ESTUDO

Abstenção está mais à direita, entre os mais jovens e quem teve "desilusões"

26 set, 2025 - 00:55 • José Pedro Frazão , Diogo Camilo

O maior estudo sobre abstenção eleitoral mostra que não há grandes diferenças na abertura à imigração entre as pessoas que mais se abstêm e as pessoas que mais votam. Para aumentar participação, investigadores recomendam voto a partir dos 16 anos, transportes gratuitos e educação cívica.

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O maior estudo sobre a abstenção eleitoral realizado em Portugal conclui que o dever cívico é o que mais motiva os portugueses a votarem e que o desinteresse pela política continua a afastar muitas pessoas, em particular os mais jovens, os de classes mais baixas e quem tem menos escolaridade.

A investigação "A Abstenção Eleitoral em Portugal: Mecanismos, Impactos e Soluções", publicada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, durou quatro anos e não só analisa os impactos da abstenção e recomenda como é que esta pode baixar em futuras eleições, como analisa os padrões na população.

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Em declarações no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença, um dos autores do estudo, João Cancela (NOVA-FCSH), explica que este dever cívico está associado à "carga moral associada ao ato de votar".

"Há pessoas para quem esse sentido de dever é muito forte e há pessoas para quem ele é bastante baixo. As pessoas mais velhas tendem a ter um sentimento de dever cívico mais forte. As pessoas com níveis mais altos de educação também tendem a reportar um nível de sentimento de dever cívico mais elevado. As pessoas que participam mais frequentemente em cerimónias religiosas também estão positivamente associadas a este sentimento de dever cívico", afirma sobre o estudo que também é da autoria de José Santana Pereira (ICSTE).

Abstencionistas posicionam-se mais à direita

No estudo, João Cancela e José Santana Pereira explicam que a abstenção não é aleatória: resulta de uma conjugação de fatores estruturais (como a idade, a escolaridade ou a classe social), logísticos (a distância ao local de voto, a falta de transporte) e de atitude (como a desconfiança nos políticos ou a desvalorização do dever cívico).

Entre os inquéritos e conversas com diferentes grupos de pessoas, o investigador nota principalmente uma ideia de eleitores "desencantados" com a ideia de votar.

"Encontramos exemplos de pessoas desencantadas, que numa fase da sua vida até eram mais participativas, mas que tiveram desilusões por motivos vários, em alguns casos coisas muito circunstanciais das suas vidas. Encontramos também pessoas que não se consideram suficientemente movidas e que não se dão ao trabalho de procurar informação. Há pessoas que nem sequer têm bem noção de que existem eleições para órgãos diferentes. Se isso passa na televisão mudam de canal", afirma.

Estes dados foram obtidos através de inquéritos realizados entre o final de 2021 e o início de 2022, mas vêm confirmar o perfil de abstenção das eleições dos útimos anos, com um perfil de abstencionista mais à direita e que, segundo os estudos pós-eleitorais das legislativas de 2024 e 2025, transferiu o seu voto para o Chega.

"Apesar de se posicionarem mais à direita, quando vamos ver as posições sobre assuntos concretos, elas não são assim tão distantes. Não encontramos grandes diferenças na opinião sobre a abertura à imigração entre as pessoas que mais se abstêm e as pessoas que mais votam", refere João Cancela, indicando que não há também grandes diferenças a nível de setores-chave, como saúde ou educação, entre abstencionistas e pessoas que não votam.

As maiores diferenças estão sim na economia, com abstencionistas a acreditarem que os impostos pagos são demasiado elevados, havendo também maior propensão para dizer que mais facilmente se sentiriam representadas por um cidadão comum do que por um político profissional.

No estudo, é apontado um dos grandes problemas da abstenção em Portugal: o sobrerrecenseamento, o que significa que há mais inscritos para votar do que aqueles que realmente podem. Isso acontece devido à inscrição automática e pelo peso da diáspora, que inflacionam o número de eleitores.

Nas últimas legislativas de maio, a abstenção em território nacional foi oficialmente de 42%, mas o estudo aponta que apenas 25% dos eleitores não votaram - ou seja, um em cada quatro portugueses e uma "subestimação entre 8 e 9 pontos percentuais da participação efetiva". A mesma distorção verifica-se noutros atos eleitorais, sobretudo nas europeias.

João Cancela explica que o local onde se vota também influencia a vontade de votar: "Quanto mais distante eu estou do local onde estou recenseado e da Assembleia de Voto onde devo votar, mais provável é que eu me abstenha e que me torne um abstencionista crónico."

Autárquicas resistem à abstenção

A investigação inclui também um caso de estudo sobre as últimas eleições autárquicas, de 2021, para referir que o próximo ato eleitoral tem sido dos que tem resistido a um aumento de abstenção.

Enquanto as legislativas sofreram uma erosão a partir de 1999 e as europeias são as eleições menos atrativas, com uma abstenção de quase 64% em 2024, as autárquicas têm resistido melhor.

Desde já porque não incluem círculos da emigração, apresentando taxas de abstenção mais estáveis, sobretudo em zonas rurais e híbridas.

Nas eleições de 2021, em contexto de pandemia e com muitas candidaturas independentes em vários concelhos, a taxa oficial de participação foi de 53,6%. Depois de corrigida, a mesma sobe para cerca de 60%, confirmando que o voto local continua a mobilizar de forma mais sólida, principalmente fora das áreas urbanas.

As recomendações

Para combater as baixas taxas de participação em eleições, os investigadores recomendam várias medidas - algumas simples ou outras que exigem mais trabalho -, não só a nível eleitoral mas também em termos de logística, para facilitar a vida a quem vota.

