LEGISLATIVAS 2025

Rui Rocha recusa motosserra orçamental de Milei e cortes de Musk: “Não faz sentido nenhum”

28 abr, 2025 - 07:00 • Susana Madureira Martins

Em entrevista à Renascença, o líder da Iniciativa Liberal pede “peso acrescido” para o partido “influenciar” um eventual novo Governo da AD. Sobre a despenalização da eutanásia, Rui Rocha não vê que seja um problema para uma solução de “estabilidade governativa”, após as eleições de 18 de maio.

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Entrevista a Rui Rocha
Rui Rocha recusa motosserra de Milei e cortes de Musk: “Não faz sentido nenhum”. Veja a entrevista ao líder da Iniciativa Liberal

Em entrevista à Renascença, Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal (IL), propõe o controlo de despesa de 1% ao ano para compensar a redução generalizada de impostos e recusa as políticas radicais de cortes no setor público do presidente da Argentina, o ultraliberal Javier Milei, ou de Elon Musk na administração dos Estados Unidos da América. “Não faz sentido nenhum”, afasta o líder dos liberais.

A IL propõe a eficiência do Estado, mas não à custa do despedimento de funcionários públicos. Na proposta dos liberais “não estão em causa despedimentos”, garante Rui Rocha, que confia que, nos próximos anos, cerca de 30 mil pessoas abandonarão a Administração Pública por reforma. Trata-se, diz, de uma “oportunidade” para reduzir o Estado “sem criar nenhum drama social”.

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Nesta entrevista, Rui Rocha recusa ainda o bloco central como uma solução política. O líder dos liberais considera mesmo que no último ano “já foi acontecendo, não é preciso um entendimento formal para que o PSD e o PS se entendam”.

A Iniciativa Liberal defende a redução do IRS e, nalguns casos, a isenção deste imposto. Em relação ao IRC, a propõe reduzir a taxa para 15% e, também, eliminar a derrama estadual. Como é que se compensa toda esta redução de impostos que está prevista no programa eleitoral?

Partimos de uma carga fiscal alta, de um esforço fiscal, um dos mais altos da Europa, e é também uma taxa do IRC muito alta para as empresas, o que faz com que a competitividade delas fique logo prejudicada. Há vários caminhos que são possíveis. Alguns dizem que pode fazer-se um caminho de redução destes impostos aumentando outros impostos. Isto para nós é inviável e não deve ser feito, porque implica que a carga fiscal continue a mesma, ou seja, se nós reduzimos o IRS e aumentássemos a IVA estaríamos a fazer um peso igual na mesma proporção, embora com impostos diferentes. Outras soluções passam por pedir ao Estado que faça um pequeno esforço, estamos a falar de um pequeníssimo esforço, um controlo de despesa de cerca de 1% ao ano.

Como se compensa a perda de receita fiscal?

Há uma parte que é recuperada pela atividade económica, ou seja, nas nossas contas estamos a falar de 20% de recuperação da atividade económica. Há um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que aponta para esta direção. Não faz sentido ir pelo IVA, não faz sentido ir por outros caminhos, o que faz sentido é ir pela reforma do Estado, pela racionalização do Estado.

"Não admito que o Estado diga que é impossível olhar para uma máquina como o Estado e não é possível controlar a despesa 1% ao ano"

Que crescimento económico é que a IL propõe para uma legislatura?

Com estas medidas que temos e que são as únicas medidas que podem levar, de facto, a um crescimento dessa ordem de grandeza, temos de colocar Portugal a crescer sustentadamente acima dos 3%. E é a única forma que nós temos de começar a resolver os problemas seríssimos que temos na sociedade portuguesa.

O IRS Jovem, neste momento, traduz um esgotar da visão da AD para os jovens. Porque a AD aprova o IRS jovem e entende que está feito. Temos uma realidade que tem 20% de desemprego jovem. O discurso não pode ser apenas o de: ‘agora há IRS jovem, portanto, está tudo resolvido’. É inaceitável, não está. Depois há um outro grupo, que também nos preocupa muito, as “gerações dos entalados” que são as pessoas que têm entre 35 anos de idade e 67 anos de idade. Suportaram tudo neste país, suportaram as crises sucessivas, a Covid, a crise inflacionista, a intervenção da Troika, a bancarrota Sócrates, a crise do subprime, e neste momento carregam o país às costas. Não admito que o Estado diga que é impossível olhar para uma máquina como o Estado e não é possível controlar a despesa 1% ao ano para devolver alguma qualidade de vida a estas pessoas e para criar as condições estruturais para que o país comece a crescer a sério.

