24 set, 2025 - 06:30 • Manuela Pires
Carlos Carreiras não acredita na vitória do PSD nas autárquicas de 12 de outubro - o objetivo de Luís Montenegro - e avisa para a difícil governabilidade nas câmaras municipais.
Em entrevista à Renascença, a poucas semanas de deixar a Câmara de Cascais, lembra as mudanças nos últimos 20 anos e acredita que a polémica construção na Quinta dos Ingleses, em Carcavelos, não vai ter influência num bom resultado da coligação PSD e CDS.
Em Cascais concorrem oito candidaturas, uma delas, a de João Maria Jonet, conta com o apoio de António Capucho, antecessor de Carreiras na Câmara de Cascais.
É presidente da Câmara de Cascais há 14 anos, mas desde 2005 que exerce funções executivas como vice-presidente. São 20 anos de vida autárquica. Está de saída pela imposição legal da limitação de mandatos, mas ainda não tem idade para a reforma. Já decidiu o que vai fazer?
Aguardo o fim do mandato, tenho uma série de contactos, tenho vindo a analisar e uma coisa tenho certo, não irei de todo ficar sem fazer nada. A minha preocupação maior é manter-me ativo.
Venceu as três eleições com maioria absoluta, mas nem todos o conseguem. O Partido Socialista quer alterar a lei para permitir formar maiorias no executivo, o PSD também quer mudar a lei. Não se está a tirar a voz da oposição nos executivos?
Em primeiro lugar, sou favorável, mas se existir um reforço dos poderes da Assembleia Municipal. Não se consegue perceber como é que um órgão Executivo acaba por ser um Parlamento. Eu penso que foi muito importante no pós-25 de Abril, porque foi nas autarquias que voltámos a aprender a viver em democracia e para isso era preciso estarmos todos à volta de uma mesa e termos todos uma capacidade para aprender, mas esse processo está ultrapassado.
O que defende? Uma lista para a Assembleia Municipal de onde sairia o executivo?
É uma das modalidades que não me choca, mas essa modalidade de uma lista para a Assembleia Municipal parece-me ser indicada porque atualmente eu formo uma equipa, concorro à Câmara, mas tenho a preocupação de colocar um especialista na área cultural, por exemplo. Uns tempos depois essa pessoa sai do executivo e tem de ser substituído pelo imediatamente a seguir. E essa pessoa pode ser especialista numa outra área completamente diferente.
O que mudaria então?
Na Assembleia Municipal teríamos capacidade, e eu acredito, porque conheço os partidos, não vão conceder que seja tão aberto quanto é um governo da República, mas que uma percentagem tenha de sair da Assembleia Municipal para integrar o executivo.
E outra parte, deve poder haver liberdade por parte do presidente da Câmara para escolher dentro da própria comunidade.
Eu acho que isso é uma questão de tempo, vai ter de acontecer, porque de facto o sistema que nós temos não é um sistema funcional.
O problema que se vai colocar nas próximas eleições autárquicas é que os níveis de governabilidade vão baixar substancialmente
No atual quadro parlamentar, com quem é que o PS e o PSD podem contar para aprovar estas alterações à lei?
Têm de conversar com todos, mas o problema surge é naqueles que não têm experiência autárquica. E neste momento nós temos um partido com relevância a nível da Assembleia da República que não tem experiência autárquica.
Autárquicas 2025
Seis debates, seis cidades. À medida que a pré-cam(...)
Está a falar do Chega e acha que pode ganhar essa experiência no próximo dia 12 de outubro?
Eu até desejo que tenham essa experiência, que não tenham em Cascais, mas noutros locais. Não será na quantidade que apregoam por via de fazerem o transporte direto das eleições legislativas para as eleições autárquicas, mas até espero que é para se perceber de que é que aquele partido é feito. Mas, enfim, coitados dos munícipes que estarão nessas circunstâncias.
Agora, o problema que se vai colocar nas próximas eleições autárquicas é que os níveis de governabilidade vão baixar substancialmente. Ou seja, vai haver menos maiorias absolutas, e, portanto, isso é um fator de não desenvolvimento do próprio concelho, ao contrário do que se possa pensar.
Também pode acontecer em Cascais. Há oito candidaturas, duas da área do PSD, duas da área do Chega, etc. Quem é que vai beneficiar e perder com esta dispersão de votos?
Em primeiro lugar, da parte do PSD, não há nenhuma outra candidatura alternativa.
Saúdo o regresso de António Capucho à política autárquica
Disse da área do PSD, a de João Maria Jonet, foi militante do PSD.
É uma candidatura que nasce por inspiração de um ex-presidente de Câmara de Cascais, mas com o apoio e, dizem-me, com o financiamento de um ex-candidato socialista aqui em Cascais, que também já foi vereador.
