que o primeiro-ministro fez desta situação. Mas a crise só existe porque, desde 2019, o Presidente da República enveredou por um caminho que nos trouxe até aqui. Em termos mais abstratos, a grande responsabilidade até é mais do Presidente da República do que do primeiro-ministro que só estava há um ano. Foi o Presidente da República, em 2019, que acabou com os acordos escritos, foi o Presidente que criou o precedente de quando não se passa um orçamento de Estado, convocam-se eleições, e que criou o precedente de quando um primeiro-ministro, por qualquer razão se demite, o partido não pode indicar outra pessoa e vamos logo para eleições.

Criados estes precedentes todos estamos num enorme desgaste institucional. Foi o Presidente da República que geriu mal desta vez? Não, neste caso, quem está a gerir mal, e quem subestimou a importância destas coisas, foi o primeiro-ministro.

Talvez o Presidente da República estivesse a pensar numa política de outros tempos?

Isso está muito bem dito. Acho que o Presidente da República vive na década de 90 e não percebe que isto já não é PSD versus PS, com um CDS pequenino e um PCP pequenino, assim ali à volta. Neste momento há uma fragmentação total, as sondagens, mal ou bem, todas elas indicam uma coisa, isso vai continuar, se é que não vai aumentar. Estamos numa situação muitíssimo complicada.

Como é que avalia o papel que tem tido Pedro Nuno Santos e a oposição no geral nestas últimas semanas aqui em Portugal?

Temos de distinguir o PS do Chega. Os outros partidos, com todo o respeito - e sabe que fui candidato há uns anos nas listas da Iniciativa Liberal, não vou dizer que não tenho simpatias diferentes pelos diferentes partidos - contam muito pouco, O problema do Partido Socialista tem sido uma certa inconsistência na sua mensagem, que não vou responsabilizar diretamente Pedro Nuno Santos, ele não pode limitar outros militantes e outras figuras do PS de fazerem as intervenções. O PS devia ter tido o cuidado de ouvir todos os militantes relevantes e os órgãos do partido antes de emitir decisões que, afinal, que agora não se percebe se são definitivas. Em relação ao Chega, tem muitas questões de inconsistência em muitas áreas, mas o Chega há muito tempo que é oposição à AD, nesse sentido, não estou surpreendido com a posição do Chega.

Sente que os políticos, em particular Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, estão a demonstrar, com esta troca de acusações, que estão distantes dos problemas que dizem alguma coisa aos portugueses?

Sim, os dois, como André Ventura, vivem da tática. Isto acontece em todos os países, Donald Trump e Elon Musk também vivem da tática, obviamente. O problema é quando a tática não tem estratégia e a estratégia já não tem objetivos de médio e longo prazo. O problema, neste momento, é que nem o PS nem a AD têm saída. Os partidos deveriam pensar, no que disse Rui Rio, ele tem alguma razão, há uma enorme distância para a Alemanha. O SPD (centro-esquerda) e a CDU (centro-direita) concorreram um contra o outro, tiveram acusações durante a campanha eleitoral, mas uma vez que há cordão sanitário à AfD (extrema-direita), , tem de haver um governo da CDU com o SPD. Em Portugal, se há cordão sanitário ou Chega - e não estou a tomar partido se é bom ou se é mau - o PS e o PSD têm de se entender. Isso é o que não tem acontecido nos últimos 15 ou 16 meses e acho que há responsabilidade de ambos, obviamente.

Mas ao fazer esse cordão sanitário, e pegando no exemplo da Alemanha, o que vai acontecer a médio-longo prazo é que vai haver uma AfD que se afirma como o pilar da oposição aos partidos tradicionais. Isso não tem riscos ainda maiores ao longo prazo?

Sim e não, depende. Se for para fazer reformas e políticas públicas que resolvam os problemas que dizem alguma coisa aos portugueses, a resposta é não. Se for para fazer mais dança de tachos, casos e casinhos, claro que tem toda a razão. Nesse caso, o que vai acontecer é que o voto de protesto irá aumentar e reforçará os partidos populistas, quer à esquerda, quer à direita. O bloco central é uma boa ideia, se for para resolver problemas e fazer um governo há quatro anos, e é uma péssima ideia se for para empurrar com a barriga e distribuir tachos e para andar com casos e casinhos. Isso depende das lideranças partidárias conseguirem perceber o que está em causa.

Em Portugal, muitas empresas dependem do Estado e dos serviços que lhe prestam para sobreviver em termos de contas. Isso torna os custos de uma crise política ainda maiores para Portugal?

Sim, a vários níveis, as empresas dependem dos contratos com o Estado, do PRR, e de contratação pública legal. Nós temos algumas áreas em que cada vez que muda o governo mudam as prioridades e isso tem impacto, por exemplo, a TAP, nas áreas da ciência e da inovação, inteligência artificial, em que estamos a ver diferenças.