E a incerteza e o contexto internacional não estragam um bocadinho todas essas contas? Não é irrealista?

Vivemos uma situação de instabilidade, completamente imprevisível, mas se nós não propuséssemos uma visão de país e ficássemos paralisados por essa incerteza, então estaríamos a ser derrotados à partida. O mais sério nesta matéria é dizer que o nosso caminho é este, e creio que é bom que todos os partidos o façam com as suas visões diferentes. Naturalmente, sendo responsáveis e dizendo às pessoas que, se de hoje para amanhã, aquilo que se desenha nos Estados Unidos se concretizar na sua pior versão, obviamente nós teremos de ser responsáveis e fazer com que a calendarização das medidas acompanhe essa dimensão de crise internacional que venha a ser declarada.

Pode ficar adiada ou comprometida?

Mas é por isso que o nosso programa, por exemplo, ao contrário do que fazia noutras circunstâncias, é um programa para quatro anos e admitimos a calibração destas medidas. Há uma coisa que nós entendemos que tem de avançar já, em qualquer circunstância, que é essa racionalização do Estado, porque se ela é necessária num cenário de menos turbulência, num cenário de maior incerteza e de maior turbulência, nós temos de ter um Estado ainda mais racional, que não desperdice e mais preparado para ser eficaz nas suas funções.

"Temos a oportunidade de fazer uma redução de funcionários públicos sem criar nenhum drama social"

A IL prevê cortes nos funcionários públicos e na Administração Pública?

A proposta de racionalização do Estado da IL faz-se com os funcionários públicos, envolvendo os funcionários públicos a quem foram feitas várias maldades nos últimos anos. Uma das maldades maiores são duas coisas que me parecem essenciais, uma é não haver uma verdadeira remuneração e compensação em função dos resultados e do desempenho das pessoas. A segunda é, em muitas áreas, haver pessoas que são nomeadas para funções, nomeadamente de direção e de gestão, que são nomeadas pelo cartão partidário e isso é uma responsabilidade do PSD e do PS. Não há nada mais destrutivo que uma pessoa não ver o seu mérito reconhecido, entregar resultados e ter no fim do mês a mesma compensação que outros que entregam muito menos.

Há, entretanto, uma transformação irreversível e que é aceleradíssima, que é a digitalização, a inteligência artificial e, já agora, uma marca liberal muito importante que é a simplificação e a desburocratização do Estado. Isso fará com que possamos ter menos funcionários públicos no futuro e é isso que propomos. Como é que o fazemos? Não estão em causa despedimentos. No ano de 2024 reformaram-se 24 mil funcionários públicos na administração e no mês de janeiro de 2025 saíram já, por reforma, mais 3 mil funcionários públicos.

Com as previsões disponíveis, cerca de 30 mil funcionários públicos nos próximos anos abandonarão a Administração Pública por reforma. O que dizemos é que esta é a oportunidade de fazer uma redução de funcionários públicos sem criar nenhum drama social. E propomos, ao contrário da AD, que por cada dois funcionários públicos que se reformem nós substituiremos por um.

Não tem nada a ver com a política de eficiência governamental, por exemplo, adotada pelos Estados Unidos da América neste momento e por Elon Musk?

Isso não faz nenhum sentido, transpor esse tipo de exemplos para Portugal. Aliás, essas experiências têm um conjunto de questões associadas, de conflitos de interesses que são completamente alheios a qualquer visão que a Iniciativa Liberal tem.

A visão da Iniciativa Liberal ou alguma parte da Iniciativa Liberal?

Há parte da IL que representa o partido, há toda a IL que se revê no caminho que estamos a trilhar neste momento e nessa ideia de simplificação e eficiência do Estado que está presente desde o nosso primeiro programa eleitoral. A IL sempre se preocupou com esta ideia de um Estado focado nas suas funções essenciais.

Estas ideias radicais da América e também da Argentina, na sua direção não terão acompanhamento?

Nós estamos a seguir aquilo que sempre dissemos ao país nos nossos programas eleitorais, estamos a seguir rigorosamente aquilo que a IL propõe nesta matéria. Queremos um Estado forte, que trabalhe de forma eficiente nas suas funções essenciais, na segurança, na Defesa, na Saúde, na Educação, na Segurança Social. Que se foque nessas funções e que saia das outras onde não tem valor acrescentado e não desperdice recursos nessas matérias.

