23 mai, 2025 - 06:30 • Tomás Anjinho Chagas , Diogo Camilo (infografia)
Tanto se fala de retórica, mas quem tem a experiência sabe que, neste momento, a matemática parlamentar pode falar mais alto. Podem subir ao palanque os tribunos que assim o queiram, pode haver um discurso marcante, no entanto, para aprovar é preciso conseguir somar.
Luís Montenegro, que passou a campanha a pedir uma “maioria maior”, conseguiu-a, aumentou a sua votação, conseguiu cantar vitória, mas o primeiro-ministro sabe que vai ter de voltar a pegar na calculadora.
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A AD elegeu – até ao momento, falta saber quantos consegue eleger dos quatro lugares dos círculos da emigração – 89 deputados no passado domingo. O líder da coligação pinta o cenário como uma vitória, ao conquistar mais 200 mil votos e 9 deputados. É uma maioria maior, mas não é uma maioria absoluta, vai precisar que alguém ceda. Quem? A Renascença fez as contas sobre as possíveis somas e subtrações na Assembleia da República, as que podem ser a solução, e as que podem bloquear a AD.
Era o cenário ideal e ensaiado durante toda a campanha eleitoral. Juntar os deputados da AD e os da Iniciativa Liberal e, com isso, garantir o número mágico: 116. Não aconteceu, a junção da AD com os liberais fica-se pelos 98 deputados, o que significa que – sem abstenções de outras bancadas – não serve para evitar moções de censura ou para aprovar o Orçamento do Estado.
Mesmo que os dois partidos se juntem nas votações – o que não é certo que aconteça, a IL votou contra o último Orçamento do Estado, apresentado pela AD – será preciso que o PS ou o Chega se abstenham. O que nos leva para a próxima soma.
Os dois maiores partidos da oposição conseguem o número mágico: 116 deputados. Ou seja, voltam a conseguir aprovar leis e medidas no Parlamento, sem que a AD nada possa fazer.
A pedra no sapato não é nova. Já na última legislatura os social-democratas sofreram várias vezes o que consideraram ser uma “coligação negativa” formada por PS e Chega, que juntos conseguiam passar leis no Parlamento à revelia do Governo.
Exemplo disso foi a aprovação da extinção das portagens nas antigas SCUT, a contragosto da AD. O Governo de Montenegro queria uma redução gradual, mas o Parlamento falou mais alto. A receita diminui, as consequências disso teve de ser o executivo a lidar com elas. O filme pode repetir-se nos próximos anos, apesar de Chega e PS garantirem sempre que nunca houve entendimento prévio, que tinham sido entendimentos espontâneos.
Depois de uma campanha agressiva, em que o PS acusou por várias vezes Luís Montenegro de não ser a pessoa adequada para concorrer para primeiro-ministro, um entendimento parecia longe de estar no horizonte.
Mas a realidade é dinâmica e as mudanças são rápidas. Desde o passado domingo, Pedro Nuno Santos anunciou a demissão da liderança do Partido Socialista, isso não é nenhum pormenor. Com os socialistas a lamber as feridas e a recuperar da hecatombe eleitoral, a nova liderança do PS (seja ela qual for) pode ser mais colaborante com a AD. Os dois juntos têm 147 deputados, chega e sobra para uma maioria parlamentar.
Não querendo ter o ónus de provocar instabilidade política, é possível que o PS ceda e acabe por negociar com a AD em momentos cruciais como o Orçamento do Estado ou para viabilizar o programa de Governo.
Foi uma das grandes primeiras mudanças trazidas por Luís Montenegro quando chegou à liderança do PSD, a frase ficou célebre e perdura até hoje: “Não é não”, quando questionado sobre possíveis entendimentos com o Chega.
Só que, na altura, o Chega não tinha 50 nem 58 deputados, e, por isso, não condicionava a política como agora acontece.
O “não é não” ao Chega pode vir a aplicar-se apenas à integração do partido de André Ventura no Governo, e não se aplicar a eventuais entendimentos no Parlamento. Sendo improvável um acordo escrito e formalizado entre a AD e Chega, a soma dos dois partidos no Parlamento dá 147 deputados.
Legislativas 2025
Sem considerar possíveis efeitos políticos nos ele(...)
Ao contrário do que era norma em Portugal nos últimos anos, desde 2024 que deixou de existir uma maioria de esquerda no Parlamento. Desde o passado domingo que isso ainda se tornou mais expressivo.
O PS, a somar ao Livre, PCP, Bloco de Esquerda, PAN e Juntos Pelo Povo (JPP) não vai além dos 70 deputados, longe da maioria necessária de 116 votos para aprovar o que quer que seja na Assembleia da República. Uma grande aposta pode ser esperar pela abstenção da AD ou do PS, que pode viabilizar algumas propostas.
Parece um contrassenso que o partido no extremo-direito do hemiciclo português possa colaborar com o extremo-esquerdo. Mas acontece. Numa contabilização feita pelo Correio da Manhã, em dezembro de 2024, sobre as propostas para o Orçamento do Estado, mostra isso mesmo.
Em algumas matérias, não em bandeiras, o Chega e a esquerda parlamentar concordam e podem somar os deputados para tentar aprovar algumas medidas.
Chega e esquerdas somam, ao todo, 70 deputados - excluindo o PS desta equação. É insuficiente para fazer passar no Parlamento alguma medida sem a abstenção da AD ou do PS, mas o cenário não é de excluir nos próximos anos.