A inspiração é de António Capucho, que apoia esta candidatura e foi seu antecessor...
Enfim, eu até saúdo o regresso de António Capucho à política autárquica.
Mas ficou surpreendido?
Nada. Ele já foi inspirador de várias candidaturas em Cascais. E todas essas candidaturas foram derrotadas. Portanto, não me surpreendeu.
E saúdo também porque poderá explicar agora muitas coisas do que se passa em Cascais, que nós temos tido o ónus de resolver e que foram provocadas por ele ou que não foram resolvidas por ele. Nomeadamente, uma que é muito falada, que é a Quinta dos Ingleses e a outra, que são os terrenos do Hotel Hilton.
Enfim, há muitas outras que, sendo assim, estando ele agora na política ativa, vai ter capacidade de falar…
A construção do empreendimento na Quinta dos Ingleses é muito contestada. Pode favorecer a oposição?
Não. Dos dados que nós temos, enfim, porque essas coisas obviamente são acompanhadas com alguns estudos que são realizados.
Em primeiro lugar, a Câmara continuará a ter governabilidade, aponta-se para que, de facto, mantenhamos a maioria absoluta, eventualmente, descendo de sete vereadores para seis. E quanto à freguesia de Carcavelos-Parede vai ter, porventura, a maior votação de sempre.
A nível nacional, o líder do seu partido definiu como objetivo par as eleições recuperar a presidência da Associação Nacional de Municípios. Acha que é possível?
Acho que foi uma declaração extremamente ambiciosa, porque não é fácil ultrapassar o número de autarquias lideradas pelo PSD comparadas com o Partido Socialista. E, para ser completamente franco, da análise que eu faço, isso não irá acontecer.
Pela primeira vez há o PSD decidiu apoiar muitos independentes…
Sim, vai haver uma nova arquitetura porque concorrem muitos independentes. Alguns aprovados pelo PSD e apoiados pelo PSD. E, portanto, não sei se essas câmaras se vão somar às câmaras ganhas pelo PSD.
São candidatos apoiados pelo PSD, Isaltino Morais, em Oeiras. Pedro Santana Lopes, na Figueira da Foz e Maria das Dores Meira em Setúbal.
São situações completamente diferentes. A Figueira da Foz é sobre a sigla do PSD, Oeiras não é, e Setúbal não é sobre a sigla do PSD. Ainda há uma diferença grande entre Oeiras e Setúbal, porque em Oeiras cumpriram-se os estatutos. Ou seja, a estrutura local propôs à estrutura distrital e a distrital teve a concordância da estrutura nacional.
No caso de Setúbal, foi exatamente ao contrário do que os estatutos do PSD preveem, foi a estrutura nacional que impôs pelo menos à estrutura concelhia.
Qual é a sua opinião sobre a escolha de uma antiga autarca comunista em Setúbal?
Eu penso que quem fez essa imposição terá capacidade para ter essa resposta. Eu não estive no processo, analisei como qualquer cidadão e não vou aqui, de forma alguma, prejudicar candidaturas que sejam apoiadas pelo PSD. O que posso dizer é que se fosse eu a decidir, e quando fui eu que tive responsabilidades na matéria, cumpriram-se os estatutos do partido.
E, portanto, eu cumpriria novamente os estatutos do partido.
O PSD volte a liderar a Câmara de Sintra
Foi líder da distrital do PSD de Lisboa. Na Área Metropolitana de Lisboa o PS tem 11 câmaras, o PSD tem três e o PCP quatro. O PSD pode conquistar mais autarquias?
O PSD, a meu ver, vai claramente aumentar o número de câmaras e talvez mais do que duas câmaras. Não me pergunte quais são, porque não vou estar a prejudicar, mas eu penso que o PSD pode passar, de facto, de três para seis ou sete câmaras.
O problema é na dimensão de cada uma que se ganha. Por exemplo, conquistando Sintra, que eu acho que é uma situação que é muito provável que o PSD volte a liderar a Câmara de Sintra com o Marco Almeida, tem uma repercussão no país porque Sintra é o segundo maior concelho do país.
E a Norte, Vila Nova de Gaia e o Porto?
Gaia é o terceiro maior concelho do país e se juntarmos o quarto maior que é o Porto, então está a ver. O PSD pode não ganhar a tal maioria do número de câmaras, mas ganhando estas, claramente que é uma vitória do PSD.
Mas pode perder câmaras emblemáticas também, que não são da dimensão de Sintra, de Vila Nova de Gaia ou do Porto, mas porventura, se as perder, já é um pontapé na pedra, quer dizer, já lhe fica a doer o pé.