Já agora que falamos da Argentina, é muito importante também para mim dizer que a Argentina chegou a uma situação de degradação social, a uma rutura social e económica com décadas de políticas de pendor socialista.

Pergunta-me: “A Iniciativa Liberal transpõe para Portugal o programa da Argentina?” Claro que não, não faz nenhum sentido, as situações são completamente diferentes. A nossa inspiração é o que de melhor se fez na Europa e que trouxe prosperidade aos países europeus. Na saúde, o exemplo da Alemanha e da Holanda, nos impostos, o exemplo da Irlanda e da Suíça, na segurança social, que é um problema grave que Portugal tem, o exemplo da Suíça e da Suécia, na simplificação e na desburocratização, o exemplo da Estónia, que é a liderante nesta matéria. É isto que nós queremos transpor para Portugal, exemplos europeus de sucesso que trouxeram prosperidade aos seus povos, adaptados à realidade portuguesa. Qualquer outra circunstância, que venha de onde vier, não faz nenhum sentido porque a realidade portuguesa tem de ser respeitada e é isso que nós fazemos.

Sobre o investimento na Defesa, o crescimento da economia previsto pela IL conta com o crescimento da economia militar ou da economia de Defesa?

Sim, tem de contar, seguramente, embora não esteja identificado nas nossas contas. Ninguém de bom senso negará que temos de ter mais capacidade de defesa e contribuir mais em matéria de defesa, podemos discutir depois a velocidade com que isso se faz.

E acha inevitável ultrapassar os tais 2%, que é a meta neste momento, com o que Portugal se comprometeu?

Acho inevitável a prazo, mas é um prazo longo. Creio que, até ao fim da legislatura cumprir os 2% é um desafio já grande para Portugal e que tem de ser feito também com esse ritmo. Isso tem de ser negociado com os nossos parceiros, no sentido de perceberem as circunstâncias de Portugal.

Parece-me evidente que temos de investir mais e temos que fazer esse caminho, um caminho sensato, que não ponha em causa nenhuma das áreas sociais do país, que não ponha em causa nada do que é essencial ao país. Temos uma economia, e esse é um dos nossos dramas, de baixo valor acrescentado, muito assente no turismo. Não temos turismo a mais, o que temos é o resto da economia a menos. Temos de fazer um caminho, ter áreas da economia de elevado valor acrescentado. Esse investimento na defesa faz todo sentido e pode trazer crescimento adicional ao país e pode ajudar até a fazer essa passagem de uma economia de baixo valor acrescentado para uma economia de valor acrescentado mais alto, que é fundamental para o futuro de Portugal.

A prazo, os tais 2% de investimento na Defesa poderão ter de subir e chegar aos 5% que a América está a prever?

No limite, para Portugal, tanto quanto consigo prever, a um prazo mais longo, de uma década, estaremos seguramente a falar acima dos 3%, mas creio que tudo isso ainda está muito em discussão, não vale a pena estarmos também com previsões a 10 anos. Tenho a certeza que o caminho passa por aí e que trará crescimento económico a Portugal, não será neutro do ponto de vista das contas, será até positivo com investimentos na cibersegurança, na modernização de equipamentos, na indústria dos drones e com uma ligação forte entre o Estado, a academia e as empresas.

No meio disso tudo, o serviço militar obrigatório é uma opção sobre a qual a IL é contra. A prazo, poderá deixar de ser?

Não prevejo qualquer circunstância, que não seja catastrófica, para que isso possa alterar-se. A posição da IL nessa matéria é inalterada e por boas razões.

Defende a via profissionalizante?

Claro. E que todas as pessoas no Exército, na Marinha, na Força Aérea, defendem. Não faz nenhum sentido, é um peso logístico muito grande ter um serviço militar obrigatório, perturba a vida das pessoas, condiciona a vida das pessoas sem nenhum efeito útil, porque não é uma recruta de três meses ou seis meses que prepara alguém para o nível de sofisticação que, neste momento, é necessário para estar ou num teatro de operações ou para estar em funções como a cibersegurança. Isso não faz nenhum sentido, seria um custo astronómico, inviável para o país, isso sim, e sem nenhum retorno que não fosse estragar a vida das pessoas, portanto nós temos de ir no caminho da profissionalização e é isso que será seguramente o caminho certo.

"Queremos transpor para Portugal, exemplos europeus de sucesso que trouxeram prosperidade aos seus povos"

O que é que é preciso para a IL se aproximar realmente do PSD e da AD?

