Legislativas 2025

Riccardo Marchi sobre o Chega: "Mais de 70% dos eleitores destes partidos não são anti-democráticos"

21 mai, 2025 - 14:00 • João Malheiro

Riccardo Marchi sublinha que o Chega distingue-se do resto dos partidos de extrema-direita europeus por não ter uma ideologia definida.

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Investigador Riccardo Marchi sobre o crescimento do Chega
Ouça a entrevista ao especialista Riccardo Marchi

A insatisfação com a situação económica do país, a legitimação de temas-bandeira como a imigração e a corrupção e as falhas no discurso dos partidos são algumas das explicações para a transferência de votos do PS e do resto da esquerda para o Chega.

À Renascença, Riccardo Marchi, investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE, realça que o Chega distingue-se do resto dos partidos europeus de extrema-direita por não ter uma ideologia definida. Essa flexibilidade permite a André Ventura captar diferentes tipos de eleitorado.

Estas eleições demonstraram que houve transferência de votos do PS e do resto da esquerda para o Chega?

Foi bastante interessante porque, apesar do facto de que os estudos científicos já demostrarem que em vários países europeus há uma transferência de votos da esquerda para a direita, aqui em Portugal nós ainda não tínhamos este fenómeno claramente definido. Ou seja, até às últimas eleições, sabíamos que o voto do Chega vinha principalmente do centro-direita — de eleitores desiludidos com o CDS e com o PSD — ou da abstenção.

Agora, esta entrada alastra principalmente na região do Alentejo demonstra claramente que deve haver aí uma transferência de votos do Partido Socialista e posteriormente da CDU.

Agora, explicação… É o que explica o crescimento em cinco anos do partido. Ou seja, por um lado, há uma forte insatisfação de larga parte dos eleitores com aquilo que é a situação, principalmente económica, do país nos últimos 25 anos.

Nós temos já duas gerações, pais e filhos, que não têm grandes perspetivas de crescimento económico para o futuro. Portanto, é muito crítica em relação ao incumbentes dos últimos 25 anos, para não dizer dos últimos 50 anos.

Por outro lado, há um fenómeno mais recente que são os temas da corrupção e da imigração, que foram temas trazidos para o debate público pelo Chega e que, nos últimos tempos, foram legitimados pelos próprios partidos do arco da governação.

Primeiro, por escândalos de corrupção ou de má gestão do dinheiro que fizeram cair tanto o governo Costa como o governo de Montenegro. Por outro lado, pela viragem à direita nas posições sobre a imigração, tanto de Montenegro, como de Pedro Nuno Santos. Isto facilitou, claro, a oferta política do Chega.

Já falou dos partidos principais do centro, mas a esquerda não consegue capitalizar nestes temas, como o Chega consegue. Por que é que o discurso da esquerda já não está a funcionar tão bem? Está mais desatualizado do que o Chega nestas matérias?

No caso da esquerda radical, penso principalmente no Bloco de Esquerda, entrando também na crise deste tipo de esquerda radical em toda a Europa, é muito pelo facto de que, nos últimos anos, se dedicaram muito aos temas dos direitos das minorias sexuais, religiosas e étnicas. E, portanto, abandonaram um bocado a perspetiva do interesse nacional e dos temas que falam à nação como um todo.

E, depois, porque tomaram posições em matéria como a imigração, de negação. Dizendo que no fundo não é problema e que, aliás, as migrações de massa podem ser não só uma oportunidade, mas também uma solução para os problemas do país. Imagino que um eleitor português quando ouve dizer que os imigrantes do Paquistão, do Nepal, do Bangladesh vão ser solução para a economia do país ou para o inverno demográfico do país pode não sentir-se confortável com este tipo de discurso e preferem muito mais um discurso centrado na nação portuguesa, ou seja, um discurso mais nacionalista.


"Imagino que um eleitor português quando ouve dizer que os imigrantes do Paquistão, do Nepal, do Bangladesh vão ser solução para a economia do país ou para o inverno demográfico do país pode não sentir-se confortável com este tipo de discurso e preferem muito mais um discurso centrado na nação portuguesa, ou seja, um discurso mais nacionalista."

O Chega em comparação com, por exemplo, os movimentos da direita radical em Espanha, em França e Itália é diferente por não ter uma base ideológica tão grande.

É um dado muito caraterístico do Chega que até pode ser visto como uma capacidade de grande flexibilidade por parte de André Ventura, porque, diferentemente, por exemplo, do Partido Vox, em Espanha, ou do Partido Fratelli de Itália, ou o da Liga Norte, ou do nosso Realinhamento Nacional em França, o Chega não tem uma história política enraizada no radicalismo de direita português.

Há uma confluência de diferentes eleitorados que vêm tanto do centro-direita moderado, como até de desiludidos com o Partido Socialista, como da abstenção não ideológica, de protesto. Portanto, não tinha à partida um corolário doutrinário e continua a não ter até um certo ponto.

E isto explica também a necessidade de André Ventura ser muito mais flexível em termos de agenda política, de programa político e de discurso político. Até agora, pelos resultados eleitorais conseguiu segurar o maior número possível de eleitores que não têm um denominador comum doutrinário.

Isso é mais perigoso para a Democracia?

Sou da opinião que não é. Não considero estes partidos de direita radical como ameaças à Democracia. Nós sabemos que mais de 70% dos eleitores destes partidos não são eleitores antidemocráticos.

Não têm posições antidemocráticas, mas têm críticas ao funcionamento das instituições democráticas. Ou melhor, críticos da forma como as elites que ocupam as instituições democráticas geriram o poder nos últimos anos, não são eleitores que querem dar cabo da divisão do poder e do pluralismo pluripartidário da liberdade de imprensa.

Aliás, muitas vezes eles próprios queixam-se de como estas características da Democracia da liberdade da palavra, liberdade de expressão, liberdade de escrita e pluralismo político estão a ser estragadas pelas elites dominantes. É até uma crítica feita muito à esquerda radical, que nos últimos anos é cada vez mais normativa.

Há uma crítica a alguns aspetos do liberalismo. Ou seja, nós vivemos em regimes demo-liberais, com alguns aspetos do liberalismo, em particular o hiper-individualismo, a atenção particular às minorias de qualquer género. São os aspetos mais criticados por este tipo de direita.

O caso de Viktor Orban, disruptivo dos princípios democráticos, é mais um caso de exceção e não a regra. A regra é a Giorgia Meloni, o FPO na Áustria que já governou em coligação, o Sweden Democrat na Suécia.

E André Ventura está mais próximo dessas figuras?

Sem dúvida nenhuma. Sem dúvida nenhuma.

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  • ze
    21 mai, 2025 aldeia 15:56
    Quem não é verdadeiramente democrata,saõ aqueles que falam mal e que atacam o Chega,este partido se não tem aparecido na politica portuguesa,muita coisa não se saberia, e é por isso,por falarem a Verdade que muita gente sabe e vai subindo nas votações, mais um tempo....talvez mais um ano e será um partido governante e quem sabe se com maioria absoluta.

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