Ao longo de 20 anos houve muitas mudanças no país e no poder local. Sente que as autarquias ganharam mais poder ao longo do tempo?
Mudou muito, quem conheceu a câmara como eu há 20 anos, comparado com o que é hoje, não há comparação possível.
Qual é a principal diferença que vê em termos de funcionamento da autarquia?
Muita coisa, depende das áreas, por exemplo, na área ambiental é brutal, antigamente o departamento de ambiente era água, resíduos e uns pequenos espaços verdes, hoje tem uma amplitude até ao combate às alterações climáticas.
Depois, na área social, também existe uma grande diferença, não só porque há outras necessidades da própria comunidade, como também nestes 20 anos, se houve alguma coisa que eu me especializei foi em crises. Crises do ponto de vista económico, com um impacto muito forte do ponto de vista social, e até uma crise sanitária nós passámos, portanto, tudo isto acaba por criar algumas convulsões ou algumas necessidades dentro da própria comunidade, a nível social, bastante fortes.
A Câmara de Cascais foi uma das primeiras autarquias a receber as competências nas áreas da saúde e da educação. Considera que a prevenção dos incêndios devia também passar a ser competência das autarquias?
Nós aqui em Cascais já fazemos isso por iniciativa própria e em conjugação com alguns organismos públicos, nomeadamente o ICNF, a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), e com as universidades.
Começámos por mapear o concelho nestas zonas naturais mais significativas, há ortofotomapas e estamos a adaptar novamente a paisagem para que ela volte a ter resiliência em relação aos incêndios.
Por outro lado, enquanto isto não está completamente feito e demora tempo, fizemos ações de prevenção, por um lado, dotando os nossos bombeiros com capacidade de resposta, quer a nível de equipamentos, quer a nível também de proteção dos próprios bombeiros, porque ou se ataca quando há ignição de uma forma imediata ou então arriscamos a que se possa propagar.
Como é que se faz essa prevenção no Parque Natural Sintra-Cascais?
Aumentámos as instalações dentro da própria serra, onde estão equipas permanentes de bombeiros, depois uma outra situação supletiva foi, caso seja necessário, fechar a própria serra.
Para além disso há vigilantes durante todo o verão, quer com equipas de sapadores florestais, dos bombeiros, das forças de segurança ou militares a vigiar a serra.
Para além também de termos introduzido mecanismos tecnológicos, que continuam a ser um forte investimento, nomeadamente em câmaras de videovigilância, que tem uma capacidade de controlo sobre o que é que está a acontecer na serra e consegue identificar um elemento suspeito e agir também em conformidade.
E que balanço pode ser feito nesta altura?
Ainda estamos em época de fogos, fizemos já um primeiro balanço logo no final do mês de agosto, para perceber se o que estávamos a fazer estava a resultar, e esta ano tivemos o dobro das ignições que no ano passado e tivemos metade da área ardida do ano passado.
O que mais me orgulha é deixar todo o parque de saúde requalificado
Nestes 20 anos, qual a decisão de que mais se orgulha e que mais se arrepende?
Estes 20 anos, eu diria que se repartem em três fases completamente distintas. Uma primeira fase foi resolver problemas que se acumulavam há vários anos.
A segunda fase foi dotar o próprio território e as comunidades de força de empoderamento para se resolver os problemas. Dou dois exemplos, tínhamos uma série de instituições do concelho que tinham as suas instalações completamente deterioradas, que tinham dívidas à banca, e isso levou a que se requalificasse todas essas dívidas, e estamos a falar desde movimento associativo cultural, desportivo, em geral, até também social.
E depois foi também o próprio Parque Natural, que era um passivo à época, quando se falava do Parque Natural falava-se porque ardia, porque estava sujo, porque tinha construções ilegais, hoje isso já não acontece, hoje é visitado por milhares e milhares de pessoas, o equipamento, se fosse considerado um equipamento cultural, o mais visitado no concelho é a Quinta do Pisão, com mais de 150 mil pessoas por ano, e pessoas desde o bisneto até ao bisavô.
E o que se orgulha de deixar aos cascalenses?
Neste momento o que mais me orgulha é deixar todo o parque de saúde requalificado e ampliado e com novos centros de saúde. Estamos a concluir o último em Cascais que vai ser inaugurado no dia seguinte às eleições. Fizemos o mesmo com as escolas, estamos a trabalhar em quatro e só tenho pena de ainda não estarem concluídas.
Na área da saúde fomos pioneiros no projeto bata branca que permite uma consulta de medicina familiar a quem não tem médico de família.
A Câmara de Cascais e a Nova Medical School vão concorrer a duas unidades de saúde modelo C.