Temos um programa claro e eu creio que as eleições, o caminho para as eleições é, sobretudo, o momento de apresentar esse programa e não tanto de estarmos preocupados com dias seguintes. Sobre o dia seguinte, a IL já manifestou várias vezes o seu sentido de responsabilidade. Tendo muitas críticas ao Governo da AD, nomeadamente à condução do processo que levou à queda do Governo, nos fez votar a favor de uma moção de confiança, porque entendemos que não era o momento de abrir um caminho para eleições com uma crise política inerente.

Percebemos que a governabilidade do país é um interesse dos portugueses, estaremos nesse momento perfeitamente alinhados com esses interesses dos portugueses. Mas este é o momento de dizer ao que vimos, porque eu não me interesso que os portugueses votem na IL apenas porque oferecemos estabilidade ou governabilidade, isso parece-me pouco, parece-me escasso, temos de aspirar a mais. Quero que os portugueses reforcem a sua votação na IL porque temos uma visão de mudança para o país e aí a AD também falhou e demonstrou que não tem a capacidade reformista,

E fazer parte de um eventual governo de direita e de centro-direita é uma ambição?

A ambição do líder da IL é ser totalmente transparente com os portugueses e dizer, o nosso caminho é claro, nós queremos uma redução clara dos impostos para as pessoas e para as famílias, porque isso é a forma de terem mais dinheiro no bolso as famílias e de criarmos competitividade para as empresas, rompendo o ciclo de estagnação, o ciclo de decadência de Portugal. Já percebemos que a AD não muda nada de especial no país. Se as pessoas querem mudança e se querem capacidade de intervenção nessa mudança do país, votem na IL. Depois, a IL com esse peso acrescido que estamos a pedir para influenciar as políticas do país, será responsável e será comprometida com as soluções de governabilidade do país.

Se me perguntam, se “a Iniciativa Liberal tem quadros, tem capacidade para em áreas fundamentais do país trazer essa mudança, são só as políticas ou tem também as pessoas?” Seguramente que temos os quadros, a ambição, a competência para fazer transformação no país. Agora, não pode tolher-se esta mensagem de mudança que queremos ter só porque há um dia seguinte.

O CDS é uma pedra no sapato da Iniciativa Liberal ou é precisamente o contrário? Nunca sentiu a antipatia do CDS?

Antipatia e pedras no sapato vejo hoje no país que condiciona os nossos jovens, que condiciona as nossas gerações que suportaram o país, que condiciona as pensões que são baixas porque o crescimento económico nunca chegou como devia ter chegado. O resto são questões conjugais e eu, em questões conjugais, seja dentro ou fora da AD não tenho grande intenção de me meter.

Há muitos protagonistas políticos que têm defendido a solução do bloco central. Pode ser preciso chegar a uma solução deste género?

Creio que aquilo que tivemos nesta legislatura não andou longe de ser um bloco central. Com quem é que a AD fez entendimentos? Com quem é que a AD esteve a discutir a descida de um ponto percentual do IRC, quando somos um país com a maior taxa de IRC? Parece-me evidente que aquilo que já tivemos foi uma proximidade a uma ideia de bloco central e as consequências são sempre negativas para o país, que precisa de diversidade. Não vejo isso sequer como uma possibilidade, porque acho que já foi acontecendo, não é preciso um entendimento formal para que o PSD e o PS se entendam. Nas questões das freguesias, por exemplo, foram desagregadas freguesias, criados mais cargos de nomeação política e aí foi fácil o PSD e o PS entenderem-se.

Em relação à despenalização da eutanásia, a IL sempre foi a favor, é sabido que o PSD tem muitas dúvidas sobre a atual lei. Se chegarmos a uma fase em que há uma governação do centro de direita, vai forçar ou não uma decisão sobre esta lei?

A IL tem também aí uma posição clara. É um assunto extremamente melindroso, nenhum de nós poderá afirmar sobre ele que tem certezas absolutas e, portanto, as soluções e as decisões a que se chegam decorrem sempre de um processo profundo de reflexão e com um conjunto de salvaguardas que nós próprios exigimos para que a lei fosse votada na altura.

Parece-me que não é, todavia, uma questão absolutamente essencial do ponto de vista de uma solução de estabilidade governativa de futuro. Parece-me óbvio que os agentes políticos não podem paralisar, parece-me óbvio que isso terá de avançar, mas não será isso que questionará a governabilidade ou a estabilidade do país qualquer que seja a solução que seja encontrada no dia a seguir às eleições.

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