  • Mexer na disciplina de Cidadania e envolver imigrantes

O estudo apresenta recomendações com vista a reforçar o dever cívico, de natureza logística e material e de índole institucional. Identificado o défice de dever cívico como um dos principais fatores associados à abstenção eleitoral, os autores recomendam uma alteração ao currículo de "Educação para a Cidadania", com "foco mais robusto na importância do voto nas democracias representativas", através de simulações e atividades práticas.

O relatório recomenda que estes conteúdos sejam ministrados "desde os primeiros ciclos do ensino básico", justificando-se com literatura científica que sustenta "efeitos mais consistentes" em idades mais precoces.

Ainda no domínio do reforço do dever cívico, os especialistas recomendam "a inclusão de módulos formativos sobre o sistema democrático e os direitos e deveres eleitorais nos programas de acolhimento e integração". Os autores assinalam que esta é uma fatia do eleitorado que tem aumentado em anos recentes.

"Há evidência experimental de que ações como o contacto presencial com eleitores imigrantes podem ter efeitos positivos no aumento da participação, especialmente em contextos onde estes cidadãos apre‑ sentam um menor nível de informação política", pode ler-se no relatório, reforçando uma recomendação para formações em formato voluntária , evitando "qualquer conotação de condicionalidade ou coação", e em articulação com "as redes locais de acolhimento, organizações da sociedade civil e autarquias".

Os autores recomendam ainda a "ampliação de campanhas institucionais de mobilização" que afirmam desempenhar um papel importante na redução da abstenção.

  • Voto em mobilidade generalizado e transportes gratuitos

Se a distância aos locais de voto "penaliza segmentos significativos da população", o relatório sugere duas recomendações para derrubar obstáculos ao ato de votar.

Os especialistas propõem a generalização do voto antecipado em mobilidade para todas as eleições, defendendo que os esforços recentes de adoção deste sistema sejam alargados também às autárquicas. A literatura científica sugere no entanto que se, por um lado, o voto antecipado só por si pode ter "efeitos desmobilizadores em certas faixas do eleitorado", também pode, por outro lado, "quando combinadas com esforços de mobilização e melhorias logísticas", produzir efeitos positivos mais consistentes na redução da abstenção.

O relatório sugere ainda a implementação de projetos‑piloto de transporte público gratuito em dias de eleição "em regiões com histórico de elevada abstenção e com dificuldades de acessibilidade, particularmente em zonas rurais e periféricas".

  • Não ao voto obrigatório e pela internet

Os autores ressalvam que decidiram não recomendar a implementação do "mecanismo de aumento da conveniência do votar mais popular no inquérito realizado", ou seja, o voto pela Internet.

João Cancela e José Santana Pereira argumentam que "há ainda muito a fazer em termos de flexibilização do voto presencial antes de tal medida ser introduzida". Alertam ainda para os exemplos internacionais que demonstram "riscos significativos associados ao voto online, incluindo a vulnerabilidade a ciberataques, e fraudes e falhas que podem comprometer a integridade e o escrutínio do processo eleitoral".

Os especialistas também descartam o voto obrigatório, uma das medidas mais mencionadas pelos inquiridos e, em particular, por aqueles que votam sempre ou quase sempre.

Os autores reconhecem que a obrigatoriedade do voto "tem, de facto, um importante efeito dissuasor da abstenção". Mas, por oposição à eficácia da medida, Cancela e Santana Pereira encontraram posições da classe política "quase unanimemente desfavoráveis a esta medida, o que indicia que tal proposta resultaria, pelo menos no curto/médio prazo, irrealista em termos da sua efetiva concretização".

Os coordenadores deste estudo dizem-se "particularmente sensíveis aos efeitos secundários que a obrigatoriedade do voto pode ter", ou seja, a ocorrência de votos pouco ponderados e dificuldades em identificar e votar nos partidos que melhor representam as preferências dos cidadãos.

  • Testar voto aos 16 anos

O relatório propõe a realização de um projeto‑piloto que permita avaliar a possibilidade do voto a partir dos 16 anos. Para evitar impactos imediatos em eleições legislativas e presidenciais, os autores sugerem que o teste seja feito nas próximas eleições para o Parlamento Europeu em 2029.

Os autores reconhecem que muitos inquiridos são céticos sobre esta possibilidade mas apresentam estudos internacionais que "convergem em considerar que os eleitores de 16 e 17 anos são mais propensos a participar do que os jovens imediatamente mais velhos".

Sobre a alegada "falta de maturidade intelectual ou cívica para realizar escolhas consequentes" aos 16 anos, os autores citam investigação recente que mostra que "essa assimetria é corrigida a partir do momento em que estes adolescentes dispõem de direito de voto". Os mesmos estudos advertem que a medida comporta um risco de "des‑recenseamento temporário", ligado à frustração dos jovens que, após terem votado numa eleição aos 16 ou 17 anos, perdem novamente o direito de voto em eleições subsequentes até completarem 18 anos.

  • Voltar a debater círculo de compensação

Por terem recolhido testemunhos de quem se vê limitado por estar recenseado num distrito com baixa magnitude eleitoral, os autores propõem "o relançamento do debate sobre a criação de um círculo nacional de compensação que complemente o atual sistema de círculos distritais".

O objetivo é aumentar a proporcionalidade e mitigar as assimetrias na representação entre distritos de elevada e baixa magnitude.

"Esta reforma poderia também ter um impacto positivo indireto na mobilização eleitoral de territórios mais periféricos e despovoados, onde as perceções de fraca eficácia do voto podem desincentivar a participação e contribuir para um sentimento de abandono político", pode ler-se no relatório que recomenda ponderação e equilíbrio entre eventuais benefícios e limitações.

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