Mas depois temos outro problema, é que nós vivemos num contexto em que muitas empresas têm incentivos em ter políticos facilitadores, aí já não estamos a falar da área, transparente, mas da área que precisa de transparência para evitar a situação. Luís Montenegro não é caso único, não estamos a pôr em causa se há ilícitos ou não, mas, no mínimo é um político facilitador. Mas ele e muitos outros. Vivemos num contexto que leva a que as empresas tenham incentivos em procurar facilitadores, isso é extremamente perverso para Portugal.

Não é diferente dos Estados Unidos, temos exatamente o mesmo problema. De momento, a toda a gente percebe que há um conflito de interesses entre Elon Musk, empresário inovador do planeta Marte, e o Elon Musk, DOGE [departamento na administração dos EUA que pretende cortar custos do Estado] que está a fazer as poupanças que vão pagar a colónia no planeta Marte.

Em Portugal, não temos neste momento nenhuma situação tão descarada, mas obviamente é uma preocupação. Mais uma vez, os dois partidos não estão à altura da responsabilidade.

Falou em conflitos de interesses dentro da administração norte-americana. Estamos perante um caso que está prestes a derrubar o Governo português, isto era possível nos Estados Unidos?

Isto é possível, mas teria de ser outro contexto, porque todos os mecanismos de controlo são diferentes dos que nós temos...

Teria de ser um impeachment [processo de destituição]...

Claro. Talvez no caso português, o que choca mais é a falta de controlo e aqui vou incluir também o Chega, com os escândalos que tem tido com alguns dos seus militantes e dos deputados. Faz confusão é como os partidos não cuidam internamente das pessoas que colocam nos lugares, esta questão deveria ter sido imediatamente resolvida quando Luís Montenegro foi eleito líder do PSD. E não vale a pena vir com histórias da carochinha de passar para a mulher e para os filhos. Como já devia ter sido assim com José Sócrates e com muitos outros líderes, com vários presidentes de Câmara

Esta história de Luís Montenegro, se fosse há 30 anos, era capaz de não ser muito complicada. Mas nós já tivemos José Sócrates, tivemos a demissão de António Costa, por um parágrafo do Ministério Público, o nível de exigência e de polarização dos partidos está muito mais alto.

Preocupa-o ver o país assim, quando, em França, por exemplo, se está a discutir o envio de tropas para a Ucrânia?

Preocupa-me. Neste momento, dada a situação do mundo e dada a situação portuguesa, nós devíamos ter um governo de maioria absoluta, entre PS e PSD, e temos um governo extremamente débil, resultante de uma fragmentação da Assembleia da República e dos precedentes criados pelo Presidente da República. Estamos a ter esta crise política, mas temos autárquicas em outubro e temos presidenciais em janeiro, estamos a viver um problema que pediria aos partidos uma certa exigência e uma certa capacidade de perceber que só eles é que podem resolver este problema. Já temos alguma opinião publicada a dizer - e eu concordo - que se nós formos para eleições com estas sondagens, vamos ter eleições outra vez, em junho de 2026, isto é um panorama realmente assustador, termos legislaturas de um ano.

Aqui só há duas soluções: ou é bloco central ou o PSD entende-se que o Chega. O PSD tem de escolher e os outros partidos têm de encontrar lideranças para que seja possível encontrar uma solução de governo para quatro anos. Ao fim de quatro anos, os portugueses dizem se gostaram ou não gostaram. Agora, legislaturas de um ano, isto é absolutamente aberrante.

Aproveitava essa deixa para fazer a última pergunta. Se pudesse conversar com o Primeiro-Ministro e dizer-lhe alguma coisa, o que é que lhe diria? Era isso? «Sente-se com o Pedro Nuno Santos para fazer um acordo»

Eu já teria dito isso há um ano e é pena que o Presidente da República não o tenha dito. «Sente-se com o Pedro Nuno Santos e faça como a CDU e o SPD. Faça uma lista das dez coisas que estão de acordo - porque há muitas coisas em que o PS e o PSD estão realmente de acordo - e faça um acordo de que quem governa vai fazer essas dez coisas com o apoio do outro partido e, quando essas dez coisas estiverem feitas, vamos a eleições».

Escusamos de estar com crises periódicas e permanentes. Um um bloco central não quer dizer, repetir o de 1983 [Governo dividido entre Mário Soares do PS e Carlos Mota Pinto do PSD], é perfeitamente possível ter um governo só do PSD, mas com um acordo de viabilização com o PS na Assembleia da República. Podem dizer «nós vamos implementar estas dez políticas e, uma vez feito este trabalho, vamos a eleições e perguntamos aos portugueses se querem mudar ou se querem continuar com este governo».

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